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O Racismo no esporte

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nov
22

Importa termos consciência sobre as nuances em que se dá o racismo no esporte.

Após o início da “era dos descobrimentos”, os europeus constataram a diversidade de culturas e etnias entre os povos.

Uma das consequências desse contato foi a de que alguns passaram a repudiar culturas com as quais não se identificavam, levando o renomado antropólogo François Laplantine  a denominar esse movimento de “recusa do estranho”.

Essa ideologia menosprezava e ainda menospreza, tudo o que não seja compatível com um modelo de cultura previamente escolhido por quem discrimina.

E o racismo constitui-se na vertente mais repugnante dessa forma de pensar, por preconizar que a formação anatômico-fisiológica das pessoas permite que uns sejam mais “humanos” que outros.

Diga-de passagem que o próprio nome “racismo”, é contraditório em seus próprios termos,  vez que a biologia e a genética são uníssonas em afirmar que diferenças étnicas entre seres humanos não produzem outras raças dentro da única raça que é o “homo sapiens”.

O fato é que, depois de um período de aparente esquecimento na segunda metade do século XX, a xenofobia ressurge em alta escala no século XXI, diante da crise econômica mundial, acompanhada de forte desemprego.

Sua repercussão no esporte foi imediata, já que este segmento, mais do que qualquer outro, gera contatos entre componentes das mais diferentes etnias, classes, origens e religiões.

E a exteriorização do preconceito neste setor vem se dando especialmente por gestos, cânticos e xingamentos de torcedores nos mais variados cantos do planeta.

Entretanto, o curioso é que esses atos são cometidos geralmente com uma ressalva: dirigem-se essencialmente contra os atletas adversários, mesmo sabendo os agressores que há desportistas de diferentes etnias em sua própria equipe.

O que resulta desta observação é que a discriminação racial é utilizada também com o fim de desestabilizar emocionalmente o adversário, de forma a obter uma vantagem indevida na disputa.

Ou seja, como se não bastasse, o racismo no mundo esportivo tem ainda esta agravante, igualando-se às piores e mais reprováveis formas ilícitas de obtenção de vantagem desportiva como o doping, a corrupção, fraudes, ameaças, etc.

A beleza no triunfo esportivo (e, porque não dizer, na própria vida) só existe quando atingida pelos próprios méritos, e não na conquista a qualquer preço, ainda mais quando ajudada por tamanho desrespeito ao adversário.

Nunca nos esqueçamos que as grandes vitórias também advieram não só do talento, mas sobretudo do esforço pessoal, da garra e determinação dos competidores que se superam a cada dia na obtenção de suas conquistas.

Eis o exemplo que fica: os verdadeiros vencedores sempre ganham na “raça”: jamais pelo racismo.

Jogos de Azar: pelo fim da hipocrisia

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jun
9

Jogos de Azar: pelo fim da hipocrisia

1946, ano em que rodou pela última vez a roleta no cassino do hotel Copacabana Palace no Rio de Janeiro. Neste mesmo ano, o governo proíbe o jogo e o coloca na marginalidade. Prevê que a sua exploração em lugar público sujeita o responsável à pena de prisão e quem aposta está hoje sujeito a uma multa de até 200 mil reais.

Precisamente 70 anos depois da proibição, foi apresentada no Congresso Nacional uma proposta para a revitalização do jogo em nosso país.

Para justificar sua extinção, o governo argumentou à época que o jogo seria contrário aos bons costumes e que atrairia para o seu redor algumas atividades ilícitas.

Se o segundo critério tivesse sido rigorosamente levado ao pé da letra, teria acarretado na extinção de outras atividades de entretenimento que também se fizeram acompanhar de práticas irregulares.

Assim, por exemplo, o esporte, que se vê envolto até hoje em inúmeras práticas de corrupção, lavagem de dinheiro, doping, manipulação de resultados, dentre outros ou o mundo do samba, que notoriamente durante décadas esteve em grande parte ligado ao jogo do bicho.

A posição do país é extremamente dúbia, já que o jogo e a aposta entre duas ou mais pessoas são ajustes considerados lícitos no Brasil desde o Código Civil de 1916. A exploração pública é que é vedada.

Mas a ambiguidade não para por aí.

Com efeito, ao mesmo tempo em que o Estado brasileiro considerou que a atividade é degradante para o ser humano, colocando-a no campo da ilicitude, avocou para si o direito exclusivo de promovê-la em território nacional, através dos inúmeros concursos de prognósticos gerenciados pela Caixa Econômica Federal.

A incongruência é manifesta: há no país uma atividade considerada ilícita, mas que é amplamente explorada pelo governo.

E o desconforto só aumenta quando analisamos a Constituição, já que ela fixou, como regra geral, que a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só pode ser exercida apenas de forma coadjuvante à iniciativa privada.

De fato, são princípios constitucionais da atividade econômica os postulados da livre iniciativa e livre concorrência, só sendo permitida a atuação do Poder Público em casos excepcionais, quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, o que nem de longe se aproxima da exploração da jogatina em geral.

Além disso, o Estado só pode atuar em regime de monopólio dentro dos casos taxativamente descritos na Constituição, a qual reservou à União a exclusividade de exploração apenas de matrizes energéticas como gás, petróleo, minerais nucleares e etc.

Fortes argumentos contra e a favor da legalização existiram e sempre existirão, mas o principio da igualdade clama para que se adote um destes dois caminhos: se for considerada lícita, que se permita a todos a sua exploração: se for tida como ilícita e nociva aos interesses nacionais, que se extinga tal prática de uma vez por todas, para que ninguém a promova.

Principalmente o Estado.

A aplicação da boa-fé objetiva aos contratos

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mar
16

Et Ryan … Lost !

O caso do nadador americano traz à tona os reais deveres dos atletas em relação aos seus patrocinadores.

O nadador Ryan Lochte perdeu vários de seus patrocinadores após se envolver numa polêmica por haver feito uma falsa comunicação de crime às autoridades policiais brasileiras, na tentativa de dissimular os danos que foram cometidos por ele e alguns colegas num posto de gasolina no Rio de Janeiro, na época dos jogos olímpicos de 2016.

A questão faz surgir uma discussão importante sobre as obrigações legais que decorrem de um contrato de patrocínio.

Os deveres essenciais das partes que decorrem desse ajuste são, em relação ao patrocinador, o de pagar a quantia combinada em contrato para a utilização da imagem do atleta, enquanto que a este cabe participar das ações promocionais previstas em contrato, como utilizar a marca nas competições, participar de entrevistas, comparecer a eventos do patrocinador e etc, tudo na forma prevista no acordo.

Mas o caso de Ryan Lochte é emblemático uma vez que seus patrocinadores teriam rescindido o contrato de patrocínio que mantinham com o nadador, sem que o atleta tivesse feito qualquer coisa diretamente contra eles.

Esta situação nos remete à seguinte pergunta: os patrocinadores podem rescindir os contratos em virtude de comportamentos adotados pelos patrocinados na sua vida privada?

Para começar a respondê-la, é fundamental trabalharmos com o conceito da boa-fé que integra todos os contratos a serem celebrados tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, país natal do grande nadador olímpico.

O princípio da boa-fé e seu conteúdo

Embora haja muitas diferenças entre os sistemas legais do Brasil e dos Estados Unidos, há um ponto comum entre ambos: o princípio da boa-fé.

Nos Estados Unidos, esse princípio deriva de expressa previsão legal do Uniform Commercial Code, cujo par. 1º-304, diz que “Todo contrato ou dever regulado pelo Uniform Commercial Code, impõe uma obrigação de boa-fé tanto na sua constituição quanto no seu cumprimento.”

Por sua vez, o par. 1º-201, conceitua boa-fé (Good faith) como honestidade na forma de atuar e a observância de standards razoáveis comerciais de agir e negociar corretamente.

Esses standards representam vários deveres implícitos que surgem automaticamente da celebração de um contrato.

Sob o prisma jurídico, a boa-fé possui dois sentidos: o subjetivo e o objetivo. O subjetivo lida com o estado psicológico do sujeito que crê erroneamente na existência de uma situação jurídica enquanto que a realidade é completamente diferente. Ou seja, o agente, levado por certas circunstâncias, ignora a irregularidade de um ato ou de uma situação jurídica.

Assim, por exemplo, o possuidor que pensou que tivera adquirido o domínio da coisa que ele possui, quando desconhecia o fato de haver comprado de quem não era o verdadeiro proprietário.

O sentido objetivo da boa-fé, que é o que nos interessa, trata de padrões de conduta exigidos pela sociedade do contratante no cumprimento de sua obrigação.

Por isso que este tipo de boa-fé é apelidada de « objetiva » uma vez que se trata de modelos de comportamento que são exigidos de qualquer pessoa, sem levar em conta o estado psicológico do sujeito no momento em que ele cometeu o ato passível de recriminação.

Pelo contrário, as normas de conduta foram criadas tendo por parâmetro o homem médio e todas as partes contratantes são obrigadas a respeitá-las qualquer que seja a sua intenção.

Estas regras de conduta representam diversas obrigações implícitas que decorrem automaticamente da conclusão de um contrato, sendo assim chamadas de “deveres acessórios”, que estão presentes em toda relação contratual, pouco importa o seu conteúdo.

Em linhas gerais, podemos distinguir quatro espécies de deveres acessórios: São eles: obrigação de informação, obrigação de segurança, obrigação de lealdade e obrigação de cooperação, que as partes devem respeitar entre eles, a fim de que ambos possam ATINGIR JUNTOS os objetivos que cada um definiu ao celebrar o contrato.

A obrigação de informação indica que existe um dever de informar sobre qualquer fato que tenha relevância para a confecção ou cumprimento do contrato em questão.

Assim, por exemplo, se um jogador faz uso de um medicamento sem a autorização do departamento médico, ele tem o dever de informar o ocorrido ao médico da equipe, pois poderá ter usado uma substância dopante e nessa hipótese irá trazer prejuízos enormes para o seu patrocinador.

Da mesma forma, se um clube transfere um jogador para outra agremiação, ele tem o dever de informar se o atleta possui algum tipo de problema médico.

Com relação à obrigação de segurança, compete às partes assegurar a integridade dos bens e dos direitos do outro, MESMO SE NÃO for o proprietário desses mesmos bens e direitos. O inquilino de uma academia, por exemplo, tem o dever de notificar o proprietário a respeito de qualquer problema estrutural que exista na propriedade.

No que diz respeito à obrigação de lealdade, há que se observar que cada uma das partes não deve agir de maneira a causar danos ao outro, ou seja, uma parte contratual não pode inutilmente agravar a situação da outra parte.

Não basta que o contrato seja respeitado na sua literalidade. É necessário que se adotem comportamentos que respondão de melhor maneira aos interesses comuns das duas partes contratantes.

Tome-se como exemplo um treinador que tenha indicado a contratação de um jogador apenas porque ele é seu amigo, ou porque pretende quitar uma dívida que mantém com ele, não cumpre com seu dever de lealdade em relação ao clube empregador, uma vez que a indicação de um jogador deve ser feito no único e exclusivo interesse do clube empregador e não para atender interesses egoísticos do treinador contratado.

Por seu turno, a obrigação de cooperação representa a colaboração que deve haver entre as partes a fim de que os dois possam atingir os fins do contrato, aumentando as chances para que sejam produzidos todos os efeitos concebidos por ocasião da assinatura da avença.

Em outras palavras, o dever de cooperação implica na obrigação de que cada contratante facilite a execução do contrato por parte do outro, não devendo ver na outra pessoa  um adversário mas sobretudo um parceiro, que deve ser prestigiado e considerado em todo momento.

Ou seja, pelo dever de cooperação o contratante não deve estar apenas preocupado com os seus próprios interesses, mas agir de maneira a permitir que a outra parte também se beneficie do contrato que foi celebrado.

A obrigação de cooperação entre as partes contratantes: um dever fundamental nos contratos de patrocínio

E no contrato de patrocínio, como é que o atleta deve agir para colaborar com o seu patrocinador?

Para tanto, impõe-se analisar quais os objetivos perseguidos pelas partes num ajuste dessa natureza.

Com relação ao patrocinado, a celebração de tal contrato tem por meta o de receber uma remuneração em decorrência da cessão da imagem. O contrato de patrocínio constituiu-se num dos mais importantes meios de subsistência para atletas que não exercem a sua função sob a égide de um contrato de trabalho.

Em relação ao patrocinador, a contratação de atletas como garotos-propaganda visa a utilização de sua imagem como meio para aumentar as vendas, valorizar institucionalmente a marca e melhorar a comunicação com clientes.

De fato, o patrocínio é um mecanismo mais fácil de acesso ao espírito do consumidor que se deseja conquistar, por associar o produto a um personagem vencedor adorado e respeitado pelo público.

Portanto, para que o contrato responda às expectativas do patrocinador, existem dois fatores que o atleta deve levar em consideração: lutar pelos melhores resultados esportivos possíveis e preservar a sua imagem.

Enquanto que a primeira tarefa a ser atingida é uma obrigação de meio, em que o atleta não pode garantir a obtenção de resultados desportivos favoráveis, vez que a vitória não depende só de seus próprios esforços em virtude de fatores externos como a atuação dos adversários, condições climáticas e etc, a segunda obrigação é algo que depende única e exclusivamente do comportamento do patrocinado.

Sendo a imagem do atleta elemento essencial na exploração publicitária por parte do patrocinador, o dever acessório de colaboração impõe ao desportista preservar a sua imagem a fim de contribuir com os objetivos de seu patrocinador.

Sobressai daí uma característica singular presente no contrato de patrocínio que é o fato dele ser um contrato intuitu personnae, ou seja, é um contrato concluído em razão das qualidades pessoais da pessoa contratada, assim como o contrato de trabalho, o mandato, o contrato de empreitada para a pintura de um quadro, dentre outros.

Ou seja, o contrato de patrocínio é feito levando em conta não apenas a competência e habilidade, mas também a reputação de uma pessoa específica.

Ora, se o contrato foi feito de acordo com os atributos aparentes da personalidade do atleta no momento da contratação, importa ao desportista o dever de manter um comportamento compatível com os padrões exigidos de uma figura pública respeitada.

Por haver praticado atos de vandalismo e por ter comunicado falsamente a ocorrência de um crime perante a autoridade policial brasileira, Ryan Lochte esqueceu-se de sua obrigação implícita de cooperar com seus patrocinadores, mesmo que não tenha tido a intenção, através de seu ato, de provocar danos à eles.

E este dever era precisamente o de preservar sua imagem, porque é graças a ela que seus patrocinadores poderiam atender os objetivos perseguidos num contrato de patrocínio: aumentar a venta de seus produtos pela simpatia de seus clientes a um ídolo.

Mas este esquecimento lhe custou caro.

Muito caro.

Aspectos legais do PROFUT

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mar
11

profutASPECTOS LEGAIS DO PROFUT

Martinho Neves Miranda[1]

 

  1. CONTEXTUALIZAÇÃO; 2. OS PROBLEMAS DA GOVERNANÇA CORPORATIVA NAS ENTIDADES DESPORTIVAS; 3. OS INTERESSES A SEREM PROTEGIDOS E A NECESSIDADE DE CONTROLE EXTERNO ESTATAL. 4. PANORAMA DA LEI DO PROFUT 4.1 QUEM PODE PARTICIPAR? 4.2 QUAIS AS DÍVIDAS QUE PODEM SER PARCELADAS? 4.3 ADESÃO E MANUTENÇÃO; 5. OS ERROS E ACERTOS DO PROFUT; 6. APFUT: UM TIME DE DÚVIDAS 7. CONCLUSÕES; 8. BIBLIOGRAFIA

 

  1. CONTEXTUALIZAÇÃO

A Lei nº 9.615/98, comumente denominada Lei Pelé, em apenas 18 anos de existência, teve quase 80 % dos seus artigos modificados ou revogados por 9 leis ( uma cada dois anos em média) que a descaracterizaram totalmente e dela fizeram uma autêntica colcha de retalhos.

Boa parte dessas mudanças teve por objeto a forma de administração das entidades desportivas, envolvidas em esquemas de corrupção, gestão temerária, sonegação fiscal dentre outras irregularidades, que só fizeram com que o esporte brasileiro continuasse patinando sem resultados que demonstrassem a força e a grandeza de nosso país.

Mas a maioria esmagadora dessas normas da Lei Pelé tem se mostrado ineficaz e a pergunta que se faz é: Porque um número enorme de regras que prega a governança corporativa nos clubes e federações não se mostrou eficaz?

A resposta é simples: por falta de fiscalização. E essa carência de controle é uma decorrência de um erro de interpretação do art. 217 da Constituição federal, em que muitos alardeiam que a autonomia constitucional das entidades desportivas impede a fiscalização do Estado.

E isso faz lembrar as origens da democracia, cuja primeira manifestação se deu no ano 450 antes de cristo em Esparta, em que aprovação ou não das leis se dava pela quantidade de barulho que cada um dos lados, do “sim” ou do “não”, fizesse.

Parece que o mesmo ocorreu em relação ao art. 217 da Constituição Federal, pois o fato das entidades terem autonomia não significa que não tenham que se adequar a princípios e direitos fundamentais fixados pelo Estado, muito embora os adeptos do “não” tenham bastante força perante a mídia e poderes públicos para dizer o contrário.

Entretanto, basta ver que outras entidades gozam expressamente de autonomia no texto constitucional e nem por isso deixam de se submeter ao controle e vigilância do Estado.

As universidades, por exemplo, gozam expressamente de autonomia didático-científica na forma do art. 207 da Constituição, mas nem por isso, deixam de estar sujeitas à cassação da autorização de seu funcionamento em caso de avaliação governamental insatisfatória sobre sua atuação.

Os partidos políticos, por sua vez, também foram contemplados pelo texto constitucional com artigo semelhante ao que fora dedicado às entidades desportivas, precisamente no art. 17, parágrafo primeiro, que vai dizer que é assegurado aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura, organização e funcionamento.

Mas também os partidos estão sujeitos a terem o cancelamento do registro, caso tenham recebido recursos do exterior ou não tenham prestado contas à Justiça Eleitoral.

O mesmo ocorre com as instituições financeiras que podem sofrer intervenção do banco central em determinadas situações e etc, etc e etc.

Então, porque no esporte seria diferente?

Destaque-se a propósito, que recentemente o STF, numa ação direta de inconstitucionalidade proposta contra o Estatuto do Torcedor, decidiu de forma unânime o seguinte: sendo o esporte um direito do cidadão, a autonomia das entidades desportivas é mero instrumento para concretização deste bem jurídico protegido no ordenamento jurídico: o direito ao esporte digno e legítimo e que “nenhum direito, garantia ou prerrogativa ostenta caráter absoluto…” [2]

E estamos coincidentemente vivendo um momento muito peculiar, em que o mundo do esporte está em verdadeira ebulição com tantos escândalos de corrupção, com destaque para o escândalo da FIFA, com pelo menos três presidentes de confederações continentais envolvidos, inúmeros presidentes de confederações nacionais presos e indiciados, dentre outros.

Por outro lado, presenciamos o maior escândalo de corrupção por doping na Federação Internacional de Atletismo, em que testes positivos de atletas russos foram ocultados e que envolveram dirigentes e políticos do alto escalão do governo russo.

E agora mais recentemente a denúncia de manipulação de resultados no tênis mundial, em que tenistas top estariam perdendo de propósito suas partidas para beneficiar grupos de apostadores.

Mas porque o esporte atrai tanto esse tipo de gente e porque especialmente no Brasil nossos clubes estão falidos e o esporte olímpico nacional não decola?

Para responder a essa pergunta é interessante traçarmos um paralelo com uma tese proposta pelo naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck. Fora ele o primeiro a propor, no início do Século XIX, uma teoria de evolução biológica.

Para Lamarck, o ambiente faz com que os seres vivos moldem seus próprios órgãos para que se adaptem à nova realidade. Assim, por exemplo, a girafa teria tido seu pescoço aumentado pela necessidade de alcançar os ramos altos das árvores; o morcego, por sua vez, teria seus olhos atrofiados pela pouca exposição ao sol e etc[3].

Se sua teoria não explicou por completo o fenômeno da evolução das espécies, serviu pelo menos para compreender todo esse caos na gestão do esporte, pois o ambiente em que se movem as instituições desportivas constitui o ‘habitat’ propício para o cometimento de desvios, a começar pela forma de administração e controle  dessas entidades.

De fato, geridas em formato de associação sem fins lucrativos, elas atuam sem os controles internos e governamentais que seriam necessários para o volume de recursos que administram.

Mas o escândalo na FIFA, por exemplo, deixou claro que a inexistência de fins lucrativos passa bem longe dessas entidades, uma vez que não se sustentam apenas com a contribuição de seus associados.

Pelo contrário, elas operam no mundo dos negócios, alienando direitos de transmissão e realização de competições, que foi precisamente o cenário em que a maior parte dessas fraudes teria se operado.

E aqui chegamos na raiz de todos esses problemas: as organizações desportivas atuam em regime de monopólio, por serem as únicas detentoras de direitos de organização e de transmissão das modalidades que capitaneiam.

Reunidas aqui estão as condições perfeitas de temperatura e pressão para o cometimento de crimes e desvios de conduta. Sem fiscalização e com imenso poder monopolista, altos dirigentes do esporte vem se envolvendo em fraudes dos mais variados tipos.

Particularmente no caso da FIFA estamos diante de tema nem um pouco esportivo: uma violação ao direito antitruste, com menosprezo ao principio da livre concorrência.

Ora, como sabemos, quem atua sob regime de monopólio, seja lá o ramo de atividade que for, há de estar sujeito ao controle do Poder Público, a fim de impedir que entes monopolistas não abusem de sua “posição dominante”. E não foi por acaso que as investigações foram conduzidas pelos Estados Unidos,  já que é precisamente naquele país que as normas antitrustes surgiram através da Sherman Act, de 1890 e inspiraram todo o mundo a criarem leis que preservem a livre concorrência e impeçam a realização de fraudes no mercado.

Ademais, não se pode considerar que não exista interesse público quando cifras astronômicas estão envolvidas, pois onde há muito dinheiro, aumenta-se a possibilidade de que delitos de ordem financeira sejam praticados, como no doping dos atletas russos no atletismo ou no esquema de manipulação de resultados no tênis, citados anteriormente.

Por isso, estes episódios não podem servir apenas para fazer com que os culpados sejam punidos. Há que se criar regras de controle e mecanismos de fiscalização tanto no plano internacional quanto no direito interno de cada país.

Pois, como dizia Lamarck, “se os organismos progridem de acordo com o meio ambiente” e se nada for feito preventivamente, novos esquemas continuarão a criar Dráculas ou Franksteins de corrupção, ao invés de simples morcegos ou girafas…

E por falar em Dráculas e Franksteins, é de se enfatizar que a legislação brasileira criou um verdadeiro monstrengo jurídico na organização e administração dessas entidades. Isto porque, sabendo que de amador o futebol não tem nada, a lei 9615 (art. 27 Parágrafo 13) equipara as atividades profissionais desenvolvidas pelas entidades desportivas às sociedades empresárias para todos os fins.

