O transexualismo no esporte

Posted Postado por Martinho em Blog     Comments Sem Comentários
maio
25

Uma das questões mais tormentosas no mundo esportivo versa sobre o  atleta que tenha mudado de sexo.

O assunto é complexo pois há que se fazer um juízo de ponderação dentro de um mesmo princípio: o princípio da igualdade, compatibilizando-se a igualdade jurídica (pela não discriminação) com a igualdade desportiva (evitar que atletas compitam em condições desiguais).
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Sob o prisma do direito comum, o transexual possui o direito de adequar seu corpo e sua documentação ao novo sexo com base no art. 13 do código civil e nos arts. 3º, incisos I,III e IV; 5º,X;196 e 205, todos da Constituição Federal;
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Mas o seu novo status lhe daria o direito de escolher o gênero pelo qual deseja competir?
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Dworkin distingue os direitos politicos em direitos  preferenciais e direitos institucionais. Os direitos preferenciais são aqueles que, considerados abstratamente, prevalecem contra as decisões tomadas pela comunidade ou sociedade como um todo, como os direitos dos idosos, crianças, pobres, as chamadas “minorias” e outros sujeitos à maior “vulnerabilidade social”.
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Por sua vez, os direitos institucionais seriam mais limitados, que prevalecem contra decisões tomadas por uma instituição específica. Seriam direitos decorrentes de normas corporativas de entidades privadas como contratos de associações, regimentos de sindicatos, regulamentos esportivos e etc.
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O direito constitucional do transexual é um direito preferencial de cunho negativo, ou seja, sua iniciativa de mudar de sexo deve prevalecer no seio social,  NÃO podendo ser discriminado por esse fato.
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Ele possui um cunho negativo, porque exige das pessoas uma abstenção: a de nao discriminar. Mas isso não quer dizer que o seu novo status possa prevalecer sobre as regras do jogo, que, de certa maneira também consubstanciam os direitos institucionais dos outros praticantes.
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Os participantes da competição firmaram um acordo coletivo:um contrato de adesão, sabendo que as regras da modalidade seriam aplicadas. (Dentre elas o da preservação da igualdade entre competidores). Eles têm direitos genuínos ao cumprimento dessas regras e não de outras.
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Ou seja, os direitos preferenciais não possuem o condão de alterar direitos institucionais, assim considerados os direitos estabelecidos por regras constitutivas de uma instituição, no caso, um esporte.As pessoas pobres, por exemplo, recebem especial proteção da Constituição, mas um boxeador pobre não pode  ganhar mais pontos que seu adversário por força de sua condição humilde, em virtude dos principios da justiça distributiva, igualdade material ou solidariedade, entre outros. Com efeito, os direitos preferenciais não possuem força para fazer com que os preceitos constitucionais que os protejam permitam interpretações que inflem o seu direito de maneira a prejudicar seus semelhantes.
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Se as regras do jogo não fizerem expressamente menção a essa questão, importa examinar a natureza da modalidade.
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Para tanto, deve-se reconstruir a natureza do jogo, fazendo-se uma série de perguntas distintas, para determinar se suas características apoiam ou não a participação de transexuais, optando-se sempre por uma interpretação que jamais complemente o regulamento.
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Mas que o faça cumprir.
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Ora, quando a modalidade estiver dividida nos formatos masculino e feminino,  deve-se supor que a diferença da força física é relevante na preservação do princípio da igualdade desportiva. Como se sabe que esportes como o volei, basquete, etc envolvem força fisica, uma  desproporção desse jaez entre os participantes há de deturpar as características do jogo.
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Portanto, as decisões sobre os direitos institucionais possuem restrições institucionais, mesmo quando a força de tais restrições não seja manifesta.Assim, se um transexual deseja competir pela categoria que escolheu, não poderá ser impedido pela sua opção de gênero, pois isto constituiria discriminação.Mas ele não possui direito a exercer de forma automática a sua atividade. Há que se submeter ao crivo do nivelamento que garanta a igualdade entre as atletas femininas.
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O problema torna-se, portanto, mais médico que juridico. É a ciência medica que definirá a possibilidade ou nao do transexual competir.
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 Poderá então o atleta competir na categoria do gênero que escolheu?

Sim, desde 2004, mediante a satisfação de inúmeros requisitos. No ano anterior, uma comissão médica do Comitê Olímpico Internacional (COI), integrada por profissionais e especialistas da França, Suécia e dos Estados Unidos, reunida em Estocolmo, Suécia, chegou a um consenso que estabeleceu as bases para que atletas que tenham mudado de sexo pudessem competir livremente pelo sexo escolhido.

A Declaração do Estocolmo, de 28 de outubro de 2003, apoiada pelo COI, estabeleceu um “código”, com requisitos para que atletas possam competir após o processo de transexualidade. As exigências do COI para esses casos são:

– Os atletas transgêneros devem ter se submetido a uma cirurgia completa de adequação ao sexo escolhido. Isto implica remoção de suas gônadas e à redesignação externa.