Para QUASE todos, ousa-se corrigir.

Tal se afirma, pois para ficar em cima do muro, a lei NÃO exige que se constituam como tal, criando um verdadeiro Frankenstein jurídico: entidades  desenvolvendo atividades empresariais, mas dirigidas por amadores…

Diante desse cenário,  qual executivo ou profissional qualificado irá abdicar de suas  atividades profissionais para se dedicar integral e  “filantropicamente” a uma entidade? Mas, o problema não para por aí,  pois ainda que se disponha, terá de encarar um processo eleitoral nem sempre transparente e igualitário.

Com estatutos alterados para atrapalhar opositores, colégios eleitorais dissimulados e escrutínios pouco confiáveis, certos dirigentes criaram a receita perfeita para impedir o surgimento de  boas e novas lideranças.

Assim, vivendo praticamente sem leis nem fiscalização do Estado, que lava as mãos como Pilatos no credo, o esporte de nosso país habita numa autêntica terra de Marlboro: um ambiente fértil para atrair dirigentes com fins menos altruísticos…

Há que se introduzir uma nova “MENTALIDADE” na gestão do futebol brasileiro, o que exige naturalmente a presença de “NOVAS MENTES” no poder.

Mas para que isso aconteça, são necessários 3 ingredientes  incomuns no esporte brasileiro: PROFISSIONALISMO, DEMOCRACIA e TRANSPARÊNCIA. Estes ingredientes somados levam ao padrão que se deseja: A GOVERNANÇA CORPORATIVA.

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  1. OS PROBLEMAS DA GOVERNANÇA CORPORATIVA NAS ENTIDADES DESPORTIVAS.

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Ivan Rocha leciona que o tema da governança corporativa “existe para tentar aumentar as garantias de que os interesses de um grupo de pessoas serão verdadeiramente satisfeitos mediante uma pessoa jurídica, administrada por outro grupo de pessoas”.[4]

Tais garantias se dão basicamente por mecanismos de transparência, responsabilidade administrativa, democracia interna e fiscalização. Conforme já dito, a Lei nº 9.615/98 criou diversas práticas relacionadas aos três primeiros institutos. Em que pese o esforço do legislador, suas iniciativas não surtiram o efeito desejado, uma vez que justamente no quesito da fiscalização não houve inovação.

Com efeito, o conservadorismo do legislador fez com que se mantivesse nos órgãos internos de controle das próprias entidades desportivas a responsabilidade pela aferição das boas práticas de gestão, o que se mostrou completamente ineficaz.

Há duas razões principais para que isso tenha acontecido: desqualificação dos seus integrantes e o amadorismo presente no exercício da função.

Com relação à primeira, é bem de ver que, por serem as entidades desportivas em sua maioria, associações sem fins lucrativos, os seus associados predominantemente não possuem a expertise necessária para a realização das tarefas de controle.

No que toca à segunda, tem-se que a inexistência de uma remuneração aos responsáveis pelo exercício do controle interno é um grande limitador para o granjeio de nomes qualificados, pois sem uma contraprestação, serão poucas as chances de  que um profissional qualificado deixe suas atividades laborativas para se dedicar a uma função gratuita e que por certo exigirá por parte deste um grande tempo de trabalho.

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  1. OS INTERESSES A SEREM PROTEGIDOS E A NECESSIDADE DE CONTROLE EXTERNO ESTATAL

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Voltando ao conceito apresentado sobre governança corporativa no tópico anterior, nota-se que esta prática tem por objetivo proteger interesses de grupos de pessoas que são administradas por outras.

Exsurge a noção da teoria da agência, que se pega emprestado do direito empresarial, vez que as empresas que antes estavam  nas  mãos  do proprietário,  o qual  também  detinha  a  administração  da  empresa,  agora  se deparam  com  a  separação  das  funções  de  proprietário  e  de  administrador.  A partir do momento em que surgem dois titulares dentro da entidade, surge o problema de se adequar as decisões tomadas pelo administrador com as necessidades do acionista.

Transportando essa ideia para a administração esportiva, abre-se espaço para uma indagação: quais são os interessados na gestão responsável de uma entidade desportiva?

Num primeiro plano, os associados, constituindo-se assim num direito coletivo, ou seja, um direito transindividual de pessoas ligadas por uma relação jurídica base entre si ou com a parte contrária, que vem a ser o vínculo associativo, sendo seus sujeitos indeterminados, porém determináveis.

Entretanto, a gama de pessoas interessadas não para por aí. No esporte é difícil identificar esse grupo de pessoas, uma vez que não se limita aos associados, ou seja, àqueles que possuam um vínculo formal com a instituição. Clubes de futebol, por exemplo, possuem quadro associativo irrisório se comparado aos seus torcedores, que atingem, em algumas entidades, a casa de milhões de pessoas.

Essa situação aproxima-se do conceito de interesses difusos, que compreende um grupo, classe ou categoria indeterminável de pessoas, que são reunidas entre si pela mesma situação de fato.

Neste sentido, vem a calhar o ensinamento de Celso Bastos[5] que tipifica o interesse da sociedade em torno das competições desportivas como autêntico interesse difuso, vez que as atividades ali desenvolvidas interessam a uma gama indeterminada de pessoas.

Neste tipo de situação é perceptível que se deixar à iniciativa individual a tutela de tais interesses é algo fadado ao insucesso, pois quando há interesses de muitos envolvidos, há o paradoxo de não se quantificar o direito de quem quer que seja: Direito de muitos  = direito de ninguém. Relevante é a frase de Cappelletti, ao dizer que se trata de interesses à procura de um autor.[6]

Por esse motivo, verifica-se um nítido deslocamento da fiscalização quando se trata de interesse difuso ou coletivo. Basta analisar que todos esses interesses podem ser defendidos em juízo por meio de ação civil pública ou coletiva, por um dos legitimados ativos da Lei n. 7.347/85, como o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados-membros, os Municípios, o Distrito Federal, as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as fundações, as associações civis etc. (Lei da Ação Civil Pública, art. 5º) ou da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor, art. 82).

Mas além de abrangerem o interesse coletivo e difuso, as organizações desportivas atuam em seara de interesse público, vez que o próprio legislador enquadrou tal atividade no rol daquelas que integram o patrimônio cultural brasileiro.

Já se teve a oportunidade de dizer que:

[…] importa considerar que a prática do desporto, tal como qualquer outra atividade relevante para a sociedade, deve ser acompanhada de perto pelos poderes públicos a fim de impedir que comprometa a ordem geral e a paz social, preservando-se, dessa forma, o bem comum.

Particularmente no âmbito desportivo deve ser dedicada especial atenção pela autoridade pública em relação ao funcionamento das entidades organizadoras e de prática, haja vista o envolvimento do enorme interesse popular em relação a esse assunto e que é facilmente comprovado pelo espaço generosamente reservado pela mídia aos acontecimentos desportivos.

É com este intuito que o legislador brasileiro, através do art. 4º, §2º, da Lei nº 9.615/98, malgrado reconhecer que a organização desportiva do País encontra-se fundada na liberdade de associação, declarou que ela integra o patrimônio cultural brasileiro, considerando-a de elevado interesse social, inclusive para os fins da Lei Complementar nº75/93, que minudencia os assuntos que devem sofrer a devida vigilância por parte do Ministério Público.

Muito feliz foi  o  legislador  ao  fazer  integrar  a  organização desportiva brasileira no patrimônio cultural da nação, pois o destino de agremiações seculares não interessa apenas e tão somente aos seus diretores e associados, ou seja, àqueles  que  possuem  um  vínculo  jurídico  com  a  instituição,  mas à  sociedade  como  um  todo,  já  que  essas  grandes  marcas  do esporte estão a tal ponto entranhadas na cultura popular que não  podem,  por  desídia  ou  desonestidade  de  seus  gestores, simplesmente se deteriorar ou mesmo desaparecer.

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Não por acaso, é que o Estatuto do Torcedor apresenta um conceito    extremamente  amplo  ao  definir  o  torcedor, como “toda pessoa que aprecie, apóie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva”(art. 2º).

Portanto, quando se insere a organização desportiva no âmbito do patrimônio cultural brasileiro, está-se automaticamente trazendo o Estado para atuar nesse contexto pela dupla via do incentivo e da fiscalização, haja vista que a seção II, do capítulo III, do Título VIII da C.F. que cuida da questão cultural, confere ao Estado o papel tanto de estimulador dessas atividades, quanto de guardião do seu desenvolvimento, como forma de preservar a solidez de sua estrutura. [7]

O PROFUT é apregoado como uma tentativa de se encaminhar o tratamento do tema neste sentido. Mas será que o modelo adotado foi o correto?

É o que se tentará analisar a seguir.

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4.PANORAMA DA LEI DO PROFUT

O Profut – programa de modernização da gestão e de responsabilidade fiscal do futebol brasileiro – é, sem dúvidas, um avanço. Porém, possui o mesmo pecado da antiga “Timemania” loteria idealizada com o suposto objetivo de ajudar os clubes, mas que se transformou numa mera fórmula criada pela União para receber os seus créditos, que estavam se tornando absolutamente impagáveis em virtude do alto valor que atingiram.

Como a consequência natural seria a penhora e alienação de sedes sociais e estádios, levando à ruina agremiações centenárias e de grande apelo popular – o que era inviável politicamente -,  criou-se um concurso de prognósticos com a esperança de que fosse capaz de arrecadar verbas para o governo federal.

O objetivo real do Profut não foge muito dessa diretriz da “Timemania”, uma vez que é voltado precipuamente para recuperar os créditos da União com essas entidades. Para tanto se estabeleceram prazos de parcelamento, com práticas saudáveis de governança corporativa. Em resumo, eis o panorama de aplicação da Lei nº13.155/15.

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4.1 QUEM PODE PARTICIPAR?

Entidades de prática, profissionais ou não, federações e confederações.

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4.2 QUAIS AS DÍVIDAS QUE PODEM SER PARCELADAS?

Essencialmente dívidas com a União em até 240 parcelas, com redução de 70% das multas, 40% dos juros e de 100% dos encargos legais. Também poderão ser parceladas dividas relativas ao FGTS e às contribuições previstas na Lei Complementar nº110, em até 180 prestações mensais. Todas, entretanto, só podem se referir a fatos geradores ocorridos até a data de publicação da Lei, sendo que o requerimento implica confissão irrevogável e irretratável dos débitos a serem parcelados.

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4.3 ADESÃO E MANUTENÇÃO

A lei criou exigências para adesão e manutenção no Programa, ou seja, não basta adimplir com as obrigações por ela impostas para que se beneficie do parcelamento. Há que se manter uma gestão responsável e equilibrada dos recursos e gastos de maneira a permitir que as entidades tenham fôlego suficiente para pagar suas dívidas com o governo. Esse foi o grande avanço da lei.

Esta novidade é o resultado do fracasso da “Timemania”. O fato de ser destinada a verba da Loteria para o abatimento das dívidas não se mostrou suficiente para o adimplemento das obrigações com o governo, pois além dos valores arrecadados terem sido insuficientes, os clubes continuaram a não pagar suas dívidas.

No ano de 2006, quando do lançamento da “Timemania”, teve-se a oportunidade de vaticinar:

“Infelizmente a Timemania é apenas mais uma medida paliativa, já que soluciona somente as dívidas atuais com a União, tendo-se desperdiçado oportunidade histórica de se preverem mecanismos de controle, impedindo novos desmandos na administração dos clubes, o que por certo nos levará a enfrentar esse problema novamente em futuro não muito distante…”[8]

O futuro chegou antes do que se imaginava: menos de 10 anos depois o governo federal concluiu que sua iniciativa de criar a loteria foi insuficiente e criou várias regras para que as entidades se mantenham no programa de refinanciamento.

Destaca-se a seguir os mais importantes requisitos de manutenção, que combinam elementos extremamente heterogêneos, que vão desde a alteração de estatutos até a redução de dívidas:

I – regularidade das obrigações trabalhistas e tributárias federais, vencidas a partir da data de publicação da lei;

II – mandato de cargos eletivos até 4 anos, com uma reeleição;

III – proibição de antecipação de receitas pós-mandato;

IV- redução do déficit;

V- publicação das demonstrações contábeis, incluindo principais receitas e despesas.

VI – cumprimento dos contratos e pagamento dos encargos de TODOS OS PROFISSIONAIS CONTRATADOS, referentes a salários, FGTS, contribuições previdenciárias, inclusive direito de imagem;

VII – custos com folha de pagamento e direitos de imagem de atletas NÃO SUPEREM 80% da receita bruta anual das atividades do futebol profissional.

 

  1. OS ERROS E ACERTOS DO PROFUT

A criação do Profut trouxe consigo a vantagem de prever a existência de mecanismos de transparência e responsabilidade fiscal, além de terem sido fixadas regras de controle e redução do déficit, equiparando de certa forma, neste particular, esta lei com a lei 101/00, intitulada lei de responsabilidade fiscal, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal dos entes estatais.

Outra vantagem foi a criação de um sistema de sanções importantes destinadas às agremiações que descumpram as regras de manutenção, destacando-se a possibilidade de rebaixamento no campeonato, bem como a vedação de registro de novos atletas.

Mas o gol de placa da lei ficou por conta de seu capítulo III, o qual, combinado com o art. 44, definiu os casos de gestão temerária nas entidades desportivas, estendendo a sua aplicação a TODAS aquelas que integrem o sistema nacional e não apenas aos aderentes ao Profut.

É digno de aplauso também o fato de fixar limites de déficits, impedir antecipação ou comprometimento de receitas e prever punições a dirigentes que não cumpram com suas obrigações.

Mas os acertos param por aí.

Há basicamente três grandes equívocos no Profut e que põem em xeque a ideia de colocar as organizações desportivas na linha da gestão responsável.

O primeiro é estrutural e uma decorrência do equivoco na interpretação e aplicação do art. 217, inciso I, da Constituição, uma vez que as regras de governança corporativa, à exceção do capítulo III da aludida lei conforme citado acima, só se aplicam a quem  aderir, o que cria uma desigualdade no cenário nacional, pois permitirá que uns clubes possam gastar irresponsavelmente em detrimento de outros. Além do mais, o fato de que um clube não deva hoje aos cofres públicos não significa que não estará falido amanhã.

O erro é grave, pois se parte do princípio de que o Estado só pode criar regras de controle e transparência para os entes que sejam seus devedores, o que lhe daria o “direito” de atenuar a autonomia das entidades desportivas e disciplinar mais a fundo o seu exercício.

Repete-se o mesmo equívoco que fizemos sentir na contextualização do tema, uma vez que a pedra de toque para a fixação de tais regras não deve se dar pelo fato de que alguém deva tributos, mas se a atividade envolve ou não interesse público, o que no caso da organização do esporte está mais do evidenciado que sim, pois a própria Constituição e a Lei nº9615/98 apontam neste sentido. [9]

O segundo equívoco está visível pelo fato de que a lei exige apenas uma “Responsabilidade fiscal parcial”, ou seja, exige apenas o adimplemento de tributos federais e obrigações trabalhistas. Isto cria um regime “capenga”, deixando de fora tributos estaduais, municipais, dívidas com fornecedores, prestadores de serviço e etc.

O terceiro e o pior de todos é a forma caótica com que a  lei nº 13.155 criou os mecanismos de fiscalização e sanção no programa do Profut, potencializando uma série de problemas no horizonte.

Com efeito, foi criada a APFUT – Autoridade Pública de Governança do Futebol – que meramente fiscaliza o cumprimento das obrigações dos clubes, sem qualquer poder sancionatório. Entretanto, quem tem o grande poder coercitivo são as federações, que terão a prerrogativa de aplicar as penas de rebaixamento e impedir o registro de contratos.

O disparate é grande. Ao mesmo tempo em que se defende a autonomia das entidades, foram dadas às federações funções de fiscais do governo, exercendo um serviço público por delegação legislativa. Mas as federações não são autônomas?

Por outro lado o trabalho da APFUT é aleatório, ou seja, não se previu um procedimento rotineiro de controle, mas apenas um sistema de fiscalização por ofício ou mediante provocação de algumas entidades externas, legitimadas pela lei.

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  1. APFUT: UM TIME DE DÚVIDAS

Expõe-se a seguir o disparate e os problemas que poderão advir no futuro, bem como certas perplexidades a respeito da constitucionalidade de certas disposições, sob a forma de 11 perguntas – um time de futebol – que parecem ser de difícil resposta:

1- Por não haver vínculo de subordinação entre a APFUT e as federações, estas são obrigadas a aplicar as punições indicadas pela primeira?

2- Por essa mesma razão, se a federação aplicar uma sanção injusta ou não aplicar a sanção devida, a APFUT poderá revogar o ato ou intervir para que a penalidade seja aplicada?

3- Caso não possa ao que parece, haja vista a inexistência de vínculo,  a saída será a judicialização do conflito, com a possibilidade de paralisação de campeonatos, já que foi expressamente excluída pela lei a competência da Justiça Desportiva?

4- Se a Lei diz que o máximo que a APFUT poderá fazer é comunicar à autoridade responsável para cancelar o parcelamento, quem irá notificar a federação para aplicar as sanções desportivas competentes?

5- As competências atribuídas pela lei às federações são compatíveis com as atribuições previstas em seus estatutos?

6- Sendo a fiscalização tributária atividade exclusiva do Estado, a ser exercida unicamente por servidores de carreira, à luz do art. 37, XXII, da CF, podem as federações exercer tais funções por outorga mediante lei ordinária?

7- A delegação de uma tarefa pública a uma entidade privada, por implicar no aumento de atribuições e gastos sem a correspondente fixação de uma fonte de custeio, está de acordo com os princípios constitucionais da livre iniciativa e da liberdade econômica?

8 – Tendo em vista que a lei prevê que a APFUT deverá ser composta, dentre outros membros, por atletas, treinadores e árbitros,  seriam estes profissionais são capazes de exercer a fiscalização financeira,  tributária e contábil e velar para que as entidades desportivas observem os princípios de governança corporativa?

9- Se a APFUT só atuará de oficio ou mediante denúncia,  está correto dizer, sob o prisma dos princípios constitucionais da igualdade, da eficiência e moralidade administrativa, que nem todas as entidades serão fiscalizadas?

10- Se as federações também podem ser beneficiárias do Profut, como elas poderão ser, ao mesmo tempo, entidades fiscalizadoras e fiscalizadas? Neste caso quem irá aplicar as sanções às federações? E que tipos de sanções desportivas poderão lhes ser aplicadas, se as sanções previstas se destinam aos clubes?

11- Se a lei do Profut só exige o cumprimento das obrigações trabalhistas e tributárias federais, a União não estaria promovendo espécie de guerra fiscal que viola o art. 151 e seguintes da CF, que proíbem a União de promover, entre as entidades da federação, tratamento desigual no exercício de sua competência tributária, na medida em que estimula as entidades a honrarem os tributos federais em detrimento dos demais?

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  1. 7. CONCLUSÕES

Os problemas advindos da estrutura de aplicação do Profut, sugerem estarmos diante de um “bolero de Ravel”, uma vez que se volta ao mesmo ponto: o conteúdo do princípio da autonomia das entidades desportivas. Todos os equívocos existentes na Lei nº 13.155/15 decorrem de uma errônea compreensão sobre os limites de seu conceito.

A autonomia não pode implicar em exclusão das entidades desportivas do regime jurídico geral posto pelo Estado, como se o desporto fosse absolutamente alheio à sua esfera de competência.

Com efeito, há que se afastar a tendência do movimento desportivo em se colocar à margem do ordenamento estatal, atitude esta denominada por Cazorla Prieto como “complexo de ilha”[10], pois o desporto é um fenômeno que se produz dentro da sociedade, estando forçosamente incorporado às suas normas sociais, econômicas e jurídicas.

A inclusão do desporto no contexto jurídico estatal é de capital importância para salvaguardar não apenas os direitos e liberdades fundamentais dos membros que compõem o grupamento, como também para disciplinar as relações que o ordenamento desportivo venha a travar com terceiros.

Aliás, a autonomia, tal como reconhecida pelo ordenamento público, pressupõe a proeminência deste em relação ao movimento desportivo organizado, já que o reconhecimento e a garantia do exercício da atividade pelo Estado pressupõem a sujeição dessas entidades ao ordenamento estatal para que possa adquirir validade.

Dissecando o art. 217, inciso I, pode-se ver que a autonomia organizacional corresponde à faculdade outorgada às associações de criarem os seus próprios órgãos e poderes administrativos, escolher seus dirigentes, funcionários, realizar contratações etc,  enquanto que a autonomia para funcionamento, segundo Dardeau de Carvalho[11] é a própria prática do desporto para a qual as entidades foram instituídas e organizadas.

O equacionamento dos problemas apontados se daria com a adoção de duas posturas republicanas:

1- Previsão de um mecanismo regular e ordinário de controle a ser feito de forma paralela ao exercício dos atos de gestão, com a criação de um órgão próprio e específico para realizar esse acompanhamento, na figura jurídica de uma agência  reguladora  do esporte,  a  funcionar  nos  mesmos  moldes   que  as  demais existentes  para  outros  setores  da  atividade  humana. Essa agência ficaria  responsável,  por  exemplo,  por  fiscalizar  todos  os  aspectos  voltados  à  atividade  econômica  das  entidades, devedoras do fisco ou não;

2- Criação de um mecanismo de “Reconhecimento”, muito comum em vários países da Europa, em que as entidades de organização do desporto, para que possam exercer essa função, deveriam obter do governo a concessão de um título de “pessoa jurídica de utilidade pública desportiva”, instrumento que permitiria a delegação de competência para o exercício de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública, bem como a percepção de diversos benefícios estatais.

Apesar de não serem pessoas de personalidade pública as federações desportivas exerceriam, por delegação, funções públicas de caráter administrativo, atuando, nesses casos, como agentes colaboradores da administração pública.

Não haveria qualquer violação à sua autonomia, nos moldes do que significa o seu conceito conforme vimos acima, mas a legitimação do exercício de uma atividade que inegavelmente desperta interesse de toda a coletividade.

Quem sabe se daqui a dez anos não despertaremos para essa necessidade, a exemplo da evolução que aconteceu dez anos depois da criação da Timemania?

Quem viver, verá.

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  8. BIBLIOGRAFIA

BASTOS Celso. Justiça desportiva e defesa da ordem jurídica. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, vol. 6, n º25, p. 269, out./dez. 1998.

CAPPELLETTI, M. Vindicating the public interest through the courts: A Compativist’s contribution. In CAPPELLETTI, M. e GARTH, B. Acess to Justice, Vol. III – Emerging issues and perspectives. Milão: Dott. A. Giuffré Editore, 1979.

CARVALHO, Alcírio Dardeau de. Comentários à Lei sobre Desportos: lei nº9615 de 24 de março de 1998. Rio de Janeiro: Destaque, 2000.

LAMARCK, Jean-Baptiste. Expostition des considérations relatives à l’historire naturelle des animaux. Paris: Museum d’Histoire Naturelle,1809.

MIRANDA, Martinho Neves. O Direito no Desporto. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

________________________. Timemania: a nova mania de iludir o torcedor. Disponível em: http://extra.globo.com/esporte/gilmar-ferreira/timemania-nova-mania-de-iludir-torcedor-412610.html#ixzz4AuVie3Y3. Acesso em 08 de junho de 2016.

PRIETO, Luis Maria Cazorla. Derecho Del Deporte. Madrid: Tecnos, 1992.

ROCHA, Ivan Barreto de Lima. Governança em entidades desportivas: relevância e desafios. Direito Desportivo e Esporte- Temas selecionados- volume IV. IDDBA & IMDD. Editora dois de julho. Salvador. 2012.

[1] Advogado; Procurador do Município do Rio de Janeiro; Membro da Comissão de Estudos Jurídicos do Ministério do Esporte; Mestre em Direito pela UNESA; Coordenador Acadêmico da Universidade Mackenzie/RJ; Professor de Direito Desportivo das Faculdades Integradas Hélio Alonso; Autor do livro “O Direito no Desporto”. Ed. Lumen Juris, 2007.

[2] “Ação direta proposta contra a validez constitucional do Estatuto do Torcedor (…). No que tange à autonomia das entidades desportivas, ao direito de livre associação e à não intervenção estatal, tampouco assiste razão ao requerente. Seria até desnecessário a respeito, mas faço-o por excesso de zelo, relembrar a velhíssima e aturada lição de que nenhum direito, garantia ou prerrogativa ostenta caráter absoluto. (…) Tem-se a alegação de ofensa aos incisos XVII e XVIII do art. 5º da CR, sob desavisada asserção de que ‘a autonomia desportiva (art. 217, I), diferentemente da mencionada autonomia universitária, não tem qualquer condicionante nos princípios e normas da Carta Política, do mesmo modo que inexiste qualquer limitação insculpida no corpo normativo da CF’ (…). Penso se deva conceber o esporte como direito individual, não se me afigurando viável interpretar o caput do art. 217 – que consagra o direito de cada um ao esporte – à margem e com abstração do inciso I, onde consta a autonomia das entidades desportivas. Ora, na medida em que se define e compreende como objeto de direito do cidadão, o esporte emerge aí, com nitidez, na condição de bem jurídico tutelado pelo ordenamento, em relação ao qual a autonomia das entidades é mero instrumento de concretização, que, como tal, se sujeita àquele primado normativo. A previsão do direito ao esporte é preceito fundador, em vista de cuja realização histórica se justifica a autonomia das entidades dirigentes e associações, quanto à sua organização e funcionamento. Logo, é imprescindível ter-se em conta, na análise das cláusulas impugnadas, a legitimidade da imposição de limitações a essa autonomia desportiva, não, como sustenta o requerente, em razão de submissão dela à ‘legislação infraconstitucional’ (…), mas como exigência do prestígio e da garantia do direito ao desporto, constitucionalmente reconhecido (art. 217, caput). O esporte é, aliás, um entre vários e relevantes direitos em jogo. As disposições do estatuto homenageiam, inter alia, o direito do cidadão à vida, à integridade e incolumidade física e moral, inerentes à dignidade da pessoa humana, à defesa de sua condição de consumidor, ao lazer e à segurança. […].” (ADI 2.937, voto do rel. min. Cezar Peluso, julgamento em 23-2-2012, Plenário, DJE de 29-5-2012.)” Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigobd.asp?item=%201959. Acesso em 11 de junho de 2016. (grifou-se).

[3] LAMARCK, Jean-Baptiste. Expostition des considérations relatives à l’historire naturelle des animaux. Paris: Museum d’Histoire Naturelle,1809, passim.

[4] ROCHA, Ivan Barreto de Lima. Governança em entidades desportivas: relevância e desafios. Direito Desportivo e Esporte- Temas selecionados- volume IV. IDDBA & IMDD. Editora dois de julho: Salvador. 2012, p. 87

[5] BASTOS Celso. Justiça desportiva e defesa da ordem jurídica. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, vol. 6, n º25, p. 269, out./dez. 1998, p. 269.

[6] CAPPELLETTI, M. Vindicating the public interest through the courts: A Compativist’s contribution. In CAPPELLETTI, M. e GARTH, B. Acess to Justice, Vol. III – Emerging issues and perspectives. Milão: Dott. A. Giuffré Editore, 1979.

[7] MIRANDA, Martinho Neves. O Direito no Desporto. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 87.

[8] MIRANDA. Martinho Neves. Timemania: a nova mania de iludir o torcedor. Disponível em: http://extra.globo.com/esporte/gilmar-ferreira/timemania-nova-mania-de-iludir-torcedor-412610.html#ixzz4AuVie3Y3. Acesso em 08 de junho de 2016.

[9]      Cai como luva bem ajustada a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Ordinário em MS nº 17.562 – MG (2003/0223976-0) Rel. Min. Felix Fischer, que discutiu a respeito da possibilidade ou não de afastamento dos dirigentes da Federação Mineira de Futebol, em razão de a mesma constituir-se em sociedade civil de direito privado, tendo sido alegado pelos impetrantes que a mesma goza de autonomia constitucional, o que vedaria a interferência estatal em seu funcionamento.

       Extrai-se do v. acórdão importante trecho em que se discute esta questão:

       “……………………………………………………………………………………

       Quanto a esse primeiro aspecto, a quaestio restou muito bem analisada pelo Membro do Parquet local, verbis:

       ‘Primeiramente deve-se atentar para o fato de que o patrimônio cultural e social brasileiro, de interesse de toda a sociedade, é bem juridicamente protegido a nível constitucional. Diversas são as passagens constitucionais que asseguram garantias, princípios e mecanismos de sua proteção, podendo ser citados, a título meramente exemplificativo, o disposto nos artigos 23, inciso III, 129, inciso III, 216 e 216 da Carta Magna.

       A propósito, muito bem lançadas as informações prestadas pelo Exmº Juízo apontado como coatora (folhas 125/133), ao ressaltar que, nos termos da Lei Federal 9615/98, a organização desportiva no País, fundada na liberdade de associação, integra o patrimônio cultural brasileiro e é considerada de elevado interesse social.

       A questão principal é exatamente essa: por se tratar de uma pessoa jurídica de caráter privado, podem os administradores das entidades desportivas invocarem direito a não serem fiscalizados pelo poder público?

       Tratando-se de tema relacionado ao patrimônio cultural da nação, a resposta evidentemente é negativa.

       Portanto, as instituições de direito privado que pratiquem ações relacionadas ao patrimônio cultural do país se sujeitam à fiscalização pelo poder público.

       No caso sob exame, são absolutamente consistentes os indícios da constituição de uma organização criminosa no âmbito da Federação Mineira de Futebol, para fins da prática de toda a sorte de operações visando dilapidar seu patrimônio e propiciar o enriquecimento ilícito de vários de seus dirigentes, aí se incluindo os impetrantes.’

       …………………………………………………………………………………………………………………….” (grifou-se)

[10] PRIETO, Luis Maria Cazorla. Derecho Del Deporte. Madrid: Tecnos, 1992, p.30.

[11] CARVALHO, Alcírio Dardeau de. Comentários à Lei sobre Desportos: lei nº9615 de 24 de março de 1998. Rio de Janeiro: Destaque, 2000, p.10.

La fonction sociale du contrat

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mar
11

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função social contratoLe contrat ne vise pas seulement à servir aux intérêts des parties contractantes, mais il faut également répondre aux attentes exigées par la société dans son ensemble.

Voici quelques conclusions au sujet de l’application de ce principe:

 

 

 

  • Le contrat est un instrument visant à protéger l’être humain;

 

  • Les contrats doivent être soumis à un “filtrage constitutionnel”;

 

  •  Les droits fondamentaux s’applique non seulement entre l’État et le citoyen, mais aussi aux relations entre les particuliers;

 

  •  La dichotomie droit public/privé s’estompe car il n’y a pas d’endroits hermétiques au principe de la dignité de la personne humaine;

 

  •  L’autonomie contractuelle est conditionnée aux valeurs de la constitution, comme la justice, la sécurité, la valeur sociale de la libre entreprise, le bien commun et le principe de la dignité humaine;

 

  •  La fonction sociale du contrat ne se prête pas à restreindre la liberté de contracter, mais à légitimer son contenu;

 

  •  La liberté contractuelle ne sera plus due uniquement à la volonté, mais en raison de la fonction sociale que chaque affaire juridique devra atteindre;

 

  •  L’entreprise privée est libre, mais elle ne peut pas provoquer des dommages à la sécurité, à la liberté et à la dignité humaine d’un contractant;

 

  •  La fonction sociale du contrat a deux fonctions : une interne entre les parties (fonction intrinsèque) et une externe envers les tiers (fonction extrinsèque).

 

1 Fonction intrinsèque : On doit promouvoir l’équilibre contractuel entre les parties. La fonction sociale du contrat empêche que l’être humain soit la victime de sa propre fragilité.

2 fonction extrinsèque: Les contrats qui portent atteinte à des intérêts diffus, les contrats qui offensent des tiers et des contrats de tiers qui offensent d’autres contrats, sont soumis à l’annulation.

 

Voir ci-dessous quelques décisions prises par les tribunaux brésiliens, en tenant compte du principe de la fonction sociale du contrat:

 

  • Fouille vexatoire dans le lieu de travail : Cette activité a été interdite par la justice pour avoir violé le principe de fonction sociale interne dans le contrat de travail.

 

  • Contrat de publicité contenant le message discriminatoire: le contrat a été annulée pour avoir violé le principe de fonction sociale externe (atteinte à des intérêts diffus).

 

  • Le non-paiement d’une mensualité de l’assurance santé d’une personne âgée hospitalisée dans un état grave: la société voulait résilier le contrat pour non-paiement. La demande de la société a été rejeté, parce qu’on ne doit pas autoriser l’interruption de la vie en faveur d’un avantage patrimonial.

 

  • Un débiteur célibataire a revendiqué le droit d’avoir lui aussi le bénéfice de ‘insaisissabilité d’une bien de famille. Le pouvoir judiciaire a accordé la demande en interpretant que la norme qui régie le bien de famille n’est pas limité à la garde familiale. Son champ d’application ultime est la protection d’un droit humain fondamental: le droit au logement.

 

  • La Justice a decidé aussi que « les intérêts abusifs dans les contrats de crédit, bien que fixé dans le contrat, mettre le débiteur dans une position de soumission, en violation au principe de la dignité humaine ».

 

  • Un hôpital a empêché un médecin de rendre visite à ses patients sous l’argument que seulement les médecins employés par l’hôpital lui-même pourraient le faire. La décision de la justice a reconnu le droit du médecin non employé de l’hôpital de soigner ses patients. On a apliqué à la fois le principe de la fonction sociale de la propriété et celui de la fonction sociale du contrat maintenu par l’hôpital, soit avec les patients soi avec le personnel.

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Escalação irregular de atleta

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mar
11

 Assista também à aula sobre o assunto no YOU TUBE:

  1. CONSULTA

 

Consulta-me o Clube ”X”, através de seu ilustre vice-presidente jurídico, sobre a possibilidade de que a aludida agremiação tenha violado o art. 214 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, na partida válida pelo Campeonato Brasileiro da série “A” contra o Clube “Y”.

As dúvidas do consulente giram basicamente em torno da forma pela qual a pena decorrente de uma expulsão numa partida de futebol recebida em outra competição deve ser cumprida pelo apenado e sobre o início do prazo para que uma sanção imposta pela Justiça Desportiva passe a vigorar.

A primeira indagação é se o Clube ”X” cometeu algum erro ao escalar o  atleta “A” na referida partida, posto que o mesmo houvera sido expulso no último confronto da final da Copa do Brasil, e já cumprira a suspensão automática contra o clube “Z”, em partida válida pelo Campeonato Brasileiro e que se seguiu ao jogo em que contendera com o clube “W”.

A segunda pergunta refere-se ao fato de que o atleta fora julgado e punido com a suspensão de uma partida pelo STJD em sessão realizada numa sexta-feira e se o jogador, por força dessa punição estaria impedido de atuar na partida realizada no sábado.

Juntamente com a consulta, foi-me fornecida a denúncia oferecida pela Procuradoria em face do Clube ”X”.

Em virtude das questões formuladas e que serão respondidas objetivamente ao fim deste trabalho, faz-se necessário desenvolver o presente parecer abordando a formatação piramidal da organização desportiva e o princípio da uniformização das regras, o instituto da suspensão automática e seu caráter universal, as divergências normativas decorrentes dos efeitos da suspensão automática em competições diversas que existe no Direito Interno, a forma de computo dos prazos na Justiça Desportiva e alguns princípios jusdesportivos consagrados pelo CBJD.

O presente parecer segue, devidamente elaborado em 35 laudas.

 

  1. PARECER

I – A FORMATAÇÂO PIRAMIDAL DAS ORGANIZAÇÕES DESPORTIVAS E O PRINCÍPIO DA UNIFORMIZAÇÂO DAS REGRAS

         

O desporto de rendimento está fortemente organizado e hierarquizado em formatação piramidal, que possui na sua base clubes e atletas, passando por federações regionais e nacionais e encontrando no seu ápice as federações internacionais, que no caso do futebol é a FIFA.

A hierarquia existente nesse sistema, somado à internacionalização do desporto, gerou o mais importante princípio do Direito Desportivo que é o da Uniformização das regras Desportivas, sendo que o fio condutor para que esse efeito se produza em todo o planeta se dá precisamente através da Federação Internacional que capitaneia a modalidade.

Em sintonia fina com essa perspectiva, o artigo 10 do Estatuto da FIFA, que cuida do regime de filiação das confederações nacionais, estabelece a necessidade de que a entidade interessada se comprometa em cumprir os estatutos, regulamentos e decisões daquela entidade, além de respeitar as leis do jogo em vigência, e reconhecer a Corte Arbitral do Esporte.

O nosso Ordenamento Jurídico curvou-se a essa realidade, ao prever, no parágrafo primeiro do art. 1º da Lei nº 9.615 que “A prática desportiva formal é regulada por normas nacionais e internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada modalidade, aceitas pelas respectivas entidades nacionais de administração do desporto.”

Michael Will assevera, com poder de síntese, que “a norma desportiva internacional possui duas faces: de um lado, ela é norma nacional, em virtude da incorporação, e, inobstante, ao mesmo tempo, uma norma internacional derrogativa”.[1] (grifou-se)

Assim, pelo fenômeno da incorporação automática, em que se enxerga também na norma internacional a natureza de norma nacional, deve o operador do Direito Desportivo ter em mente que não é necessário que as normas da federação internacional estejam transcritas nos regulamentos nacionais para que possam ser aplicadas.

O I. Auditor do pleno do STJD do futebol, Dr. Caio Rocha, teve a oportunidade de se expressar na mesma linha de raciocínio em luminoso acórdão:

As normas internacionais editadas pela FIFA, em relação às quais a CBF, no ato de sua associação, não só aderiu como se obrigou a cumprir, possuem validade no âmbito interno, independente de sua validação ou recepção, seja pelo Estado brasileiro, seja pela própria CBF.[2] (grifou-se)

Apenas para que não pairem dúvidas de que este sempre foi o nosso entendimento, pedimos vênia para transcrever uma assertiva que fizemos há mais de um lustro, que coincidentemente se encaixa à presente hipótese como luva bem ajustada:

Isso significa dizer, que se pode invocar perante uma corte de justiça um regulamento desportivo internacional, mesmo que os regulamentos nacionais disponham em sentido contrario, já que as regras da entidade universal ocupam o ápice da pirâmide hierárquica na cadeia das leis que normatizam o esporte organizado.

Contudo, vale ressaltar que as federações continentais e nacionais possuem autonomia para organizar e regulamentar competições em seu âmbito territorial de atuação, mas dentro desse exercício, não  podem contrariar os preceitos fundamentais editados pelas federações internacionais, sob pena de serem desfiliadas da matriz universal.

Desse modo, e apenas para melhor entendimento da matéria, a harmonização das normas dessas entidades é feita à semelhança dos atos expedidos pelo poder publico, em que as resoluções editadas devem estar em consonância com os decretos, e estes, por sua vez, carecem estar afinados com a lei formal, e assim por diante.(grifou-se) [3]

Diante desse cenário, há que se guardar para todo o sempre que os preceitos fundamentais do futebol, hão de ser fielmente observados pelas confederações filiadas à FIFA, sob pena de que seja descaracterizada a essência dessa prática.

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II – A SUSPENSÃO AUTOMÁTICA DECORRENTE DA APLICAÇÃO DO CARTÃO VERMELHO COMO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO FUTEBOL

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As linhas mestras da FIFA que singularizam o futebol hão de ser, como vimos, respeitadas em todo o globo, o que dá ao direito desportivo um caráter universal, cosmopolita, com regramento que se assemelha ao próprio Direito Canônico.

Lyra Filho foi feliz ao dizer que

A instituição do desporto não é privativa de um país: Impõe a criação de um direito universal, que se baseia em princípios, meios e fins universais, coordenados por leis próprias de âmbito internacional. Tais características conferem ao direito desportivo uma importância, que sob certos aspectos, supera o maior numero  dos demais ramos do direito. A hierarquia e a disciplina do desporto inspiram normas comuns aos povos, orientadas e fiscalizadas por poderes centrais de direção universal.[4] (grifou-se)

Os princípios fundamentais e universais da prática estão corporificados nas regras que constituem a essência mesma da modalidade em questão, notadamente aqueles que tipificam e distinguem uma vertente desportiva das demais, representando o núcleo duro que aparta uma manifestação da outra.

Assim, por exemplo, defeso será no futebol, a qualquer confederação nacional, instituir o arremesso lateral com o pé, ou fixar um limite da faltas nas partidas.[5]

As regras de jogo e o regime disciplinar decorrente do seu cumprimento fazem parte dessa diretriz mínima diante da qual nenhuma entidade pode se distanciar, sob pena de que haja uma descaracterização completa da modalidade.

Quem disse isso com precisão cirúrgica foi o Auditor Caio Rocha no luminoso acórdão recém citado em que assevera ser

…inegável que as normas editadas pela FIFA possuem plena vigência no Brasil, sejam ela estatutárias, que dizem respeito à sua própria constituição como entidade, sejam elas referentesàs regras do desporto, incluindo-se aí as diretrizes disciplinares.[6]

Componente basilar das regras disciplinares da FIFA é o instituto da suspensão automática decorrente de uma expulsão decidida pelo árbitro no confronto em campo.

Isto vem previsto de maneira clara no Código Disciplinar da FIFA, lei sobre as leis do sistema disciplinar futebolístico, cujo art. 18 assim determina:

18 Expulsão

1. A expulsão é uma decisão do arbitro, adotada no transcurso de uma partida, que implica que a pessoa da qual se trate deve abandonar o terreno de jogo e suas imediações, incluído o banco de reservas.

……………………………………………………………………………………….

4. Uma expulsão, incluída aquela efetuada numa partida interrompida, anulada e/ou naquela em que se declara a derrota de uma equipe por retirada ou renúncia, acarretará numa suspensão automática para a partida seguinte. A Comissão Disciplinar poderá prolongar a duração desta suspensão. [7](Tradução livre) (grifou-se)

Observe-se que a disposição do redator da norma é muito clara. Haja o que houver numa partida de futebol, ainda que se tratem de incidentes contundentes, como anulação ou abandono, não há que se mexer nos efeitos de uma expulsão do campo de jogo: o apenado terá que se ausentar da partida seguinte.

Trata-se de uma tentativa do legislador em preservar a aplicação de uma sanção mínima a quem transgride fortemente a regra do jogo. Relevante destacar também outro ponto da citada norma, ao qual retornaremos mais adiante, de que a Comissão Disciplinar poderá prolongar a duração desta suspensão, porém jamais reduzi-la!

E nem poderia ser de outra forma, já que a suspensão automática, exigida pela FIFA em todas as competições oficiais, “tem natureza técnica” e independe de posterior julgamento – decorrendo simplesmente do recebimento de cartão vermelho e tem apenas a finalidade de assegurar a autoridade ao árbitro, concedendo uma eficácia punitiva inafastável à admoestação aplicada, garantindo a mínima disciplina no futebol.

Ademais, a impossibilidade de que seja retirada eficácia dessa decisão por uma Corte, ainda que desportiva, é também para preservar a aplicação da Regra “5” que expressamente declara que “as decisões do arbitro sobre fatos relacionados com o jogo, incluídos o fato de se um gol foi marcado ou não e o resultado da partida, são definitivas”. [8](Tradução livre)

Por esse motivo, essa regra basilar da suspensão automática por expulsão, constante no Código Disciplinar da FIFA, além de dar eficácia às regras (5) e (12) das “Leis do Jogo”, é também, por força dos arts. 2º e 145 do CDF vinculante para todas as confederações filiadas.

Veja-se, por oportuno, que nas considerações que prefaciam a RDI nº05/2004, a qual “dispõe sobre o impedimento automático decorrente da expulsão de campo e da aplicação de advertências representadas pela exibição do cartão amarelo e dá outras providências”, a CBF declara que

CONSIDERANDO que a FIFA, em expediente dirigido à CBF, encareceu a obrigatoriedade de cumprimento da referida norma, em todas as competições realizadas no território nacional, acentuando ser inadmissível qualquer disposição em contrário e enfatizando “El princípio de suspensión automática, tal como ló concibió La instancia suprema del fútbol mundial que es la FIFA, es de aplicación universal, como los demás princípios estipulados en el CDF. (grifou-se)

Não restam dúvidas de que a regra da suspensão automática, erigida a cânone universal da modalidade integra a essência mesma do futebol, não cabendo a qualquer outra Confederação adotar regime diverso, sob pena de descaracterizar essa prática.

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III – AS DIVERGÊNCIAS NORMATIVAS DECORRENTES DOS EFEITOS DA SUSPENSÃO AUTOMÁTICA EM COMPETIÇÕES DIVERSAS E SUA IRRELEVÂNCIA DIANTE DA SITUAÇÃO DO CONSULENTE.

 

Há uma contradição entre os atos normativos nacionais que regulam a hipótese em que um atleta é expulso na ultima partida de uma competição e de que forma se dará o cumprimento da penalidade da suspensão automática.

A multiplicidade de diplomas normativos que cuidam do assunto conduz a caminhos opostos. Um alardeia que não há comunicação entre competições diferentes para a aplicação do instituto da suspensão automática, enquanto que outros consideram que os efeitos da expulsão podem se fazer sentir em competição organizada pela mesma entidade que capitaneou o torneio em que se deu a advertência pelo árbitro.