– Os atletas devem ser reconhecidos legalmente e psicologicamente ao sexo readequado.

– realização de terapia hormonal por um período de dois anos posteriores à retirada das gônadas para neutralizar qualquer vantagem em relação aos outros atletas. Segundo especialistas, a terapia hormonal visa baixar os níveis de testosterona e a massa muscular das transexuais femininas para serem consideradas atletas mulheres.

Em novembro de 2015, após encontro promovido por sua Comissão Médica e Científica, o Comitê Olímpico Internacional (COI) produziu um documento com novas recomendações para a participação de transgêneros em competições internacionais, sendo que a principal mudança com relação à “Declaração de Estocolmo” é que as cirúrgicas de mudança de sexo (cirurgia de transgenitalização) não deve ser uma exigência, como uma pré-condição para competir, “por não ser necessária para garantir uma competição justa, podendo ser incompatível com as leis e os direitos humanos”.

Denominado de “Consensus Meeting on Sex Reassignment and Hyperandrogenism” – Reunião de consenso sobre mudanças de sexo e hiperandrogenismo – ele afirma que no caso de atletas cuja transição seja do sexo feminino para o masculino a recomendação é a de que não haja nenhuma restrição.

Já para os atletas cuja a transição é do sexo masculino para o feminino, há exigências em relação aos níveis de testosterona nos doze meses anteriores à primeira competição e durante o período em que estiver autorizado para competir: “para evitar discriminação, se o atleta não estiver elegível para competições femininas, deve ser elegível para competições masculinas”.

Para garantir uma competição justa, o COI estabeleceu, no caso de mudança de sexo masculino a feminino, que “a atleta tem de ter declarada a identidade de gênero feminina e manter nível de testosterona, hormônio masculino, dentro do nível permitido para disputas: abaixo de 10 nmol/L durante os últimos 12 meses antes de sua primeira competição e manter este nível durante o período de competição”.

Em síntese, pelas novas regras, podem competir atletas que estiverem em processo de mudança de sexo ou que não desejem uma completa remoção de suas gônadas ou à redesignação externa, como determinava as diretrizes de 2003. Com a nova regra é suficiente com manter com o nível de testosterona exigido pelo COI. A diretriz estipula 12 meses em caso de descumprimento dessas diretrizes.

HIPERANDROGENISMO EM ATLETAS FEMENINAS

Outra importante são os casos hiperandrogenismo (distúrbio endócrino que afeta a mulheres e homens caracterizados pelo excesso de produção de andrógenos como a testosterona) em atletas mulheres.

Para o COI, as atletas que superarem os níveis de testosterona estabelecidos “deve ser elegível para competir na competição masculina” para dessa forma “evitar discriminação”.

As diretrizes do COI de 2003 e sua atualização em 2016 procuram acompanhar as mudanças sociais e científicas referentes às questões de gênero.

Em 1968, o COI estabeleceu as “Provas de Verificação de Sexo”; primeiro mediante uma avaliação visual e mais tarde através de um controle cromossomático, alertado pela aparência das atletas do Leste Europeu que pareciam homens pela grande quantidade de anabólicos que consumiam.

Com este teste, mediante uma raspagem bucal, o COI procurava as atletas com cromossomas XY e os homens XX. No entanto, quem mais sofreram com “As provas de Verificação de Sexo” foram as atletas intersexuais(*), antes chamadas de hermafroditas, pois ficavam expostas  a demonstrar que eram mulheres permanentemente.

Contudo, o avanço da ciência determinou que nem tudo pode ser resumido a Y ou X para determinar quem é homem ou mulher. As “Provas de Verificação de Sexo” acabaram em 1998, mas continuaram a ser aplicadas  “excepcionalmente” a atletas intersexuais até recentemente.

Um exemplo importante foi o caso da atleta sul-africana Caster Semenya, que, após ganhar a final dos 800 metros no Campeonato do Mundo de 2009 em Berlim, teve sua sexualidade questionada. Embora as “Provas de verificação de Sexo” tivessem terminado 11 anos antes, o COI submeteu a atleta sul-africana a esse teste por considera-la “de aspecto demasiado masculino”.  O teste cromossomático demostrou que Semenya é intersexual, com mais características femininas e continua a competir com mulheres até hoje.

(*) qualquer variação de caracteres sexuais incluindo cromossomosgônadas e / ou órgãos genitais que dificultam a identificação de um indivíduo como totalmente feminino ou masculino. Essa variação pode envolver ambiguidade genital, combinações de fatores genéticos e aparência e variações cromossômicas sexuais diferentes de XX para mulher e XY para homem. Pode incluir outras características de dimorfismo sexual como aspecto da face, voz, membros, pelos e formato de partes do corpo.

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