Despiciendo será nesta missiva analisar qual ou quais normas deverão prevalecer, já que, seja qual for a trilha que se entenda por seguir, nenhuma delas leva o consulente à prática de qualquer irregularidade na escalação do atleta “A” contra o clube “Y”.

Senão vejamos:

A RDI nº05/2004, ao dar conferir exegese para a aplicação da regra da suspensão automática estabelece que:

I. Em todos os campeonatos e torneios realizados no território nacional, ojogador expulso de campo, pelo árbitro, ficará automaticamenteimpedido de participar da partida subsequente da mesma competição.

III. Por partida subsequente se entende a primeira que vier a ser realizada após aquela em que se deu a expulsão ou a terceira advertência, e o impedimento não se transfere para outra competição ou  torneio(grifou-se)

A regra da referida resolução de diretoria da CBF aponta para a impossibilidade de que a suspensão automática possa ser cumprida noutra competição. Assim, um atleta expulso numa partida válida pela Copa do Brasil não cumprirá a suspensão automática no Campeonato Brasileiro de acordo com esse Diploma.

Portanto, à luz da RDI que normatiza o assunto, o jogador “A” não precisaria cumprir a suspensão automática no campeonato brasileiro, já que se trata de competição diversa daquela em se deu sua expulsão.

Sob esse prisma, portanto, o atleta atuou contra o Clube “Y” em condição absolutamente regular.

Ainda que se entenda que cada ano simbolize a edição de uma mesma competição, o jogador só poderia cumprir a punição na Copa do Brasil do ano de 2014, até porque a referida RDI prevê expressamente que

1. O jogador que for punido pela Justiça Desportiva e estiverpendente ocumprimento de um ou mais impedimentos, primeiramente os cumprirá, para em seguida cumprir a penalidade imposta pela Justiça Desportiva. (grifou-se)

Assim, dentro desse âmbito de atuação sinalizado pela RDI, a decisão punitiva da Justiça Desportiva teria seus efeitos suspensos, só podendo ser aplicada depois que o atleta cumprisse a suspensão automática.

E, como só poderia cumprir a automática no próprio certame, tendo o mesmo já encerrado, a única chance de que Jogador “A” cumpra a punição seria na primeira partida da Copa do Brasil de 2014 e ainda assim, desde que considere que a cada ano em que o torneio vier a ser disputado seja tido como “mais uma edição da mesma competição”.

Mais uma vez, portanto, se constata que Jogador “A” detinha plena condição de jogo contra o Clube “Y”.

Como forma de esgotar todas as hipóteses possíveis e aproveitando a citação do inciso XI da referida RDI e já começando também a mergulhar no entendimento da denúncia de que as penas aplicadas pelo árbitro numa competição podem se transmitir para outra, melhor sorte igualmente não parece estar esperando o pleito acusatório.

Isto porque, a pena imposta pela Justiça Desportiva também não poderia ser aplicada enquanto que a punição decorrente da suspensão automática não viesse a ser cumprida, pois, como visto, há uma sequência lógica de cumprimento de penas, ficando a pena aplicada pela Justiça Desportiva como a última a ser cumprida.

Por isso, admitindo-se a tese da comunicabilidade, Jogador “A” teria mesmo que ter cumprido a suspensão automática contra o clube “Z”, já que a sanção imposta pelo STJD só encontraria espaço para ser aplicada depois que aquela penalidade fosse respeitada pelo atleta.

Ou seja, mesmo que o jogador tivesse sido punido pelo Tribunal antes da partida contra o clube “Z”, a punição por ele cumprida naquela partida se daria não em observância à pena imposta pela Justiça Desportiva, mas pela suspensão automática decorrente da expulsão sofrida na partida anterior.

Ainda que se olvide essa perspectiva há outras linhas de argumentação  e outros diplomas a serem explorados, quando se coloca na mesa a possibilidade de que a suspensão automática decorrente da expulsão ocorrida numa competição possa produzir os seus efeitos noutro certame.

Os outros Diplomas que tratam da questão são o Regulamento Geral das Competições editado pela própria CBF para os torneios por ela organizados para o ano de 2013 (RGC) e o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).

Começando pelo RGC, temos os seguintes dispositivos aplicáveis:

Art. 57- Perde a condição de jogo para a partida oficial subsequente da mesma competição, o atleta advertido pelo arbitro a cada série de três advertências com cartões amarelos, independentemente da sequencia das partidas previstas na tabela da competição.

…………………………………………………………………………………………

Art. 58 – O atleta que for expulso de campo ou do banco de reservas ficará automaticamente impedido de participar da partida subsequente, independentemente de decisão da Justiça Desportiva no julgamento da infração disciplinar.

…………………………………………………………………………………………

O confronto entre os dois dispositivos revela uma divergência de tratamento do redator do regulamento de acordo com a sanção imposta pelo arbitro.  Pelo art. 57, se a punição decorrer da aplicação do terceiro cartão amarelo, a expiação da pena da suspensão automática se dará apenas e tão somente em partida oficial subsequente da mesma competição.

Enquanto isso, o art. 58 não fez essa exigência em relação à punição por cartão vermelho, limitando-se a dizer que o atleta expulso ficará automaticamente impedido de participar da partida subsequente, independentemente se essa partida é válida pela mesma competição ou por outra qualquer.

É nítido observar que o autor do Diploma, quando quis, fez expressa menção ao fato de que a suspensão automática por cartão amarelo se daria apenas e tão somente na mesma competição, não tendo feito o mesmo em relação ao cartão vermelho, valendo, aqui, a máxima ”Ubi Lex non distinguit nec nos distinguere debemus”.

Assim, de acordo com o Regulamento Geral das Competições, a suspensão automática decorrente da aplicação do cartão vermelho há de ser cumprida na partida imediatamente subsequente, seja no mesmo campeonato ou não.

No caso que me foi submetido à apreciação, noto que o Jogador “A” cumpriu a suspensão automática exatamente da forma proposta pelo dispositivo: a partida que se seguiu ao confronto entre clube “X” e clube “W” pela Copa do Brasil foi precisamente o jogo entre clube “X” e clube “Z” e o jogador não atuou, ou seja, o preceito foi observado na sua integra pelo consulente.

Vejamos agora o CBJD:

Art. 171. A suspensão por partida, prova ou equivalente será cumprida na mesma competição, torneio ou campeonato em que se verificou a infração.

Quando a suspensão não puder ser cumprida na mesma competição, campeonato ou torneio em que se verificou a infração, deverá ser cumprida na partida, prova ou equivalente subsequente de competição realizada pela mesma entidade de administração ou, desde que requerido pelo punido e a critério do presidente do órgão judicante, na forma de medida de interesse social.

A previsão do CBJD, de certa maneira, complementa a previsão do RGC, na medida em que prevê a hipótese, não contemplada no diploma anterior, da impossibilidade de que a suspensão automática possa ser cumprida na mesma competição.

Assim, em sintonia fina com o art. 58 do RGC, o CBJD prevê expressamente que a suspensão deverá ser cumprida na partida subsequente de competição realizada pela mesma entidade de administração.

Transportando-se para o caso concreto, tem-se que a partida subsequente foi exatamente aquela realizada entre clube “X” e clube “Z” pelo campeonato brasileiro, competição que é organizada pela mesma entidade que organizou a Copa do Brasil, qual seja, a Confederação Brasileira de Futebol.

Portanto, a premissa da qual se parte para acompanhar o raciocínio da denúncia, é de que a expulsão ocorrida na ultima partida de uma competição, produzirá os seus efeitos perante competição diversa, desde que organizada pela entidade.

Como afirma Gamero Casado, está-se diante da regra da “comunicabilidad intercompetencial de las sanciones”, “imponiendo el cumplimento de una sanción aunque sus efectos ya no repercutan sobre el título em juego sino sobre outra competición[9], levando o autor a crer que TODOS os efeitos de uma sanção hão de se fazer sentir na competição diferente.

Chega-se aqui ao coração da questão, e que, data máxima vênia, coloca a denúncia num beco sem saída, posto que não há argumento apresentado que responda à seguinte indagação: Se a expulsão numa competição produz efeitos noutro campeonato, porque se pretendem produzir apenas uma parte desses efeitos e não todos os que decorrem da aplicação de um cartão vermelho?

Em outras palavras: Se a punição aplicada numa competição por um árbitro é válida para que o atleta seja levado a uma Corte Desportiva e tenha expiar a sua pena noutra competição, porque o mesmo não se aplica à suspensão automática?

E acrescento outra pergunta: Onde está escrito que a detração não se aplica a esse caso?

Ou a advertência levada a cabo pela expulsão (aplicação do cartão vermelho) produz todos os seus efeitos ou não produz. Ou a regra que a prevê é válida ou não. Se é válida (e não há nenhuma demonstração em sentido contrário), ela deve produzir todas as suas consequências jurídicas. Se não é,

há que existir outra que a revogue, observando-se os princípios da cronologia, hierarquia e especialidade.

A lição não é deste parecerista, mas de Alexy…

Las reglas son normas que solo pueden ser cumplidas o no. Si uma regla es valida, entonces de harcerse exactamente ló que ella exige ni más ni menos. Por lo tanto,las reglas contienen determinaciones en el âmbito de ló fáctica y juridicamente posible[10](grifou-se)

Não há espaço para que se crie um novo instituto, parcialmente defeituoso, por obra do arbítrio de quem quer que seja, já que o princípio da legalidade, que atua, sobretudo, como cânone de segurança jurídica e que vige fulgurante no Direito Desportivo Brasileiro, ex vi do disposto no art.2, inciso VII do CBJD, assim o impede.

Para que houvesse uma resposta que justificasse esse verdadeiro tertium genus, imperioso seria que se tivesse uma fundamentação calcada em regra excepcionando o princípio geral, o que s.m.j. não existe. Muito pelo contrário, já que as regras existentes sobre o tema apontam para a necessidade de que a suspensão automática seja cumprida, conforme já visto e ainda se constatará mais à frente.

Antes, porém, convém lembrar que decisão que se tome numa comissão disciplinar não tem a capacidade de alterar as decisões e os efeitos das decisões tomadas pelo árbitro de uma partida, posto que não há uma revisão do mérito das decisões arbitrais, uma vez que, como vimos pela regra “5” das leis do jogo da FIFA, as atitudes tomadas pelo mediador do confronto são irrecorríveis.

Veja-se que, para que a decisão do árbitro pudesse ser revista por um Tribunal que aplica regras jurídicas, as regras levadas a cabo pelo mediador do confronto também teriam de ser normas de cunho jurídico, o que foi devidamente destruído pelo notável jurista alemão MAX KUMMER, ao negar, com fartura de argumentos, o caráter de juridicidade às regras do jogo e por via de consequência, a impossibilidade de sua revisão por um Tribunal.[11]

Outra não poderia ser, portanto, a postura do art. 58 do CBJD, que com clareza que ofusca a visão, adverte que:

Art. 58-B. As decisões disciplinares tomadas pela equipe de arbitragem durante a disputa de partidas, provas ou equivalentes são definitivas, não sendo passíveis de modificação pelos órgãos judicantes da Justiça Desportiva. (grifou-se)

E nem poderia ser de outra forma, já que a suspensão aplicada pelo árbitro possui natureza diversa daquela aplicada pela Justiça Desportiva, posto que, embora ambos exerçam um poder disciplinar, o árbitro pune por infrações à lei do Jogo.

Por sua vez, a Justiça Desportiva pune pela violação das regras morais que expressam o “espírito das leis do esporte” e que seriam, tomando de empréstimo as palavras de Karaquillo[12], as regras constituídas pelos princípios deontológicos desportivos, que são violados quando comportamentos, atitudes e gestos agressivos e antidesportivos são adotados pelos desportistas.

Sendo, por conseguinte, portadora de DNA diferente, a pena imposta pelo arbitro independe daquela imposta pela Justiça Desportiva.

Repita-se, a propósito a já citada previsão contida no inciso IX da RDI nº 05/04

  1. O impedimento sendo decorrente da infração às Regras do Jogo é totalmente independente das decisões da Justiça Desportiva quandoaprecie infrações às normas disciplinares.

Ainda que isso não fosse suficiente, o também já mencionado art. 58 do Regulamento Geral de Competições é igualmente não menos claro ao dizer que:

Art. 58 – O atleta que for expulso de campo ou do banco de reservas ficará automaticamente impedido de participar da partida subsequente, independentemente de decisão da Justiça Desportiva no julgamento da infração disciplinar.

Parágrafo Único.

Se o julgamento ocorrer após o cumprimento da suspensão automática, sendo o atleta suspenso, deduzir-se-à da pena imposta à partida não disputada em consequência da expulsão. (grifou-se).

A questão me parece simples, superado o tema da repercussão da sanção disciplinar em outra competição (essa sim que se afigura mais difícil, mas também já vencida): a expulsão aplicada pelo árbitro produz, automaticamente, o impedimento de o atleta participar da partida subsequente, independentemente de decisão da Justiça Desportiva.

Aliás, não é por acaso que a suspensão automática tem esse nome…

Diante de todo o exposto, uma vez aplicada a pena pela Justiça Desportiva, em caso de julgamento realizado após o cumprimento da suspensão automática, há que se aplicar o princípio da detração, reduzindo-se do montante da pena imposta, a partida em que o atleta foi automaticamente suspenso.

Transportando-se para o caso concreto: expulso da partida contra o clube “W”, Jogador “A” cumpriu a suspensão automática na partida imediatamente subsequente que se deu contra o clube “Z”; punido pelo STJD em um jogo, a pena aplicada é abatida da suspensão automática, estando o atleta naturalmente livre para exercer sua profissão, nas partidas que se seguirem.

Assim, tem-se que a Denúncia ofertada pela Douta Procuradoria do STJD, para ver o consulente ser enquadrado na regra do art. 214 do CBJD, saltou sobre ponto essencial, nada mais nada menos do que princípio desportivo erigido à condição de cânone fundamental pela FIFA, o qual a nenhuma autoridade desportiva é dado o poder de deixar de lado, senão a própria FIFA, além da fazer tabula rasa de vários dispositivos que disciplinam a questão.

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IV – DO CÔMPUTO DO PRAZO PARA INÍCIO DA EFICÁCIA DA DECISÃO CONDENATÓRIA NA JUSTIÇA DESPORTIVA

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Ao se esquecer de que a suspensão automática já fora cumprida, a denúncia prossegue na argumentação dizendo que o julgamento que se deu numa sexta feira, teria o condão de produzir seus efeitos já na partida realizada no dia seguinte, que foi, naturalmente, um sábado.

Para tanto, sustenta que o art. 133 daria suporte à sua pretensão, o qual assim dispõe:

Art. 133. Proclamado o resultado do julgamento, a decisão produzirá efeitos imediatamente, independentemente de publicação ou da presença das partes ou de seus procuradores, desde que regularmente intimados para a sessão de julgamento, salvo na hipótese de decisão condenatória, cujos efeitos produzir-se-ão a partir do dia seguinte à proclamação.

Em que pese o art. 43 do CBJD dizer que

Os prazos correrão da intimação ou citação e serão contados excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o dia do vencimento, salvo disposição em contrário.

……………………………………………………………………………………..

Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o início ou vencimento cair em sábado, domingo, feriado ou em dia em que não houver expediente normal na sede do órgão judicante.

Mesmo assim, a denúncia entende ser irrelevante o fato de que o dia seguinte à condenação seria dia não útil, alegando que não há que se confundir o termo inicial do efeito de cumprimento de prazos (por exemplo: para se interpor recursos, cf. regramento do art.43 do CBJD) com o efeito de uma punição. Embora, ambos passem a fluir no dia seguinte à proclamação do resultado, este último é imediato, iniciando-se em qualquer data e momento (dia útil, sábado, domingo ou feriado): enquanto aquele somente se iniciará em dia útil, quando há expediente do órgão judicante”. (Fls.06 da peça processual sob comento)

Ocorre que o argumento ali utilizado de que o art. 43 só se aplica a prazos processuais, não resiste a uma singela interpretação sistemática do Código, já que o CBJD aponta exatamente na direção contrária.

Com efeito, a forma da contagem do prazo descrita no art. 43 está inserida no capítulo dos prazos que se aplicam “a todos os atos praticados no processo desportivo”, à luz de seu art. 42 e não apenas aos casos de recursos.

Há que se observar que não há sequer uma relação de especialidade entre a norma do art. 133 e a regra do art. 43 do CBJD, já que a primeira trata dos efeitos da decisão, enquanto que a segunda cuida de que forma esse prazo deverá ser computado, ou seja, uma regra (art.43) dá o acabamento perfeito à outra (Art. 133), assim como as demais que tratam de prazos, como, por exemplo, o art. 138, que prevê o lapso temporal para interposição do recurso, sendo que a forma como será contado esse prazo obedece à diretriz esculpida nos arts. 42 e seguintes.

É clara a iniciativa do redator do CBJD de computar os prazos da mesma forma como se faz no âmbito estatal do processo civil e penal.

Trata-se do fenômeno narrado pelo expoente do Direito Desportivo Português, José Manuel Meirim da “assimilação do ordenamento estatal pelo ordenamento desportivo”, que acontece, por exemplo, quando ocorre a utilização de conceitos, princípios e normas dos direitos penal e processual penal publico no âmbito do Direito Disciplinar Desportivo, vez que a tipificação e o procedimento de apuração das infrações desportivas são  feitos a imagem e semelhança  das normas constantes no Direito comum.[13]

Baseados na lição do Mestre de além-mar, já tivemos a oportunidade de dizer que “os institutos criados no plano do Direito estatal e incorporados ou adaptados no âmbito disciplinar devem ser interpretados da mesma maneira[14], assim como deve ser no caso presente, em relação ao cômputo dos prazos.

Outro ponto a ser destacado nessa discussão reside na ideia subjacente à previsão contida na parte final do art. 133 de que apenas em caso da decisão condenatória os efeitos produzir-se-ão a partir do dia seguinte à proclamação.

Nota-se a nítida intenção do legislador em preservar a figura do apenado, dando-lhe condições de tentar reverter a sua punição mediante a interposição de recurso à esfera superior visando à suspensão da pena ou através de medida inominada diretamente proposta perante o Presidente do órgão judicante, na forma do art.119 do CBJD.

A proposta é clara no sentido de se permitir ao condenado a possibilidade de acesso ao duplo grau de jurisdição, como consectário dos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.

Caso se admita como viável a interpretação conferida pela denúncia, chega-se ao seguinte resultado que contraria a própria razão de ser do dispositivo: uma regra que foi criada para resguardar a parte apenada, servirá, na verdade, para prejudicá-la, o que contém uma contradição em termos, cabendo aqui a aplicação da máxima Commodissimum est, id accipi, quo res de qua agitur, magis valeat quam pereat: prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés da que os reduza à inutilidade.

Acrescente-se a isso o fato de que a aplicação dessa exegese conduz inegavelmente à lesão ao princípio isonômico.

Cogite-se, por exemplo, do caso de um atleta apenado numa segunda feira e de um jogador de outra equipe punido numa sexta, sendo que essas duas equipes irão se confrontar no domingo seguinte:

A prevalecer a tese sustentada na denúncia, a parte punida na segunda terá todos os meios processuais para conseguir fazer com que seu atleta atue no domingo, enquanto que à outra, que teve seu atleta punido na sexta, só restará se lamentar do infortúnio de ter sido julgado naquele dia …

Nesse sentido, há que se destacar que o ordenamento desportivo, conquanto seja autônomo, não é independente nem algo estranho ao ordenamento estatal; não há que ser colocado numa ilha ou numa jaula, para horror dos passantes: muito pelo contrário, pois se desenvolve dentro de mecanismos oferecidos pelo próprio Estado, do qual o exercício do direito de associação é o exemplo mais visível.

E para melhor visualização mental sobre aquilo que se acabou de dizer, poderíamos desenhar o Direito desportivo privado como um círculo menor que se contém dentro de outro maior que é ordenamento estatal.

Toda vez que o ordenamento desportivo ultrapassar o limite do seu circulo, irá colidir com as regras do Estado, o que acarretará inevitavelmente na anulação da regra ou invalidação da interpretação que, neste caso, estaria  afastando as partes das garantias processuais mínimas asseguradas pelo Direito e pela Constituição.

E nem parece ser essa a pretensão do CBJD de se colocar à margem do Direito, posto que seu art. 34 preceitua claramente que:

Art. 34. O processo desportivo observará os procedimentos sumário ou especial, regendo-se ambos pelas disposições que lhes são próprias e aplicando-se-lhes, obrigatoriamente, os princípios gerais de direito.

 

V – OS PRINCÍPIOS PRO COMPETIONE, RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE E SUA APLICAÇÃO AO CASO PRESENTE

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Reza o art. 2º do CBJD o seguinte:

Art. 2º A interpretação e aplicação deste Código observará os seguintes princípios, sem prejuízo de outros:

……………………………………………………………………….

XII – proporcionalidade;

………………………………………………………………………..

XIV – razoabilidade;

…………………………………………………………………………..

XVII – prevalência, continuidade e estabilidade das competições (pro competitione);

Começando pelo princípio pro competitione, percebe-se que o CBJD coloca a manutenção da competição desportiva, isto é, a incolumidade do torneio, como princípio norteador do regime disciplinar.

Em outras palavras, na medida do possível, a decisão do caso concreto deve ser tomada a ponto de não prejudicar o andamento e a manutenção da competição.

Conjugando-se esse postulado com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, a indicação que se tem é que a competição é mais importante que a aplicação de uma sanção disciplinar, ou seja, no jogo de ponderação a que todo aplicador do direito é levado a entrar, deve-se prestigiar, tanto quanto possível, o torneio, em detrimento de uma aplicação de pena que o prejudique.

Nesse sentido, tem-se como consectário lógico que a punição disciplinar não pode ofuscar o brilho de uma competição, quando evidente a desproporção entre o beneficio que a medida sancionatória irá proporcionar e o prejuízo que esta mesma medida irá causar ao torneio.

Sob outro prisma, é de se ressaltar que o sistema disciplinar desportivo atua fundamentalmente no sentido de preservar o principio da par conditio, que preserva a regra da igualdade entre os participantes. Assim, as sanções disciplinares são aplicadas para fazer com que se compensem os excessos praticados, com a aplicação de penas que garantam o equilibro da competição.

Transportando-se essa forma de pensar para a hipótese sub oculis, é inegável constatar-se que uma punição ao consulente não subsistiria ao mínimo controle entre o ônus e bônus de eventual medida sancionatória, cuja aferição da proporcionalidade incorrerá em evidente desequilíbrio.

Com efeito, a suposta punição a ser porventura aplicada implicará na alteração de campeonato já realizado, produzindo efeitos retroativos e de questionável validade.

Além disso, impingirá nova punição e de gravidade muito maior a quem já expiou pela sua falta, já que é sabido que o clube ” X” ficou sem o jogador numa partida do campeonato brasileiro, por conta da expulsão sofrida na Copa do Brasil.

O consulente, portanto, não obteve qualquer vantagem, já que seu atleta foi punido por uma partida de suspensão pelo STJD e cumpriu exatamente a mesma punição por intermédio da aplicação do instituto da suspensão automática, não havendo, a meu juízo, qualquer razão de cunho desportivo que clame pela aplicação de nova pena.

Para finalizar, vale como lição doutrinária a Resolução 218/1998 bis do Comité Espanhol de Disciplina Deportiva, citada por Gamero Casado, que diz que a disciplina desportiva há de atender cuidadosamente ao princípio pro competitione, no sentido de que se deve evitar que seja utilizada para a manipulação das competições, o falseamento dos resultados, ou a obtenção, mediante argúcias jurídicas, do que não se obtém nos terrenos de jogo…[15]

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VI – RESPOSTAS ÀS PERGUNTAS FORMULADAS PELO CONSULENTE

 

Uma vez fixado o entendimento sobre a matéria versada na presente consulta, passar-se-á a responder objetivamente a todas as perguntas elaboradas pelo consulente, que já foram, de certa forma, respondidas no bojo deste parecer, mas que serão apresentadas a seguir de maneira sintética.

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A – Pode um órgão subordinado à FIFA afastar o Instituto da Suspensão Automática, decorrente da aplicação do cartão vermelho pelo árbitro no campo de jogo, a seu livre alvedrio?

 

  1. Não. Em virtude do principio da uniformização das regras desportivas resultante da formatação piramidal do movimento desportivo organizado, é vedado aos filiados alterarem os fundamentos que caracterizam a modalidade, mormente o instituto em apreço, posto que destinado a assegurar a aplicação das regras do jogo, além de representar, pelos próprios dizeres da FIFA, um preceito fundamental, de observância obrigatória por todos os seus filiados.

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B – Diante das divergências normativas existentes no Direito Desportivo Nacional a respeito da forma da produção dos efeitos da suspensão automática, quando em jogo competições diversas, há alguma linha de interpretação que possa conduzir à escalação irregular do atleta Jogador “A” na partida realizada contra o Clube “Y”?

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  1. A resposta é negativa por qualquer das perspectivas de caminhos legalmente possíveis de serem adotados.

Se prevalecer o entendimento transcrito na RDI nº 05/2004 de que a suspensão automática só pode ser cumprida na mesma competição, não houve infração por parte do consulente, já que a partida ocorreu pelo campeonato brasileiro, enquanto que a expulsão aconteceu pela Copa do Brasil. O máximo que se pode admitir nesta hipótese, é que o atleta teria de cumprir a automática na primeira partida da Copa do Brasil do próximo ano, se se entender que se tratem de edições diferentes da mesma competição.

Se considerarmos como aplicável o entendimento de que a suspensão automática há de ser cumprida no campeonato brasileiro, também não houve irregularidade na escalação do atleta, posto que já havia cumprido a suspensão automática no jogo contra o clube “Z” na rodada anterior e ao ser punido por apenas um jogo pelo STJD, há que se aplicar o instituto da detração, eliminando-se qualquer pena a ser ainda cumprida.

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C – Ainda que se desconsidere a existência do instituto da suspensão automática decorrente de expulsão da partida, poderia o consulente ser punido pelo fato de que seu atleta fora apenado no dia anterior à partida contra o Clube “Y”?

 

  1. Não, porque o inicio do computo do prazo para cumprimento da sanção só se deu a partir da segunda feira, posto que a punição fora aplicada na sexta feira, sendo que o começo do prazo só pode se dar a partir do primeiro dia útil subsequente à punição, sob pena de violação ao devido processo legal e à regra igualitária.

D – Mesmo que o consulente tenha cometido algum equivoco na escalação do jogador, seria o caso de sofrer uma punição disciplinar?

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  1. Não, pois os princípios pro competitione, da razoabilidade e proporcionalidade apontam para a não aplicação de qualquer penalidade, posto que desnecessária, já que o clube não auferiu qualquer vantagem na competição, na medida em que seu atleta cumpriu devidamente a punição aplicada na sua exata proporção.

Ademais, eventual punição a ser aplicada trará funestas consequências ao desfecho de uma competição já finda, deturpando o resultado atingido no campo de jogo, através do mérito desportivo.

É o que me parece.

Rio, 14 de dezembro de 2013.

 Martinho Neves Miranda

         OAB/RJ 77.428

[1] WILL, Michael. Normas desportivas internacionais e direito interno.Traducao de Jose Angelo Estrella Faria. Brasilia: Revista de informação legislativa, no 103, jul./set.1989, p. 364.

[2] Voto proferido no processo 241/2007 no Superior Tribunal de Justiça Desportiva do futebol . Disponivel        em: http://www.conjur.com.br/2007-nov-08/stjd_aplica_lei_fi fa_rito_processual_cbf.  Acesso em 17/12/2009

[3] MIRANDA, Martinho Neves. O Direito no Desporto. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010, p.40.

[4] FILHO, Joao Lyra. Introdução ao Direito Desportivo. Rio de Janeiro: Pongetti, 1952, p. 101.

[5] Vide, a propósito, que no Torneio Rio-São Paulo, em 1997, chegou-se a impor um limite de faltas coletivas e individuais em que cinco infrações individuais tiravam o atleta por cinco minutos do jogo, e a partir da 15ª falta coletiva a equipe era punida com um tiro livre sem barreira, da meia-lua da grande área. Tal tentativa teve de ser abolida nos campeonatos subseqüentes realizados em âmbito nacional, diante da falta de reconhecimento da FIFA.

[6]Op. cit.

[7]Disponível em http://pt.fifa.com/aboutfifa/organisation/footballgovernance/disciplinary code.html. Acesso em 14/12/2013.

[8]Disponível em http://pt.fifa.com/aboutfifa/footballdevelopment/technicalsupport/refereeing/laws-of-the-game/index.html. Acesso em 13/12/2013.

[9] CASADO, Eduardo Gamero. Las Sanciones Deportivas. Barcelona: Bosch, 2003, p.260.

[10] ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 84.

[11] KUMMER, M.: Spielregel und Rechtregel, Stampfli, Berne, 1973, passim.

[12] KARAQUILLO, J.P. Le Droit Du Sport, Dalloz, Paris, 1997, p.47

[13] MEIRIM, Jose Manuel. A Federação Desportiva como Sujeito Público do Sistema Desportivo. Coimbra: Coimbra Editores, 2002, p. 63.

[14] MIRANDA, Martinho Neves. op cit. p. 80

[15] CASADO, Eduardo Gamero. op.cit, p.318.

Os limites dos Tribunais de contas

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mar
11

PARECER

DIREITO ADMINISTRATIVO. REGIME JURÍDICO DOS CONTRATOS DE PATROCÍNIO CELEBRADOS ENTRE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA E ENTIDADE DESPORTIVA. INOBRIGATORIEDADE DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E LIBERDADE DE UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS AUFERIDOS ANTE A NATUREZA DOS AJUSTES. PODERES DE FISCALIZAÇÃO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO.

 

RESUMO: O parecer analisa a natureza jurídica dos contratos de patrocínio celebrados por entidades integrantes da administração e a sua relação com o Direito Público e o Direito Privado, dentro do universo dos recursos recebidos pelas organizações desportivas de órgãos estatais, além de estabelecer considerações a respeito dos limites de fiscalização desses contratos por parte dos Tribunais de Contas.

 

PALAVRAS-CHAVE: Direito Administrativo. Contrato de patrocínio. Subvenção. Sociedade de Economia Mista. Tribunal de Contas. Prestação de contas.

1. CONSULTA

Consulta-me a entidade desportiva “X” a respeito de várias repercussões jurídicas decorrentes de contratos de patrocínio firmados com determinada sociedade de economia mista, cujo objeto principal consiste, por parte da consulente, em ostentar, com exclusividade, marcas do patrocinador em eventos desportivos por ela organizados, o qual, em contrapartida, possui a incumbência de desembolsar determinada quantia em dinheiro em prol da entidade patrocinada.

As dúvidas giram basicamente em torno da natureza jurídica do ente patrocinador (estando aí compreendida tanto a forma de funcionamento quanto o regime patrimonial), da inserção ou não dos contratos de patrocínio celebrados pela entidade no regime de Direito Público ou Privado e sua respectiva forma de execução, bem como sobre os limites da competência fiscalizatória do Tribunal de Contas em relação à aludida entidade desportiva, no que tange ao cumprimento dos contratos sob comento.

Em virtude das questões formuladas e que serão respondidas objetivamente ao fim deste trabalho, faz-se necessário desenvolver o presente parecer abordando o regime jurídico das sociedades de economia mista, a natureza dos recursos que são repassados pelas entidades estatais às agremiações desportivas e os limites de fiscalização dos Tribunais de Contas sobre os contratos de patrocínio. 

 2. PARECER

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I – AS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA NO CONTEXTO JURÍDICO ATUAL

 

 A – O ENQUADRAMENTO JURÍDICO E O CARÁTER HÍBRIDO DOS BENS QUE COMPÕEM O PATRIMÔNIO DAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA

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A sociedade de economia mista, é conceituada pelo art. 5º do vigorante Decreto-Lei nº. 200/67, como entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da administração indireta.

O referido dispositivo estatui que as sociedades de economia mista constituem-se em entidades dotadas de personalidade de direito privado, isto é, só passam a fazer parte do universo jurídico com a transcrição dos seus atos constitutivos no registro público competente.

Além disso, sua personalidade privada implica também, de acordo com a Constituição, na “sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários” (Art. 173, inciso II).

Isto significa dizer que a sociedade de economia mista, pela sua característica de entidade de direito privado, exerce direitos e contrai obrigações em seu próprio nome, respondendo pelos seus débitos, já que possui patrimônio particular.

Essa espécie de sociedade integra o universo das denominadas empresas estatais, que são todas as sociedades em que o Estado tenha o controle acionário, o que abrange não apenas as sociedades de economia mista, mas também as empresas públicas.

No contexto do estudo a ser aqui desenvolvido, interessa extremar a sociedade de economia mista da empresa pública, sendo duas as principais diferenças entre essas estatais, consubstanciadas tanto na forma de organização, quanto na maneira de composição do capital.

No que concerne à forma de organização, as empresas públicas podem se constituir em todas as formas admitidas em direito, ao passo em que as sociedades de economia mista se organizam obrigatoriamente sob a forma de sociedade anônima, estando sujeitas, portanto, ao regime geral das S/A, disciplinado pela Lei nº. 6.404/76, com todas as implicações jurídicas delas decorrentes, como qualquer outra sociedade anônima.

Com relação à composição do capital, enquanto a empresa pública possui capital inteiramente público, a sociedade de economia mista, como o próprio nome está a indicar, é formada com capital misto, combinando a participação pública e privada.

Entretanto, a participação pública, conforme exige o art. 5º do Decreto–Lei nº. 200/67 deve ser majoritária na formação acionária.

Além disso, nos dizeres de Di Pietro[1] não basta a participação majoritária pública para que uma entidade seja considerada uma sociedade de economia mista, pois faz-se necessária uma presença efetiva do Estado na gestão da empresa, a fim de fazê-la um instrumento de ação do poder público. Caso contrário, haverá apenas uma sociedade anônima comum com participação acionária estatal.

A contribuição pública e privada na constituição do capital, faz com que o patrimônio das sociedades de economia mista possua natureza híbrida, já que está constituído com recursos públicos e particulares.

Faz-se mister ressaltar que, malgrado o fato já mencionado no início deste parecer de que as sociedades de economia mista operam sob o regime do direito privado (art. 173, inciso.II da CF), os bens emanados do Estado e que compõem o acervo patrimonial dessas entidades não perdem a natureza pública, possuindo apenas uma destinação especial, sob administração particular da estatal, na lição sempre atual do saudoso Hely[2].

Portanto, o regime privado cometido às sociedades de economia mista tem por finalidade dotar essas entidades de instrumentos mais ágeis de operacionalização, como forma a atuarem em regime de igualdade com a iniciativa privada segundo as regras de mercado, o que não transmuda a natureza dos bens públicos componentes de seu patrimônio que venham a gerir, em bens de índole privada.

Observe-se, por relevante, que o próprio Supremo Tribunal Federal em recente acórdão reafirmou que não ocorre a despublicização do capital do Estado quando da sua transferência para a sociedade de economia mista, apontando que se trata de patrimônio público sujeito a um regime singular de destinação especial e de administração particular[3].

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I -O REGIME JURÍDICO DAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA

Consoante reza o art. 4º do recém citado Decreto-Lei nº. 200/67, as sociedades de economia mista constituem entidades componentes da Administração Indireta, o que significa dizer que o Estado se vale de certas entidades personalizadas para desenvolver algumas atividades indiretamente, ou seja, utiliza-se de uma interposta pessoa para que certos objetivos de interesse coletivo sejam alcançados.

Dessa forma, é natural supor que o regime operacional das estatais (termo que compreende as Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mista) não seja completamente submetido às normas privadas, pois, se assim fosse, não haveria necessidade de se constituírem como uma categoria jurídica autônoma.

Assim, compete lembrar que a própria Constituição cuida de injetar no regime jurídico das estatais várias regras de caráter público aplicáveis ao governo central, como, por exemplo, a submissão aos princípios constitucionais da Administração Pública (art. 37, caput.); a obrigação de realização de concurso público para admissão de pessoal (art. 37, inc. II); a proibição de acumulação de cargos (art. 37, inc. XVII); a possibilidade de serem objeto de ação popular (art. 5º, inc. LXXIII); a submissão ao controle por parte do Tribunal de Contas (art. 70, caput), dentre outras.

Acrescente-se que a presença maior ou menor das normas de direito público no regime de funcionamento das entidades estatais também depende do ramo de atividade em que essas entidades venham a atuar.

Vale observar que a própria Constituição de 88, no seu art. § 1º do art. 173 o ampliou o leque conceitual de atuação das estatais informado no já reproduzido art. 5º do Decreto-Lei nº. 200/67, pois cometeu às empresas públicas e às Sociedades de Economia Mista a possibilidade de atuarem tanto na exploração de atividade econômica, quanto na prestação de serviços públicos.

A dicotomia feita pelo Constituinte entre essas atividades deságua naturalmente na distinção de regimes jurídicos, já que o regime de direito público será mais intenso em relação às entidades que prestem serviços públicos delegados pelo Estado, do que em relação às estatais que apenas se esmerem por explorar atividades econômicas.

De fato, as atividades econômicas, de acordo com a Constituição, devem ser desenvolvidas em nosso país sob o regime da livre iniciativa e concorrência (art.170), estando submetidas, portanto à disciplina jurídica privada.

Portanto, não faz sentido que as estatais exploradoras de atividade econômica gozem de privilégios próprios de entidades públicas, especialmente nas suas relações com os particulares, já que constituiria uma ofensa ao regime da livre concorrência.

Assim, recordando o magistério de Bandeira de Mello[4], nas suas relações negociais com terceiros, as entidades estatais exploradoras de atividades econômicas serão sempre regidas pelo Direito Privado, figurando sua responsabilidade contratual sob a mesma disciplina aplicável às empresas estatais.

Situação diversa, entretanto, ocorre quando a estatal desempenha uma função relacionada à prestação de serviço público, delegada pela Administração Direta, pois o regime jurídico que rege os contratos celebrados pelos entes da Indireta segue o rito próprio do Direito Administrativo, agindo a estatal sob um regime de supremacia em relação ao administrado.

Nesta segunda hipótese, a estatal passa a contar, nas relações obrigacionais com os particulares, com as denominadas “cláusulas exorbitantes” nos seus contratos, que seriam ilícitas no regime privado, mas que se justificam no regime público, pois visam a resguardar o atendimento do serviço público e que se materializam, por exemplo, na possibilidade de alteração e rescisão unilateral do contrato por interesse público, no controle do acordo com a possibilidade de intervenção, na aplicação de penalidades administrativas, dentre outras.

Em virtude dessa distinção de regimes apresentada, torna-se imperioso identificar no caso concreto se as relações obrigacionais que as estatais mantém com terceiros são de caráter público ou privado.

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II – A NATUREZA DOS RECURSOS REPASSADOS PELOS ENTES ESTATAIS ÀS ENTIDADES DESPORTIVAS

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A – O regime da subvenção pública

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A Constituição Brasileira em seu art. 217 atribuiu ao Poder Público a tarefa de promover o desenvolvimento do esporte, impondo ao Estado o dever de “fomentar práticas desportivas formais e não-formais”.

De acordo com a Lei nº. 9.615/98, a prática desportiva formal é sinônima do desporto de rendimento, ou seja, representa o desporto que prima pela busca de resultados, regulado por normas nacionais e internacionais e que é gerido no país por entidades nacionais de administração do desporto (federações desportivas) que são organizações de cunho estritamente privado (art. 1§1º c/c art. 3º, inc.III).

Portanto, o constituinte considerou que o desporto de rendimento deve ser fomentado pelo Estado, já que, embora se trate de uma função privada (art. 82 nº. da Lei nº. 9.615/98) constitui uma atividade de interesse público.

Dessa forma, o Estado se desincumbe desse seu dever de fomentar as práticas desportivas, auxiliando as entidades desportivas no desempenho de suas atividades, principalmente através da destinação de recursos públicos, havendo, inclusive previsão constitucional expressa neste sentido. (art. 217, inciso II).

A destinação desses recursos ocorre através do instituto da subvenção, que pode ocorrer de maneira permanente, concedido diretamente às organizações desportivas, através de lei, ou de forma temporária, por intermédio de acordo de vontades entre o Poder Público e a entidade subvencionada.

Como exemplo de subvenção legal, cita-se a existência da Lei nº. 10.264/01, que atribuiu um percentual da arrecadação dos concursos de prognósticos e loterias federais e similares aos Comitês Olímpico e Paraolímpico Brasileiro.

Em relação à segunda hipótese, menciona-se os casos dos convênios, regidos pelo art.116 da Lei nº. 8.666/93, que são acordos celebrados com prazo determinado, para a realização de um objetivo específico, de interesse comum dos convenentes.

Importa sublinhar que tanto num como noutro caso, não se está diante de uma transferência de recursos ao setor privado por mera liberalidade do Estado.

Ao revés, a destinação dessa verba estatal representa uma atribuição patrimonial afetada a uma finalidade pública, o que proíbe, nas palavras de Cazorla Prieto que “las subvenciones se destinen a finalidad distinta de la prevista em el acto de otorgamiento.[5]

Como conseqüência lógica e natural da afetação pública dos recursos destinados ao setor privado, surge o dever deste de prestar contas dos valores recebidos e o correspondente poder de controle por parte dos organismos estatais competentes, de maneira a garantir que a verba seja empregada de acordo com os fins públicos para os quais ela foi transferida.

Ademais, deve-se advertir que a prestação de contas se impõe nesta hipótese, pois, no rigor dos conceitos, a entidade que recebe os recursos não é propriamente a titular desses valores, servindo antes como um mero instrumento através do qual se valeu o Estado para alcançar determinados objetivos de interesse da coletividade.

B – A natureza jurídica dos acordos firmados pela consulente com a sociedade de economia mista e sua diferença em relação aos contratos administrativos e às subvenções públicas.

Os acordos celebrados pela consulente com determinada sociedade de economia mista que me foram submetidos são autênticos contratos de patrocínio, já que a referida estatal se comprometeu a entregar certa quantia em dinheiro em troca da divulgação ostensiva de seus signos distintivos nas competições organizadas pela consulente.

Trata-se, portanto, de um ajuste sinalagmático, já que as partes ocupam simultaneamente as posições de credor e devedor, cabendo ao patrocinador o dever de dotar o patrocinado com o suporte material fixado em contrato, obtendo, por seu turno, o direito de explorar publicitariamente a sua atividade desportiva.

Como corolário natural dessa assertiva, advém a característica da onerosidade, já que o financiamento da atividade dos atletas não se dá de maneira desinteressada, mas possui, ao revés, o intuito de dar a conhecer o seu nome ou marca comercial ao mercado consumidor.

Nesta seara, a estatal está atuando na condição de entidade exploradora de atividade econômica, ou seja, está utilizando os contratos de patrocínio como um meio para obter ganhos comerciais na condição de instituição financeira de caráter privado.

Com efeito, emerge da leitura dos termos contratuais que o objetivo da sociedade de economia mista é de obter um ganho econômico, seja através do “retorno institucional”, em que se busca melhorar a sua imagem junto ao mercado consumidor com vistas a aumentar sua clientela, seja por intermédio do “retorno negocial”, advindo dos ganhos obtidos na revenda dos espaços publicitários constantes nos palcos de competição.

Por via de conseqüência, está-se diante de ajustes de índole privada, agindo a estatal em pé de igualdade com a consulente, encontrando-se despida das prerrogativas públicas que as pudessem colocar num plano superior na relação contratual, valendo-se das “cláusulas exorbitantes”, válidas apenas nos contratos administrativos.

Neste sentido, os contratos de patrocínio em apreço merecem ser analisados à luz do Direito Privado, atendendo à intenção das partes, o que significa dizer que a instituição estatal não poderá promover qualquer alteração unilateral do contrato, exigindo nada além daquilo que foi objeto de comum acordo e expressado nos termos contratuais.

Suas cláusulas contratuais devem ser interpretadas de forma a evitar que se extraiam de seu conteúdo deveres de caráter público, já que o regime segue os ditames traçados pelo regramento civil.

Assim, as obrigações da patrocinada restringem-se basicamente a cumprir com o dever contratual de promover a difusão da marca do patrocinador, além de outras obrigações acessórias estipuladas no contrato que tenham por objetivo dar suporte ao cumprimento dessa obrigação principal que é a de dar visibilidade às suas logomarcas nos eventos discriminados na avença.

Por fim, compete realçar que os ajustes em apreço em nada guardam afinidade com o instituto da subvenção, já que conforme leciona o mestre espanhol Unzueta[6], enquanto o subvencionado está obrigado a dar um bom destino a essa ajuda realizando a atividade fomentada pela Administração Pública, o patrocinado está obrigado a realizar um serviço publicitário determinado em prol do patrocinador como contraprestação do financiamento econômico propiciado por este.

Em outras palavras: os contratos de patrocínio são contraprestacionais, enquanto que na subvenção não existe um contrato no sentido estrito do termo, com a obrigatoriedade de prover o subvencionador com uma prestação específica, mas o dever legal de empregar os recursos com a finalidade pública prevista no instrumento de transferência da verba.

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 III – O PODER FISCALIZATÓRIO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO EM RELAÇÃO AOS CONTRATOS DE PATROCÍNIO CELEBRADOS ENTRE A ESTATAL E A ENTIDADE DESPORTIVA.

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A – A Jurisdição dos Tribunais de Contas em relação às sociedades de economia mista.

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A competência fiscalizatória dos Tribunais de Contas em relação às entidades estatais encontra-se discriminada nos arts. 70 e seguintes da Constituição, que mencionam encontrarem-se sob a sua jurisdição todos os entes integrantes da Administração Indireta, o que naturalmente engloba o Banco do Brasil, já que se trata de uma sociedade de economia mista.

Entretanto, não faz muito tempo que o Supremo decidiu que o T.C.U. não tinha competência para julgar as contas dos administradores dessa instituição financeira, sob o argumento de tratar-se de atividade tipicamente privada[7], o que provocou forte reação em sentido contrário da doutrina[8].

Mais recentemente, todavia, o próprio Supremo reviu a sua posição, proclamando expressamente que em virtude do art. 71, inciso II, da C.F. as empresas públicas e as sociedades de economia mista, por serem integrantes da Administração Indireta estão sujeitas à fiscalização dos Tribunais de Contas.

Importa sublinhar que, ao justificar sua posição, o relator Min. Carlos Velloso faz equiparar eventuais danos perpetrados contra o Banco do Brasil, a danos que repercutem diretamente no Erário:

Ora, uma sociedade de economia mista se constitui de capitais do Estado e capitais privados, certo que os capitais do Estado, assim capitais públicos, constituem maioria. Assim, a lesão ao patrimônio de uma sociedade de economia mista atinge, sem dúvida o capital público – o erário, portanto – além de atingir, também o capital privado. Um dano, pois ao patrimônio do Banco do Brasil significa dano ao Erário. O fato de significar, também, dano ao capital privado, minoria na sociedade de economia mista, não desqualifica o dano ao capital público, assim dano ao Erário. (grifou-se)[9].

Assim, à luz do recente entendimento fixado pelo Supremo, independentemente de se tratar de uma estatal prestadora de serviço público ou exploradora de atividade econômica, as sociedades de economia mista e as empresas públicas estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas.

E tal deverá ocorrer com a mesma amplitude preconizada para a Administração Pública Direta, haja vista a previsão constitucional a esse respeito, aliada ao fato de que o patrimônio de tais entes, parcial ou totalmente, simbolizam o Erário Público[10].

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B – A competência fiscalizatória do Tribunal de Contas da União perante a Consulente.

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Os poderes de fiscalização dos Tribunais de Contas em relação aos particulares apenas ocorre em casos pontuais, de acordo com a relação que estes venham a travar com o dinheiro público e que se resumem basicamente a duas situações[11] previstas na Constituição.

A primeira hipótese de submissão dos particulares aos Tribunais de Contas, encontra-se descrita no parágrafo único do art. 70, que exige a prestação de contas de todos aqueles que utilizem, arrecadem, guardem, gerenciem ou administrem dinheiros, bens e valores públicos.

Esta é a hipótese clássica daquelas entidades que recebem subvenções, seja por intermédio de lei ou por meio de convênio, já que usam recursos emanados do Estado para realizarem atividades de interesse público, razão pela qual devem dar satisfação à coletividade do bom emprego desses valores, já que nada mais representam do que instrumentos do poder público para realizarem certas tarefas relevantes para a sociedade, conforme estudado na alínea “A” do item “II” deste parecer.

Hipótese diversa, entretanto, ocorre quando as entidades privadas celebram contratos com as entidades estatais, pois não se está recebendo recursos com a obrigatoriedade de dar uma destinação específica para atender a uma atividade de especial interesse público.

Ao revés, a percepção desses valores é fruto de uma contraprestação fornecida pelo beneficiário em prol da entidade pública, tratando-se, portanto, de um recurso privado, auferido em virtude de um trabalho por ele prestado.

Veja-se no mesmo sentido, o entendimento do hoje Ministro do S.T.F., Eros Roberto Grau sobre esse assunto:

 Por certo que o servidor público não está jungido pelo dever de prestar contas, à Administração de como, onde e quando empregou os seus vencimentos. Nem o contratado da Administração tem o dever de prestar contas de como, onde e quando utilizou o preço dela recebido pelo fornecimento de bens ou prestação de serviços. Pouco importa, aí, que o dinheiro recebido por um e outro provenha dos cofres públicos, visto que esse dinheiro não é mais público, mas sim da titularidade do servidor ou contratado da Administração. ( grifou-se)[12].

Esta é precisamente a situação decorrente dos contratos de patrocínio sob comento, pois não se está diante de uma subvenção pública, mas de um contrato privado de divulgação institucional da estatal.

De fato, conforme enfatizado anteriormente, a sociedade economia mista serve-se dos contratos de patrocínio para ampliar suas oportunidades negociais, visto que, ao atrelar a sua marca ao esporte, obtém inegavelmente uma valorização institucional, angariando, por conta disso, maiores investimentos no mercado consumidor, principalmente junto à clientela jovem, valendo-se, inclusive, da “publicidade espontânea”, que é o ganho advindo de espaço ocupado na mídia com publicidade não paga.

Assim sendo, os recursos não são repassados à associação desportiva com o fito de promover o fomento do desporto, o qual teria uma finalidade pública e necessitaria de um controle dos gastos por parte da entidade da indireta, mas algo que interessa exclusivamente à estatal, não representando nada além do que uma remuneração pela prestação de serviços propiciada pela consulente.

Dessa forma, deve-se considerar obrigatória a prestação de contas quando se está gerenciando recursos de terceiros, mas jamais de valores próprios, que devem ser aplicados pela consulente da maneira que bem entender.

Vale observar que o Tribunal de Contas da União já teve a oportunidade de se manifestar sobre a impossibilidade de fiscalizar a aplicação de recursos recebidos por entidades desportivas em contratos de patrocínio celebrado com estatais, em virtude da natureza contraprestacional desses ajustes, amoldando-se ao presente caso como luva bem ajustada.

De fato, ao analisar os limites fiscalizatórios daquela corte em relação a contratos de patrocínio firmados entre a Confederação Brasileira de Vôlei e o Banco do Brasil, o relator posicionou-se da seguinte maneira:

Frise-se que é equivocada a afirmativa do denunciante no sentido de que a ‘CBV possui contrato com o Banco do Brasil, estando sujeita, portanto, à fiscalização desse Egrégio Tribunal em relação aos recursos que lhe são repassados pelo Banco’. Na verdade, sendo tais verbas recebidas pela CBV a título de pagamento de contrato, não tem este Tribunal qualquer poder fiscalizatório em relação à utilização futura das verbas: nossa competência se esgota na verificação das clausulas contratuais acordadas. Note-se, no caso, sensível diferença em relação às verbas repassadas mediante convênios e outros instrumentos congêneres, que necessariamente vinculam o beneficiário às regras do direito público, sujeitando-se à fiscalização dos órgãos repassadores dos recursos e deste Tribunal. No caso de contratos, entretanto, os beneficiários recebem as verbas como contraprestação de serviços prestados ou de produtos vendidos, e uma vez cumpridas as cláusulas acordadas, podem dispor dos recursos como melhor lhes aprouver. (grifou-se)[13].

Outrossim, é bom frisar que nada impede que a consulente, por ser uma entidade sem fins lucrativos, seja remunerada pelos serviços prestados, pois o que a distingue das sociedades mercantis é que lá os saldos financeiros são repartidos entre os sócios, enquanto que na hipótese presente eventual superávit será revertido em prol da própria instituição, com a finalidade de angariar um melhor desempenho na sua atividade desportiva.

A segunda hipótese prevista pela Constituição em que os particulares estão sujeitos ao poder fiscalizatório dos Tribunais de Contas encontra-se prevista na parte final do inciso II do art. 71 da Constituição, que confere àquele órgão o poder de julgar “as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público”.

No que concerne ao caso concreto, deve-se desde logo relembrar que eventuais danos cometidos contra as sociedades de economia mista compreendem o erário público, conforme o recente entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal no MS nº 25.092-5 DF, mencionado no tópico anterior.

Observe-se que a presente hipótese de prestação de contas é completamente diferente da primeira anteriormente citada, já que ali se cuida do dever de prestação ordinária, periódica, das contas por parte do particular que gerencia recursos públicos.

Aqui se trata de uma situação excepcional, que só ocorre quando conjugadas duas circunstâncias:

  1. que o particular tenha cometido alguma irregularidade;
  2. que esta irregularidade tenha causado prejuízo ao erário.

Isto significa dizer que o mister fiscalizatório por parte do Tribunal de Contas não alcança qualquer dano causado pelos particulares aos cofres públicos, mas que tenha sido resultante do cometimento de alguma irregularidade.

Assim, apenas após evidenciada a irregularidade, que o art. 8º da lei nº 8.443/92 conceitua como a prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou anti-econômico de que resulte dano ao erário, a autoridade administrativa competente deverá imediatamente adotar providências com vistas à averiguação do caso.

Neste caso, está-se diante do processo de Tomada de Contas Especial, que é um processo devidamente formalizado, dotado de rito próprio e disciplinado pela Lei nº. 8.443/92, pelo Regimento Interno do T.C.U. e pela Instrução Normativa nº. 13/96 daquele Tribunal, que tem como objetivo apurar os fatos, identificar os responsáveis e quantificar os danos.em comoçelaternio d8. atuar.by. Compet

Assim, o processo de T.C.E. deve conter elementos de prova suficientes para se definir qual foi a conduta dos agentes públicos e demais responsáveis envolvidos (agentes solidários ou não), qual e em quanto importa o prejuízo e, principalmente, o nexo de causalidade entre a conduta dos agentes e o dano.

No que concerne ao caso concreto, tem-se que a eventual aplicação desse preceito à consulente ocorreria se essa entidade, em virtude do contrato celebrado com a estatal, cometesse alguma irregularidade que causasse dano ao Erário, notadamente em virtude de inadimplemento contratual.

Entretanto, tendo em vista a enorme amplitude desse preceito constitucional, o próprio Tribunal de Contas da União tratou de interpretá-lo de forma a limitar o seu alcance nas hipóteses de contratos celebrados pela Administração Pública.

De fato, o T.C.U. fixou o entendimento de que não basta que o particular tenha descumprido um contrato de caráter privado para que este fato ostente o crachá de “irregularidade”, para fins de fiscalização por parte daquela Corte.

Com efeito, o art. 209, § 5º, do Regimento Interno do T.C.U. prevê expressamente que a responsabilidade do particular derivará do cometimento de irregularidade que não se limite ao simples descumprimento de obrigações contratuais ou ao não-pagamento de títulos de crédito.

Nesta linha de consideração, a jurisprudência do T.C.U. estabeleceu que é necessário ainda que tenha havido eventual irregularidade cometida por agente público no exercício de suas funções, para que aquela Corte de Contas venha a atuar, acrescentando outro requisito para que se promova o processo de Tomada de Contas Especial.

Veja-se, por exemplo, a ementa de um processo em que o T.C.U. analisou supostas irregularidades cometidas em contrato privado celebrado por uma estatal:

Tomadas de Contas Especiais instauradas pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos contra dirigentes de Agências de Correios Franqueadas, em decorrência de irregularidades na execução de contrato de franquia. Ausência de competência do Tribunal para exame da matéria ante a natureza privada dos contratos de franquia empresarial e a inexistência de indícios de atos irregulares praticados por agente público. Arquivamento por ausência de pressuposto de constituição e regular prosseguimento. Determinação à ECT para que dê prossecução às medidas necessárias ao ressarcimento dos danos havidos.[14]

Igualmente, o luminoso aresto do T.C.U., proferido em processo que averiguava eventuais prejuízos causados a empresa da União em virtude de descumprimento de obrigação contratual por particular, sendo relevante destacar importante trecho do voto do relator que bem se presta a elucidar esta hipótese:

Rememorando, a redação do art. 71, II, da Constituição Federal sobre a competência do TCU assim dispõe: Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: I – … II- julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público Federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resultante prejuízo ao erário público 8. Ao analisar o final desse inciso, tenho idéia clara de que não há que se falar em perda ou extravio. Assim, resta investigar a hipótese de irregularidade. Não constam dos autos elementos que indiquem a ocorrência de ilegalidade na celebração do contrato, o que o tornaria passível de nulidade. Enfatizo que não houve co-autoria ou conluio por parte de qualquer agente público. 9. De outra forma, o simples descumprimento contratual não pode ser, por si só, considerado como irregularidade para os fins previstos no aludido art. 71, II, conforme procurarei demonstrar. 10. Valendo-nos das lições de Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, podemos afirmar que em termos jurídicos a irregularidade equivale à existência de defeito que atinge tudo aquilo que se faz não conforme às prescrições que devem ser atendidas. Mais ainda, irregular é o que contravém à lei ou ao regulamento, equivalendo a ilegal. 11. Ora, como já mencionei, o contrato em tela constitui um ato jurídico perfeito, longe de imperfeição ou irregularidade que o pudesse macular. 12. Nessa linha, entendo, também, que as empresas inadimplentes não tinham obrigação legal de prestar contas em virtude de não estarem administrando dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta.(grifou-se)[15].

Assim, de acordo com a orientação do T.C.U., não basta que o particular tenha cometido alguma infração contratual e que cause prejuízos ao Erário, para sofrer uma eventual punição por parte da Corte de Contas: faz-se mister ainda que um agente público tenha cometido uma irregularidade com a participação da entidade privada[16].

Aliás, deve-se citar novamente o próprio regimento interno do T.C.U., em seu art. 209, § 4º, ao determinar que em caso de prejuízos causados ao erário, só se fixará a responsabilidade solidária do terceiro contratante, se o mesmo houver concorrido para o cometimento do dano apurado.

Todavia, se o intérprete partir para interpretar às avessas o recém citado acórdão, deverá considerar que, caso identificada a irregularidade passível de averiguação pelo Tribunal, ou seja, que a mesma tenha surgido de um equívoco da Administração Pública, poderá o Tribunal perscrutar da eventual participação do particular nesse ilícito.

Em outras palavras, se não compete ao T.C.U. julgar terceiros por prejuízos causados por descumprimento de cláusula contratual legitimamente avençada sem a participação de agente público, poderá, por outro lado, fazê-lo, caso ocorra esta última condição.

Por outro lado, importa observar que, se tal fato ocorrer, a fiscalização exercida pelo Tribunal junto aos particulares dá-se basicamente na verificação do cumprimento do contrato, de com a jurisprudência do T.C.U.

Atente-se também para importante trecho do voto do Min. Ubiratan Aguiar proferido em averiguação de pretensas irregularidades existentes em contrato privado celebrado pela Petrobrás:

(…) é entendimento pacífico desta Corte de Contas que não lhe compete examinar o cumprimento de cláusulas contratuais, regularmente firmadas, cabendo ao Poder Judiciário, nestes casos, como ressaltou a Unidade Técnica, dirimir conflitos interpartes (…). Não obstante, pode o Tribunal avaliar a conduta do administrador e do administrado quando da firmatura do contrato, isto é, se o mesmo contempla ou não irregularidades ou ilegalidades que de alguma forma possam ferir os princípios basilares que informam a Administração ou até mesmo trazer prejuízos ao erário. Pode, ademais, o TCU fiscalizar a execução desse contrato e verificar se está sendo ou não cumprido nos exatos termos avençados.

Ao exercer o seu mister fiscalizatório sobre os contratos firmados pelos dirigentes das entidades estatais, poderá o Tribunal de Contas, se concluir pela existência de irregularidade, determinar ao responsável que adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, no prazo de até quinze dias. (art. 45 da Lei nº. 8.443/92 c/c art. 251 RITCU) ( grifou-se)[17].

Caso não sejam atendidas as providências relembradas no voto acima reproduzido, cabe ao T.C.U. comunicar tal fato ao Congresso Nacional, a quem compete sustar o contrato e ao Poder Executivo, para adotar as medidas cabíveis. (art. 71,§ 1º, da C.F.).

Assim, o Poder Legislativo é quem detém a competência para sustar os contratos tidos como irregulares pelo T.C.U., tendo, para tanto, o prazo de 90 dias para decidir a respeito.

Em caso de omissão por parte do parlamento, existe forte divisão na doutrina [18]a respeito da possibilidade de o próprio T.C.U. sustar diretamente o contrato considerado por ele eivado de irregularidades, tendo em vista que o parágrafo segundo da Constituição preceitua que se o Congresso não tomar providências, o Tribunal “decidirá a respeito”, não tendo sido suficientemente claro a respeito do conteúdo dessa decisão.

Considera-se mais razoável o entendimento de que essa decisão não abrange a possibilidade de sustar o contrato, pois as Cortes de Contas são órgãos auxiliares do Legislativo, não podendo exercer uma tarefa própria do órgão principal, sob pena de usurpação de funções.

Veja-se, a propósito, a lição de Barroso:

 Decidirá, por certo, sobre a legalidade ou não do contrato e da respectiva despesa, para o fim de julgamento das contas do administrador. Não é razoável supor, à vista da partilha constitucional de competências vigente no direito brasileiro, que o Tribunal de Contas possa, sobrepondo seu próprio juízo ao do administrador e ao do órgão ao qual presta auxílio, sustar aquilo que o Executivo e o Legislativo entendem ser válido. (…) Por evidente, a última palavra é do órgão Legislativo, e não do Tribunal de Contas. E, em qualquer caso, ainda existirá o recurso ao Judiciário[19].

Na mesma linha de entendimento, convém lembrar a existência de julgamento do STF, no Mandado de Segurança nº 23.550-1/D.F., em que se declarou expressamente a incompetência das Cortes de Contas para sustarem contratos[20].

 

IV – RESPOSTAS ÀS PERGUNTAS FORMULADAS PELA CONSULENTE

 

Uma vez fixado o entendimento sobre a matéria versada na presente consulta, passar-se-á a responder objetivamente às perguntas elaboradas pela consulente, que já foram de certa forma respondidas no bojo deste parecer, mas que serão apresentadas a seguir de maneira sintética.

I – Os ativos financeiros das sociedades de economia mista são públicos ou privados?

  1. Os ativos financeiros das sociedades de economia mista possuem natureza híbrida, já que são formados por recursos do governo federal (que é acionista majoritário e controlador da empresa) e por recursos privados.

II – Os recursos recebidos pelas entidades desportivas, provenientes de contratos de patrocínio celebrados com estatais são de natureza pública ou privada? 

  1. Os recursos financeiros recebidos pelas entidades desportivas provenientes dos contratos de patrocínio são de natureza privada, de propriedade dessas agremiações, já que foram auferidos como contraprestação de serviços de divulgação institucional das entidades estatais.

III – Por força desses contratos, há necessidade de prestação de contas da verba utilizada pela consulente dos recursos recebidos?

  1. Em se tratando de recursos privados, a consulente não está obrigada a prestar contas da utilização da verba recebida pelos contratos de patrocínio, podendo dar-lhe a destinação que melhor lhe aprouver.

 IV – Quais os limites de fiscalização dos Tribunais de Contas em relação aos contratos de patrocínio celebrados por entidades desportivas com empresas estatais?

  1. A fiscalização por parte dos Tribunais de Contas só poderá ocorrer se estiver configurada a hipótese prevista na parte final do art. 71, inciso II, da C.F. e desde que a agremiação desportiva tenha concorrido para o prática de irregularidades apontadas pela Corte de Contas e cometidas pela entidade estatal contratante, estando restrita à verificação do cumprimento do contrato de acordo com a Jurisprudência do Tribunal de Contas da União.

V – Quais as circunstâncias que poderão render ensejo à suspensão do contrato de patrocínio celebrado pela consulente? 

  1. Em relação à entidade estatal contratante, informa-se que ela só poderá rescindir o contrato se a consulente não cumprir suas obrigações convencionadas no acordo, já que por se tratar de um ajuste de natureza privada, a estatal não poderá usar das prerrogativas que detêm os entes estatais de rescindir ou alterar unilateralmente o ajuste por interesse público na forma prevista na Lei n.º 8.666/93.

No que concerne à Corte de Contas, sublinha-se que aquele órgão só poderá concluir pela suspensão do contrato, caso tenha ocorrido a hipótese constante na parte final do art. 71, inciso II, da C.F., oportunidade em que irá submeter tal sugestão ao Congresso Nacional, que decidirá a respeito.

          É o que me parece.

Rio, 26 de junho de 2006.

Martinho Neves Miranda

[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2003, p.288.

2 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 334.

[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 25.092-5 DF. Antônio José de Farias Simões x Tribunal de Contas da União. Rel. Min. Carlos Velloso. Disponível em: http://www.stf.gov.br/noticias/informativos/anteriores/info411.asp#transcricao1. Acesso em: 10 jun. 2006.

[4] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 102.

[5] PRIETO, Luiz Maria Cazorla. Derecho Del Deporte. Madrid: Tecnos, 1992, p. 44.

[6] UNZUETA, Juan Antonio Landaberea. El contrato de Esponsorización Deportiva. Pamplona: Aranzadi, 1992, p. 147.

[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ms. 23.875/DF. Banco do Brasil x Tribunal de Contas da União. Rel. Min. Carlos Velloso Rel. p/acórdão Min. Nelson Jobim. S/A. Disponível em: http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/it/in_processo.asp . Acesso em: 01 jun. 2006.

8 V. por todos Gabriela Verona Percio e Gabriel Guy Léger. A competência constitucional dos Tribunais de contas para fiscalizar as sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica. Interesse Público, Porto Alegre, nº 30, p.303-310, março/abril 2005.

[9] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ms. nº 25.092-5 DF, op. cit.

10 Na mesma linha, Demóstenes Albuquerque, para quem os dirigentes das empresas estatais gerenciam bens públicos, de forma indireta, pois o valor ínsito das ações e das cotas de tais entidades está diretamente relacionado aos resultados financeiros e operacionais das referidas instituições. ALBUQUERQUE, Demóstenes Três. Os Tribunais de Contas e o controle externo das empresas estatais. Interesse público, Porto Alegre, nº. 22, p. 211-226, nov.-dez. 2003.

[11] Jacoby Fernandes resume com precisão as duas hipóteses em que o particular sem vínculo com a Administração está sujeito à jurisdição das Cortes de Contas:

1)- quando em co-autoria com servidor, causa lesão aos cofres públicos, ficando ambos sujeitos a julgamento pelo Tribunal de Contas;

2)- por expressa disposição de lei, quando está sujeito ao dever de prestar contas por haver gerido recursos públicos, como nas hipóteses em que a verba é transferida por convênios, para ser empregada em finalidade específica. FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Competência dos Tribunais de Contas em razão da pessoa. Boletim de Direito Administrativo, São Paulo, nº08, p. 615-625, Ago. 2003.

[12] GRAU, Eros Roberto. Fundações Privadas – Controle pelo Tribunal de Contas. Revista de Direito Público, São Paulo, nº. 98, p.75-80, abr./jun. 1991.

[13] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Denúncia. TC- 000.925/97-7. Decisão nº. 855/97. Interessado: Deputado Augusto Carvalho. Entidade: Banco do Brasil S.A. Relator: Min. Adhemar Paladini Ghisi. Disponível em: https://contas.tcu.gov.br/portaltextual/PesquisaFormulario?CmbTipo Pesquisa=ACOR. Acesso em: 01 jun.2006.

[14] BRASIL.Tribunal de Contas da União. Tomada de Contas Especial. TC nº 002045/97-4. Decisão 302/1999 Entidade: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos- ECT. Rel. Min. Bento Bugarin. Disponível em: https://contas.tcu.gov.br/portaltextual/PesquisaFormulario?cmbTipoPesquisa= ACOR. Acesso em: 01 jun.2006.

[15] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Tomada de Contas Especial. Decisão 31/1998 – Plenário. Processo nº. TC 625.024-97-4. Entidade: Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB. Rel. Min. Adhemar Paladini Ghisi. Disponível em: https://contas.tcu.gov.br/ portaltextual/PesquisaFormulario?cmbTipoPesquisa=ACOR. Acesso em: 01 jun.2006.

16 No mesmo sentido, a Súmula nº 187 do TCU: Dispensa-se a instauração de Tomada de Contas Especial quando o dano for causado por pessoa estranha ao serviço público e sem conluio com servidor da Administração. Disponível em: http://www2.tcu.gov.br/portal/page?pageid=33,39055 2&_dad=portal&_schema=PORTAL. Acesso em: 02 jun. 2006.

[17] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Tomada de Contas Especial. Processo nº TC- 007.291/03-2, Acórdão nº 1.581/03. ML Souza e Cia. Ltda e PETROBRÁS S.A. – BR. Rel. Min. Ubiratan Aguiar. Disponível em: https://contas.tcu.gov.br/portaltextual/PesquisaFormulário?Cmb TipoPesquisa=ACOR. Acesso em: 01 jun.2006. V. igualmente processo de Tomada de Contas Especial, em que o julgamento de contas da entidade privada contratada restringiu-se à comprovação do cumprimento do contrato, com a efetiva entrega dos materiais adquiridos por ente público. BRASIL. Tribunal de Contas da União.Tomada de Contas Especial, processo nº. TC- 400.075/1995-4, Acórdão nº. 06/00, Entidade: Escritório de Representação do Instituto Nacional de Previdência Social no Mato Grosso do Sul, Rel. Min. Adhemar Ghisi. Disponível em: https://contas. tcu.gov.br/portaltextual/PesquisaFor mulário?cmbTipoPesquisa=ACOR. Acesso em: 01 jun.2006.

[17] Contra: SOUTO, Marcos Juruena Villela. Licitações e Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Esplanada/ADCOAS, 2ªed.,1994, p. 255. A favor: FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. A Ação dos Tribunais de Contas sobre os contratos. Fórum Administrativo, Belo Horizonte, n° 38, p. 3386-3389, abr. 2004.

[19] BARROSO, Luis Roberto. Tribunais de Contas: algumas incompetências. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, nº 203, p. 131-140, jan/mar 1996.

20 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 23550/DF. Poli Engenharia Ltda x Pres. do Tribunal de Contas da União. Relator: Min. Marco Aurelio Rel. p/ acórdão Min. Sepúlveda Pertence. Disponível em: http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/it/in_processo.asp. Acesso em: 01 jun. 2006.

Os Jogos Olímpicos na Grécia Antiga

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acendimento da tocha

“OLIMPÍADAS – Viajemos à Grécia para conhecê-las melhor!” *

Existiu um homem chamado Pierre de Coubertin, de origem francesa, nascido em 1863, de nascimento e formação aristocrática, historiador, que se dedicou à educação de jovens e ao esporte como sublimação dos instintos naturais do homem. É evidente que ele se espelhou nos antigos gregos. Movido por esse ideal, o Barão de Coubertin tornou-se secretário da União das Sociedades Francesas de Esportes Atléticos, que geraria o Comitê Nacional dos Esportes; em seguida, ele internacionaliza esse movimento atlético e adapta o Olimpismo grego aos tempos modernos. Isso aconteceu precisamente em 23 de junho de 1894, num congresso realizado no anfiteatro da Sorbone, onde Pierre de Coubertin reuniu duas mil pessoas, das quais 79 representantes de 12 países. O resultado desse congresso foi a aceitação absoluta do retorno dos Jogos Olímpicos, com as devidas adaptações ao mundo moderno. E em 1896, o mundo vê, 1.446 anos depois da última olimpíada na Grécia antiga, a celebração da 1ª. Olimpíada da Era Moderna, em Atenas, no Estádio Olímpico Kallimármor, a 2ª. foi em Paris, em 1900.

Os Jogos Olímpicos Modernos receberam um regulamento moldado na tradição atlética da cultura helênica.

Origem dos Jogos Olímpicos

Os Jogos Olímpicos, como conhecemos hoje, têm uma longa história que começa na Grécia, na região do Peloponeso, há, mais ou menos, 3.000 anos, na cidade de Olímpia. Não se sabe exatamente a data, mas o ano de 776 a. C. é citado em todas as fontes escritas, porém com bastante probabilidade de ser apócrifa. Em verdade, esta data corresponde a 75 olimpíadas (período de 4 anos), contando-se a partir de 476 a. C., quando se realizaram os primeiros JO após a famosa vitória de Salamina, contra os Persas. Quem teria estabelecido esta data fora o sofista Hípias, quando, em 400 a.C., fora encarregado, pela cidade de Élida, de escrever a história das primeiras olimpíadas. Como nenhum traço escrito havia sido conservado, acredita-se que os detalhes fornecidos por Hípias, concernentes aos dois primeiros séculos de existência dos JO, tenham sido provavelmente inventados. Mas não há dúvidas a respeito de certos tópicos, a saber: quando Hípias atribui a um rei da Élida a criação dos JO, ele legitima a soberania desta cidade e sua liderança sobre a organização desses jogos, assim como a exigência de paz e de harmonia entre os gregos como elemento central dos concursos, antes, durante e depois.

Esses jogos pan-helênicos de Olímpia, realizados de quatro em quatro anos, receberam o nome de olympiakoí agônes, para unir as cidades-Estado gregas e propiciar uma trégua divina, em que a paz reinasse antes, durante e depois das competições. O poeta tebano Píndaro, por sua vez, assevera, em sua Olímpica X, versos 55 a 59, que fora Héracles o fundador desses Jogos, após ter matado Augias, por ter-se recusado a pagar-lhe um salário pela limpeza de suas estribarias (baias). Segundo Pausânias, fora um outro Héracles, de Creta, um dos Dáctilos do Monte Ida. O mesmo Pausânias também afirma, em sua Periegese, que os JO foram uma iniciativa de Íftios, rei da Élida, contemporâneo de Licurgo, legislador dos Lacedemônios, que fez celebrar certamens em Olímpia, renovou as festas religiosas e reimplantou a trégua sagrada cujo uso havia sido obliterado. É muito provável ter sido este Íftios a mesma pessoa a quem Hípias atribui a criação dos JO.

Em verdade, já existiam, na Grécia, desde tempos imemoriais, numerosas festas que permitiam exaltar as qualidades físicas e morais dos atletas; entretanto, a criação dos JO se reveste de um sentido todo particular: é a afirmação de uma identidade grega, pan-helênica, concebida como uma cultura com uma religião comum, de valores reconhecidos por todos, de sonhos vividos por todos (mitos) e de ideais comuns. É preciso, antes de tudo, conceber todo esse espetáculo “cosmopolita” como uma manifestação religiosa. Os Jogos estão ligados a um culto, portanto, são, indiscutivelmente, uma cerimônia religiosa.

Origem mítica dos Jogos Olímpicos

        A primeira menção a jogos esportivos na literatura grega remonta a Homero que descreve, no canto XXIII da Ilíada, os jogos fúnebres em honra de Pátroclo, organizados por Aquiles. Diz Aquiles, pelos versos de Homero:

“Filho de Atreu, e vós outros Acaios de grevas bem feitas,

Eis os prêmios que para os aurigas prestantes destino.

Se em honra de outro guerreiro dos Aqueus, agora, lutássemos,

A recompensa melhor para a tenda, decerto, eu levava”,

(Ilíada. Canto XXIII, vv 273-276)

Há vários mitos que tentam explicar a origem dos JO. O mais antigo é que diz que foi Pélops, ao pedir a mão de Hipodâmia, filha do rei Enômaos. O pai de Hipodâmia costumava fazer uma competição de corrida de carros entre ele e os pretendentes à mão de sua filha, e 13 jovens já haviam morrido, quando Pelóps faz seu pedido. O jovem, então, faz um apelo a Poseidão, seu antigo erástes, para que lhe confie um carro de ouro com cavalos alados. Com isso, Pélops vence Enômaos e recebe a mão de Hipodâmia. Mas há um detalhe sinistro por trás dessa vitória de Pélops: Hipodâmia, apaixonada por ele, sabota o carro do pai que morre na corrida. Para purgar esse crime, Pélops institui os JO, em honra do herói morto, segundo a determinação do Oráculo de Delfos: “Pélops, institui festivais e um concurso pela morte de Enômaos!” Imagens votivas de cavalos, descobertas sob as fundações do mais antigo santuário de Olímpia, tendem a provar que corridas de carros tiveram lugar naquele espaço bem antes da data tradicional de 776 a. C., dada por Estrabão[1], para a primeira vitória em corrida a pé, obtida pelo atleta Kórebos.

A segunda versão mítica, igualmente citada pelo Oráculo de Delfos, atribui a Héracles a instituição dos JO em honra de Pélops, filho de Tântalo: “O filho de Anfitrião […] estabeleceu os festivais e o concurso pela morte de Pélops, filho de Tântalo.” E, por fim, Flégon, um “liberado” de Adriano, faz de Pépops e de Héracles respectivamente o segundo e o terceiro fundadores dos JO, o primeiro teria sido um certo Pisos, epônimo de Pisa, na Élida, lugar onde se realizavam os jogos. A versão mais corrente é a que associa os JO a Pélops. O apologista cristão Clemente de Alexandria escreveu, no século II-III da nossa era, que “são as libações oferecidas em honra de Pélops de que se apropria o Zeus de Fídias, sob o nome de jogos olímpicos”[2]

A arqueologia atesta que houve vários cultos muito antigos na região onde se encontra a cidade de Olímpia, pois foram encontradas muitas oferendas ainda da época geométrica. O primeiro culto praticado pelos habitantes do vale do rio Alfeu, no século XI a. C., foi em honra da deusa Gaia, a Terra-Mãe. No século X a. C., erige-se um altar a Zeus, junto a um oráculo talvez pré-existente a este altar; um culto heróico é prestado à memória de Pélops, e um outro às deusas da fertilidade: Deméter, Afrodite e Ártemis. O santuário e o oráculo de Zeus se tornam tão renomados que motivam a construção de um estádio para que jogos atléticos sejam instaurados no programa olímpico. Por esse motivo, as cerimônias religiosas precedem aos jogos esportivos e permanecem predominantes no programa olímpico. A estátua de Zeus em Olímpia está no centro do Altis; a Zeus os vencedores consagravam sua coroa e os banquetes da vitória. Destarte, participar dos JO era uma afirmação dessa comunhão religiosa que reconhecia Zeus como o deus supremo de todos os gregos e, em seguida, a ligação do atleta a uma organização política da Grécia das cidades-Estado. O atleta representa sua cidade-Estado tanto quanto ele honra sua família. Compreender-se-á, então, que o desaparecimento da liberdade na Grécia alterará profundamente o sentido dos JO, privando-os de uma dimensão fundamental. É preciso compreender ainda todo o sistema de valores que se construiu a partir dessas provas atléticas: os gregos vão afirmar aí, na cidade sagrada de Olímpia, durante muito tempo, um ideal aristocrático da prática esportiva.  A vitória tão esperada nos concursos agônicos não é o seu objetivo primeiro, pois essa vitória não teria sentido algum se não fosse obtida segundo princípios muito precisos de higiene física e rigorosas regras morais e éticas. Os JO não são tão-somente a expressão da força e da excelência atlética, são também da inteligência e da lealdade. O ideal aristocrático da firmeza da alma, da coragem e da perseverança preside os JO até o século V a. C. Por último, vem o gosto pelo Belo: o ideal de equilíbrio[3] que se entrevê na Grécia, “o nada em excesso” do Oráculo de Delfos encontra aí sua quase expressão perfeita.

A popularidade dos Jogos Olímpicos de desenvolve primeiro na Sicília, na Magna Grécia, Sul da Itália, onde os gregos do Peloponeso fundaram colônias, com a ajuda dos adivinhos de Olímpia. No século VI a. C.,  os epinícios (odes triunfais, odes sobre a vitória) de Simônides de Céos, Baquílides e Píndaro mostram que os tiranos da Sicília apreciavam os JO, não obstante, os vencedores eram todos oriundos da Hélade. Nesta época, Olímpia já tinha registros precisos e fidedignos de nomes de campeões olímpicos de todas as provas. A lista compilada por Hípias foi revisada por Aristóteles. Lamentavelmente, nenhuma dessas listas chegou até nós. O pouco que nos foi passado devemos a Pausânias, com seus comentários.

Organização dos Jogos Olímpicos na Grécia Antiga

        Élida ou Elis é a cidade-Estado em cujo território se encontra a cidade de Olímpia, e esta tinha a tarefa de organizar os jogos e desempenhava o papel de cidade olímpica moderna. O historiador Políbio faz dela uma “nação sagrada”, beneficiando-se de uma imunidade permanente (POLÍBIO, Histórias, IV, 73, 9-10).

Olímpia é uma cidade consagrada aos jogos. E fora do período de competições não se torna um deserto, como as cidades olímpicas modernas. Seus santuários sempre acolhiam turistas e peregrinos; um pessoal especializado (sacrificadores, flautistas, dançarinos, cozinheiros, cuidadores dos bosques) estava em permanente atividade. Na época dos Jogos, uma mão-de-obra suplementar era engajada, particularmente para manter em ordem as instalações. O estádio, fora do período dos Jogos, servia de pasto ou de terra para cultivo, portanto, era preciso prepará-lo para as competições. A linha de partida, a balbís, era feita de pedra, com uma pequena elevação para o apoio do pé, na hora da partida. O dispositivo de partida, a hýsplenx, é uma espécie de barreira de corda que é abaixada no momento do sinal de partida. Sua instalação é temporária. O estádio comporta igualmente em cada extremidade um pilar, em torno do qual os corredores devem retornar em suas corridas longas. Ao norte, uma tribuna retangular acolhe os hellanódices; a oeste, um túnel abaulado, que Pausânias chama de “entrada oculta” – krupté ésodos –, permite aos atletas entrarem no estádio. O hipódromo se encontra numa setor/zona que não foi escavada pelos arqueólogos, por conseguinte, ignora-se tudo a respeito desta estância esportiva. As pistas de corrida eram trabalhadas e recebiam uma camada de cal, depois eram niveladas com rolos compressores.

Dez meses antes do início dos Jogos, todas as instâncias já estavam postas em função. Os magistrados mais importantes, os hellanódices, vestidos de púrpura, eram formados por “guardiões da lei” – nomophýlakes  -, funcionários encarregados de supervisionar as provas, antigos vencedores olímpicos, e se dividiam em três colégios (escalões): um encarregado das provas hípicas; outro das diferentes corridas a pé; o terceiro das demais provas. As decisões podiam ser contestadas diante do Senado Olímpico (olympiké boulé), constituído este por 50 membros. Paralelamente a todo esse preparatório, a ekecheiría, a trégua olímpica” ou “trégua sagrada”, era proclamada pelos arautos que percorriam toda a Grécia, com o objetivo de garantir a segurança dos atletas e dos visitantes que se hospedavam em Olímpia. Os contraventores eram severamente punidos. Durante a Guerra do Peloponeso, a cidade de Esparta é condenada a uma multa muito severa – 2000 minas – por ter violado a trégua olímpica atacando uma fortaleza e enviando hoplitas a Lepreón, na Elida. Como os espartanos se recusaram a pagar a multa, os magistrados de Olímpia os excluíram dos JO (TUCÍDIDES, Guerra do Peloponeso, V, 49). Em 384 a.C., um competidor de nome Frínon é atacado pelas tropas de Filipe II da Macedônia, quando se dirigia a Olímpia para participar dos JO. Alertado do incidente, Filipe devolve ao atleta tudo o que seus soldados lhe haviam roubado, mais uma compensação em dinheiro e um pedido de desculpas por suas tropas ignorarem que se tratava do mês sagrado. Pausânias também nos relata que um certo Apolônio de Alexandria, em 94 a.C., chegou um pouco tarde a Olímpia, para participar como atleta, e recebeu uma reprimenda muito severa, por suas desculpas contraditórias. Um de seus compatriotas relatou aos hellanódices que ele estava na Jônia participando de jogos públicos para ganhar dinheiro. Apolônio foi excluído dos JO (PAUSÂNIAS, Periegese, V,13).

 

EDITAL DAS OLIMPÍADAS GREGAS

 

        “Só podem participar dos JO os cidadãos gregos livres; bárbaros e escravos são excluídos. Também são excluídos os condenados pela Justiça, os sacrílegos e todos os que se recusam a pagar as multas infligidas pelos hellanódices.

        Todo retardatário será excluído; as más razões desses atrasos serão estigmatizadas. Os concorrentes devem se inscrever em tempo hábil previsto e passar no exame preparatório.

        Durante os Jogos, é proibido matar seu adversário, voluntariamente ou involuntariamente, sob pena de perder o prêmio e de ser constrangido a uma multa.

        É proibido usar de recurso de corrupção. Se alguém tentar corromper os juízes, será passível de chicotadas.

        É proibido protestar contra a decisão dos juízes, em público, mas se pode fazer apelo diante do Senado Olímpico”.

 

Para se fazer respeitar esse código, os helladódices eram assistidos por funcionários da polícia, os rhabdoûkhoi, os portadores de varas, que açoitavam os autores de infração, juntamente com os vigilantes de polícia.

Os escravos e os bárbaros não podiam participar dos Jogos, mas podiam assistir aos certames; as mulheres, por seu turno, eram excluídas. Mulheres encontradas em instalações olímpicas, ou mesmo tendo apenas atravessado o rio Alfeu, deveriam ser precipitadas do rochedo do Typaion. Segundo Pausânias, essa interdição visava apenas às mulheres casadas – gunaíkes –, por oposição às párthenoi, solteiras, donzelas. A única exceção feita era à sacerdotisa de Deméter, que permanecia o tempo todo sentada perto do altar de Zeus. Os estudiosos concluem que é completamente improvável que mulheres solteiras e jovens tivessem algum acesso aos Jogos. Havia, por outro lado, os Jogos femininos, como as Heraia e as Panathenéia. As mulheres também podiam assistir a outros jogos pan-helênicos, como os Jogos Ístmicos, em Corinto.

Está averbado na história dos JO que apenas uma mulher de nome Kallipáteira (Calipátira), viúva, teria acompanhado seu único filho aos Jogos, disfarçada de introdutora dos cavalos. Quando seu filho ganhou a corrida, ela gritou de alegria e se desfez o disfarce. A precipitação do alto do monte Typaion lhe foi negada porque era filha,  irmã e mãe de campeões olímpicos. Mas, a partir daquele dia, os introdutores de cavalos e de atletas tiveram de exercer seus respectivos ofícios completamente nus.

Preparação dos atletas quando já estavam em Olímpia

Uma das condições de participação dos JO residia no treinamento de 10 meses na cidade-natal do atleta. Depois desse período, ele devia se exercitar, em Élis / Élida, um mês antes da abertura dos JO. Esse treinamento era acompanhado por um regime alimentar. Também fazia parte disso atitudes higiênicas, quase rituais: um banho primeiramente, depois esfregar azeite de oliva com um pó fino de areia em todo o corpo, para manter a temperatura do mesmo e suavizar as possíveis tabicadas dos treinadores. Após o treinamento, limpava o corpo com uma espécie de espátula vegetal e tomavam outro banho. O treinador exercia uma grande vigilância sobre seu pupilo: não apenas regulava a progressão do atleta como também o ajudava a aperfeiçoar o seu estilo sempre em busca da expressão mais bela. Em Olímpia, às vésperas dos JO, são os hellanódices que supervisionam rigorosamente esse treinamento. No que toca à alimentação, todos os atletas comem a mesma comida, sem carnes, até século V da nossa era. Também deviam dormir sobre pele de animais e todos no mesmo solo. As infrações eram punidas com penas que iam da reprimenda a chicotadas. Os treinadores particulares, quando chegavam a Olímpia, submetiam-se às ordens dos hellanódices. E muitos atletas não passavam na seleção feita já na cidade olímpica.

A cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos

Três dias antes da abertura dos JO, os atletas, suas respectivas equipes e os magistrados se reúnem, em procissão, e seguem, num cortejo, até o centro do bosque de Altis, onde se ergue o templo de Zeus, e lá todos participam da hecatombe (sacrifício de 100 bois a Zeus) acompanhada de cânticos sagrados, depois de música e dança. Os hellanódices, por seu turno, um pouco antes desses acontecimentos, se submetem a uma purificação ritual, posto que são eles os responsáveis primeiros e últimos pelo desenrolar dos Jogos.

A esta data, os espectadores já se fazem presentes, formando um verdadeiro povoado de tendas, em torno da muralha sagrada. Os Jogos são, de fato, a ocasião para uma espécie de “feira nacional” onde os espectadores podem mandar prever o seu futuro, comprar miudezas, admirar torneios de magia e de acrobacia, igualmente contemplar as obras de arte que são trazidas a fim de encontrarem quem as encomende, ouvir sofistas ou poetas que vêm declamar suas últimas obras. Foi assim que Heródoto, Górgias, Lísias, Isócrates aproveitaram para difundir suas obras.

Após o sacrifício, os atletas prestam o juramento olímpico diante da estátua de Zeus Hórkios (guardião dos juramentos), situado no bouleutério (senado olímpico).  Pausânias nos diz que os atletas juravam “não violar em nada a ordem estabelecida nos JO, que eles se exercitaram com o maior cuidado durante 10 meses sem interrupção”. O juramento é prestado sobre os pedaços de um javali sacrificado, ritual extremamente solene que se praticava quando do momento da assinatura de um tratado muito sério.

Em seguida, os atletas são classificados em dois escalões, segundo a idade: os paides (jovens), de 17 a 19 anos, e os andres (homens), a partir de 20 anos. Os juízes também prestavam juramento: julgar com equidade, não se deixarem corromper e guardar segredo a respeito de tudo o que lhes fosse confiado pelos atletas. E o primeiro julgamento era para selecionar o melhor trompete e arauto, que eram encarregados de fazer a multidão silenciar para ouvir os anúncios públicos: tipo de prova, nome do concorrente, sua origem etc. Na véspera dos JO, uma outra procissão seguia até ao prytaneu, residência dos hellanódices, no recinto de Héstia. Novos sacrifícios eram feitos, depois o arauto anunciava  ao público o nome do proprietário dos cavalos e dos atletas que iam tomarão parte nos concursos, assim como o de seu pai e da cidade de nascimento.

 

As competições atléticas

     Os JO começavam pelas competições mais importantes: as corridas de cavalo (hippikoí agônes), e a primeira prova é a de quadriga (téthrippon), 14.000 metros; as de biga (sunorís), 9.500 metros, e, por último, a corrida montada (kéles), a mais antiga. Os cavaleiros não são os proprietários dos cavalos que montam. Era sempre um nobre ou uma pessoa muito rica.  A vitória demonstra que o proprietário tem o favor dos deuses, que ele é bastante rico para possuir cavalos de corrida e suficiente perspicaz para engajar um bom jóckey. Segundo Xenofonte e Plutarco, o rei Agisilau II de Esparta aconselhou sua irmã Kyniska a alistar sua própria quadriga para provar que a vitória não pertence apenas à virtude viril – andragathía –, mas unicamente à riqueza. Os cavalos de Kyniska venceram em duas Olimpíada seguidas (396 e 392 a.C.). Ela não pôde receber pessoalmente o prêmio, por se uma mulher, mas sua estátua foi erigida no santuário de Olímpia, com a seguinte inscrição:

“Meus ancestrais e meus irmãos foram reis de Esparta.

Eu, Kyniska, vencedora com um carro de cavalos rápidos,

Erigi esta estátua. Eu declaro ser a única mulher

De toda a Grécia a ter recebido esta coroa.”

(Antologia palatina, XIII, 16)

As outras provas são qualificadas de gymnikoí agônes, a saber: “lutas nuas”, porque os atletas concorriam completamente nus. O historiador Tucídides atribui esta prática aos espartanos e que que remonta ao século VIII a.C. Esta nudez no atletismo grego é vista por ele como um grande progresso, em relação ao uso anterior de um calção, herança minóica. A nudez permitia melhor desenvoltura e a apreciação da beleza do corpo do atleta.

Das lutas nuas, a primeira prova é o dolikhós, uma corrida de fundo que se encontra em todas as competições esportivas. Em Olímpia, ela dista de 24 estádios, ou seja, 4.200 a 4.500 metros. Ela é seguida de uma prova mui particular aos JO, o stádion, cujo percurso é de 192 metros. É a corrida mais curta do esporte grego. Ela é a prova-rainha dos Jogos: o vencedor deste tipo de corrida dá seu nome à Olimpíada. Segundo Pausânias, os concorrentes a essa prova eram tantos que era preciso fazer duas corridas eliminatórias.

Após as corridas, passam-se às provas “pesadas” (baréa âthla). A primeira é a luta (pále), esporte muito popular que deu origem à palavra palestra, que é um complexo de instalações esportivas existente em cada cidade grega. Depois vem o pugilato (pugmakhía) e o pankrátio, um esporte bastante brutal que procura igualmente pôr seu adversário fora de combate, com apenas uma interdição: não pôr os dedos nos olhos do adversário. Havia ainda a corrida de armas (hoplítes drómos). Os corredores carregam um escudo no braço esquerdo e um casquete e percorrem dois estádios.

 

Honras e recompensas

As primeiras honras são apresentadas após cada prova. O nome do vencedor é proclamado pelo arauto juntamente com o nome de seu pai e da cidade pela qual concorre. Ele recebe a fita da vitória e uma palma. Em seguida ele efetua uma corrida de honra sobre a pista, enquanto a multidão o aclama e lhe joga flores. Só o primeiro tem direito a honras; os gregos não outorgam nenhuma distinção aos atletas que chegam em segundo e em terceiro lugares. E o verdadeiro prêmio é dado no último dia dos JO, diante do templo de Zeus: os atletas vencedores ou “olímpicos” recebiam uma coroa de oliveira silvestre das mãos dos hellanódices. Os ramos eram provenientes de oliveiras sagradas do templo e eram cortados com uma foice de ouro, por um jovem cujos pais fossem vivos. Em seguida, a cidade-Estado de Elis oferece um banquete no Pritaneu a todos os vencedores. E como soía acontecer, os vencedores tinha o direito de encomendar a um poeta uma ode triunfal.

Uma vez retornados à cidade-natal, os vencedores tinham o direito de receber uma recompensa monetária ou isenções diversas; em Atenas, almoçavam todos os dias no Pritaneu, até o fim da vida; em Esparta, marchavam em combate ao lado do rei.

Enfim, o prazer de apenas participar era estranho ao ideal grego, para o qual só valia a vitória: “A coroa ou a morte”, como diziam os atletas diante de Zeus. Os historiadores M. Finley e H. W. Pleket escreveram: “É o espírito olímpico, o olimpismo tal qual Pierre de Coubertin o concebeu que deve servir de modelo ao seu ideal, e não a realidade dos Jogos Olímpicos da Antiguidade.” As condições dos Jogos Olímpicos devem ser adequadas às necessidades da vida moderna. Destarte, Pierre de Coubertin tirou da corte ambrosíaca o olimpismo e o consagrou, nos tempos modernos, deveras universal e democrático.

 

O fim dos Jogos Olímpicos na Antiguidade

      Por mais de um milênio, os gregos, e mais tarde os romanos, reuniram-se em Olímpia para celebrar juntos a maior festa em honra de Zeus, o deus supremo, senhor da corte ambrosíaca do Olimpo. Mas, no século IV da nossa era, precisamente em 393 d.C., o imperador romano Teodósio I proíbe a prática de cultos pagãos e, junto a isso, a organização dos Jogos Olímpicos. Mesmo assim, muitas províncias do Império Romano, sob influência grega, levam adiante as práticas olímpicas até o século VI d.C.

Depois da interdição de Teodósio I, os cultos pagãos foram-se pouco a pouco suprimidos e os Jogos Olímpicos abandonados por completo. Sobre a divina e belíssima Olímpia surge uma cidade agrícola, com uma igreja cristã e modestas empresas artesanais. No século VII d.C., Olímpia é abandonada por causa de terremotos e suas ruínas são cobertas de terra e esquecidas. Graças aos historiadores da Antiguidade, a memória dos Jogos Olímpicos e seu lugar no mundo grego não se apagaram por completo. Em 1776, o viajante inglês Richard Chandler descobriu o sítio da antiga Olímpia, da Olímpia do senhor das cortes ambrosíacas, a Olímpia de Zeus. Cem anos depois, arqueólogos alemães escavam, em grande escala, o sítio sagrado de Élis. Começam, então, a surgir as famosas ruínas tais quais as vemos hoje.

———

*Rita de Cássia Codá dos Santos. Professora Adjunta de Grego da Faculdade São Bento, Professora aposentada do Colégio Pedro II e Membro da Academia Luso-Brasileira de Letras.

[1] ESTRABÃO, Geografia, livro VII, 30

[2] Clemente de Alexandria. Exortação aos Gregos II, 34,1. Tradução de Rita Codá. SP: É-Realizações Editora, 2013.

[3] Platão, no diálogo Timeu, diz: “[…] Nada é mais belo e mais amorável do que uma alma vigorosa e magnânima, em todos os sentidos, em um corpo proporcionalmente belo e vigoroso […]. Assim, dentre todos os meios de purgar e restaurar o corpo o melhor é a ginástica.

O Esporte na Roma Antiga

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O Esporte na Roma Antiga*

 

“Mens Sana in Corpore Sano”. Quase todo mundo conhece essa expressão de origem romana que significa “Uma mente sã, em um corpo sadio” e imediatamente a identifica como uma exortação à necessidade de se cultivar, ao mesmo tempo, o intelecto e o físico. Trata-se, na verdade, de um verso do grande poeta romano Juvenal, que inclui a boa saúde física e mental  como uma das bençãos que se deve pedir aos deuses, preferivelmente a uma vida longa, mas sem virtude.

Ao longo dos séculos, porém, a frase de Juvenal acabou adquirindo o caráter de lema romano pela prática de esportes. É com ela, portanto, que iniciamos nosso texto sobre a atividade esportiva em Roma.
Inicialmente, enquanto era apenas uma Cidade-Estado que se expandia pela Itália e pelo Mediterrâneo Ocidental, no período republicano, a prática de esporte em Roma era valorizada apenas como forma de treinamento militar para os jovens cidadãos. Havia um espaço na cidade, o Campo de Marte, onde eram feitas as manobras das legiões e onde os jovens podiam se exercitar no arco, na equitação e na esgrima, entre outras atividades. Porém, naquele tempo, o esporte por esporte não fazia parte da formação da criança e do jovem romano, ao contrário do que ocorria nas cidades-estado gregas.
O fato é que a elite romana, durante muito tempo e ainda no limiar do Império, julgava que exibir-se em público praticando qualquer atividade esportiva que não fosse ligada às artes militares era algo degradante e indigno de um patrício. Por outro lado, o grosso do exército era formado por pequenos agricultores livres, que, certamente, já praticavam bastante exercício físico na dura lida cotidiana do semeio, cultivo e colheita.
Assim, somente quando aumenta o contato direto dos romanos com a civilização grega, no sul da Itália e, sobretudo após a conquista de territórios na Grécia, no século II A.C, é que o  esporte, em conjunto com outras manifestações  culturais gregas, como o teatro, a filosofia, as artes,e a própria língua grega, passam a ter grande influência na elite romana (“a Grécia cativa cativou Roma”).
A partir de então, os nobres, em suas villas (propriedades rurais de luxo), constroem espaços privados para a prática de ginástica e atletismo (gymnasia e palestrae). Note-se, porém, que, no início, os romanos viram com maus olhos o atletismo à moda grega, sobretudo porque os atletas se exercitavam e competiam completamente nus. Por isso, algumas leis tentaram proibir membros da aristocracia romana de competirem em público.
Em 186 A.C., pela primeira vez, jogos públicos incluindo exibição de atletas são organizados pelo cônsul Marcus Fulvius Nobilior, em comemoração à sua vitória contra a Liga Etólia, na Grécia. Nobilior era um grande entusiasta da cultura grega, onde atletas profissionais eram admirados e por isso resolveu trazer a novidade para Roma.

As competições de atletismo compreendiam as seguintes modalidades: corrida,  luta-livre (wrestling – hoje conhecida como luta greco-romana),  pugilismo (boxe), pentatlo (que abrangia as modalidades de salto em distância,  corrida, lançamento de disco, lançamento de dardo e luta-livre) e pancration (que pode ser comparado ao nosso vale-tudo).

Já no fim da República, as termas ou banhos públicos começam a proporcionar, além das piscinas e saunas, espaços adjacentes com palestras, ou espaços abertos cercados por colunatas, destinados à prática de exercícios físicos. Nas termas, também, havia piscinas específicas para a prática de natação (chamadas de natatio). Em breve, muitas termas também iriam dispor de espaços para jogos com bola, chamados de sphaerista, pois, além do atletismo e das lutas, os romanos importaram da Grécia uma série de jogos com bola (pila, em latim).

Entre os jogos com bola mais populares estava o harpastum, cujo nome derivava do grego harpaston, que significa “capturar” ou “tomar”.  Os romanos também o chamavam de “jogo com a bola pequena”. Essa bola  dura e que não quicava era chamada de harpasta (havia outros jogos com bolas maiores, parecidas com a do nosso futebol, que eram infladas e quicavam (ex: follis).

O harpastum,  segundo o retórico e gramático Athenaeus, que escreveu sobre muitos costumes do mundo greco-romano no século II D.C, era o nome que os romanos davam ao jogo que os gregos chamavam de  Phaininda.

Não se sabe com exatidão qual eram as regras do Harpastum, mas todos os textos que foram preservados mencionando o jogo levam a crer que era muito parecido com o rúgbi. Era com certeza um jogo jogado com as mãos, em um campo grande, provavelmente de terra ou  às vezes areia e de formato retangular, não muito menor do que um campo de futebol moderno, dividido ao meio por uma linha. Talvez houvesse versões do jogo, variando o número de jogadores de 5 a 12 em cada um dos dois times oponentes. As descrições mencionam um jogador recebendo a bola e fazendo passes para os companheiros de time, com os adversários tentando interceptar. A marcação era dura e os adversários eram jogados no chão. Porém, o objetivo era penetrar no campo adversário e capturar a bola, daí resultando, talvez, o nome que foi dado a pelota.

Fizemos questão de escolher o harpastum porque hoje há um teoria de que este jogo seria o ancestral do nosso futebol.  Sabe-se que os soldados romanos praticavam muito o harpastum, porque além de envolver muito esforço físico, servia também como treinamento estratégico e tático.  E as legiões romanas teriam levado o jogo para todos os cantos do império, inclusive a Britânia. Então o harpastum teria evoluído em diversas regiões que se tornariam os futuros países da Europa, e seria o provável ancestral do la soule, um jogo com bola que surgiu na Normandia, França, e dos ancestrais ingleses do rugby e do futebol.

Não obstante, os romanos certamente jogavam algum jogo que envolvia chutar uma bola, pois Cícero nos conta acerca de um caso forense envolvendo a morte de um cliente que fora cortar o cabelo em uma barbearia e foi morto por causa de uma bola chutada por crianças que jogavam na rua, sendo que a bola bateu na mão do barbeiro no exato momento em que este usava a navalha no pescoço da infeliz vítima!

Se os romanos não foram muito criativos na invenção de esportes, adotando quase todos os que conheciam de outros povos, ninguém pode tirar-lhes os louros de terem inventado a indústria do esporte como entretenimento.

Desde os primórdios, havia em Roma jogos públicos para o entretenimento do povo romano (ludi). Esses jogos tinham propósito religioso, pois integravam festividades em homenagens às diversas divindades adoradas pelos romanos. Não se tratavam propriamente, portanto, de competições esportivas, mas sim de exibições que buscavam o espetáculo e a diversão. Pelo menos desde 366 A.C., o calendário romano incluía dias feriados chamados de ludi romani (jogos romanos) patrocinados pelo Estado.

Em Roma, o principal espaço para a realização dos ludi era o Circo Máximo, cuja pista existe até hoje. A principal modalidade esportiva praticada ali eram as corridas de bigas  e quadrigas (carruagens puxadas por dois ou quatro cavalos), chamadas de ludi circensis. Se o leitor quiser ter uma ideia de como elas devima ser, é só assistir ao filme “Ben-Hur”, em que provavelmente foi encenada a melhor reprodução cinematográfica de uma corrida de quadrigas. Júlio César reconstruiu o Circo Máximo, dotando-o de arquibancadas permanentes.

Como o número de espectadores é o melhor termômetro para se medir qual esporte é mais apreciado, sem dúvida esse título em Roma vai para os ludi circensis, pois o Circo Máximo tinha capacidade para, pelo menos, 250 mil espectadores!

As corridas consistiam em  7 bigas ou quadrigas darem 7 voltas por toda a extensão da pista de 650 m de comprimento que circundava uma plataforma em forma de “U” bem alongado, chamada de “spina”, ganhando a que chegasse em primeiro. Havia na spina uma espécie de placar marcando o número de voltas e o número da quadriga que estava liderando, sendo os marcadores 7 ovos e 7 golfinhos que eram girados conforme a situação se desenvolvia.

Os romanos eram tão apaixonados pelas corridas de bigas que as equipes e torcida logo se dividiram em 4 facções: os Vermelhos, Brancos, Verdes e Azuis. Essas facções evoluíram para representarem não apenas as corridas, mas cultos religiosos, bairros da cidade, grupos políticos , etc., e elas perdurariam não somente em Roma, permanecendo em existência durante o Império Romano do Oriente, em Constantinopla, chamado de Império Bizantino. A famosa revolta “Nika”, em 532 D.C,  que tentou destronar o Imperador Justiniano, começou com um conflito urbano promovido pelas facções rivais dos Azuis e dos Verdes. Constantinopla, como muitas cidades romanas, também tinha o seu hipódromo, cujas ruínas podem ser vistas ainda hoje.

A história registra vários episódios de devoção ou fanatismo esportivo pelas corridas de bigas. Os escritores faziam questão de registrar as estatísticas esportivas. Consta que o auriga (condutor de carruagens) mais bem sucedido foi Gaius Appuleius Diocles que venceu 1.462 corridas de um total de 4.257 disputadas, ganhando um total de 35.863.120 sestércios, soma que, estima-se, equivaleria hoje a 15 bilhões de dólares, o que o tornaria o esportista mais bem pago de todos os tempos! Diocles aposentou-se com 42 anos, após 24 anos de carreira (conforme matéria publicada no jornal Daily Telegraph).

Os ludi foram imediatamente utilizados pelos imperadores como forma de propaganda política e manipulação de massas. Desde o início do Principado, os espetáculos aumentavam em número e suntuosidade. As lutas de gladiadores, costume que os romanos adquiriram dos etruscos, utilizados em cerimônias fúnebres privadas, passaram a integrar os jogos públicos, oferecidos e custeados pelos cônsules e pelo próprio imperador. Não vamos tratar, aqui, dos detalhes relativos aos combates na arena, uma vez que, em nossa opinião, a prática não se enquadra como esportiva, mas, em breve, escreveremos um tópico específico sobre os gladiatores.

O uso dos jogos como ferramenta de controle das massas pelos imperadores romanos, em conjunto com a distribuição gratuita de alimentos (anonna),  gerou a célebre expressão “Pão e Circo, cunhada pelo poeta romano Juvenal, por volta do ano 100 D.C.  A sua análise foi tão profunda, que merece ser citada na íntegra : “Já por muito tempo, desde quando nós não vendíamos o nosso voto para apenas uma pessoa, o Povo Romano tem abdicado de nossos deveres; pois o Povo, que uma vez distribuía os comandos militares, os altos cargos públicos, as legiões, enfim, tudo, agora se auto-restringe e ansiosamente espera somente duas coisas: pão e circo” (Sátiras, X, 77-81).

Com a advertência de Juvenal, encerramos nosso artigo sobre o Esporte em Roma, esperando que tenham gostado.

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* Texto escrito por Eduardo André Lopes Pinto, na comunidade Histórias de Roma, no Facebook, reproduzido neste site sob sua autorização.

A corrupção no esporte

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jul
12

jornal

A FIFA O FBI E O MONSTRO DA CORRUPÇÂO: NÂO BASTA PUNIR

O escândalo do tamanho de um monstro.E dessa vez sem mitologias,folclores ou lendas. As acusações feitas pelo FBI contra vários dirigentes da FIFA, deram as cores de um esquema de corrupção aterrorizante e extremamente voraz pelo vil metal que já escravizou tantas gerações.

Mas poucos estão atentos para o fato de que, tão importante quanto punir, será agir para que isto não volte a acontecer.

Para isto, fundamental se torna averiguar as condições que levaram à eclosão desse esquema denunciado pelo FBI e que vem deixando atônita a comunidade internacional.

O naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck, foi o primeiro a propor, no início do Século XIX, uma teoria de evolução biológica.

Dizia ele, que o ambiente faz com que os seres vivos moldem seus próprios órgãos para que se adaptem a  essa realidade. Assim, por exemplo, a girafa teve seu pescoço aumentado pela necessidade de alcançar os ramos altos das árvores; o morcego teve seus olhos atrofiados pela pouca exposição ao sol e etc.

Se sua teoria não explicou por completo o fenômeno da evolução das espécies, serve bem para compreender o escândalo da FIFA, pois o ambiente em que se movem as instituições desportivas, constituem o ‘habitat’ propício para o cometimento de desvios, a começar pela forma de administração e controle  dessas entidades.

De fato, geridas em formato de associação sem fins lucrativos, elas atuam sem os controles internos e governamentais que são próprios das sociedades empresárias.

Mas o escândalo na FIFA deixou claro que a inexistência de fins lucrativos passa bem longe dessas entidades,  pois além de não se sustentarem com a contribuição de seus associados, elas operam no mundo dos negócios, alienando direitos de transmissão e realização de competições, que foi precisamente o cenário em que as fraudes teriam se operado.

A universalização do esporte é outro elemento relevante para dificultar uma fiscalização, pois cada país tem sua própria legislação e limites territoriais para agir e sem uma normalização internacional, fica difícil combater tantas irregularidades.

Basta ver que o regime do passe do jogador de futebol só se encerrou com uma decisão de âmbito internacional,  proferida pelo Tribunal de Justiça da União Européia no célebre caso “bosman”, produzindo efeitos perante o velho continente, acabando por repercutir por todo o mundo.

O terceiro e talvez o maior dos problemas seja o fato de que as federações desportivas atuam em autêntico regime de monopólio.

Com efeito, as federações desportivas internacionais atribuíram a si próprias poderes exclusivos de organização e regulamentação da modalidade que representam no plano mundial.

Por sua vez, elas se valem de um único interlocutor por continente e para cada país individualmente, que passaram a deter direitos exclusivos para organizar sua modalidade nesses espaços geográficos.

Ou seja, o esporte atua sob regime de monopólio tanto nacional quanto internacionalmente.

O ambiente é,  portanto, propício para dar ensejo ao que ocorreu: sem fiscalização e com imenso poder monopolista, altos dirigentes, de acordo com o FBI, teriam se envolvido em fraudes na concessão de direitos cuja titularidade exclusiva  é da FIFA ou de suas filiadas.

Caso sejam confirmadas as acusações do FBI estar-se-á, portanto, diante de tema nem um pouco esportivo: uma violação ao direito antitruste, com menosprezo ao principio da livre concorrência.

E esse escândalo traz uma pá de cal para o velho e revelho argumento de que essas entidades não devem ser fiscalizadas pelo Estado “por serem autônomas e por ser o esporte um assunto eminentemente privado”.

Objeção nada mais que ultrapassada, pois além de que de esporte isso não tem nada, quem  atua sob regime de monopólio há de estar sujeito ao controle do Poder Público, a fim de impedir que entes monopolistas não abusem de sua “posição dominante”.

E não foi por acaso que as investigações foram conduzidas pelos Estados Unidos,  já que é precisamente naquele país que as normas antitrustes surgiram através da Sherman Act, de 1890 e inspiraram todo o mundo a criarem leis que preservem a livre concorrência e impeçam a realização de fraudes ao mercado.

Ademais, não se pode considerar que não exista interesse público quando cifras astronômicas estão envolvidas, pois onde há muito dinheiro, aumenta-se a possibilidade de que delitos de ordem financeira sejam praticados.

Por isso,   este episódio não pode servir apenas para fazer com que os culpados sejam punidos. Há que se criar regras de controle e mecanismos de fiscalização tanto no plano internacional quanto no direito interno de cada país.

Pois, como dizia Lamarck, “se os organismos progridem de acordo com o meio ambiente” e se nada for feito preventivamente, novos esquemas  continuarão a criar Dráculas ou Franksteins de corrupção, ao invés de  simples morcegos ou girafas…