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Seria o fim da lei de responsabilidade fiscal?

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dez
2

E o jeitinho brasileiro voltou a atacar.  O Congresso Nacional acaba de permitir que os gastos com o PAC e as desonerações sejam abatidos da meta fiscal  comprometendo, assim, a projeção de superávit primário prevista para o exercício.

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 O superávit primário é, a grosso modo, a economia que o governo deve fazer anualmente para pagar os juros da dívida e com essa manobra, o país não economizará o que precisava, estando chancelados assim os gastos feitos além do limite.
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Em outras palavras, com total desprezo à Lei Responsabilidade Fiscal (LRF), o superávit primário se tornou algo SECUNDÁRIO na política fiscal brasileira…
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Embora não tenha a mesma repercussão na mídia que os escândalos de corrupção, essa iniciativa promove danosos reflexos para a nação, cujos efeitos infelizmente são desconhecidos pela maioria de nossa população.
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 Essa prática de promover o endividamento público surgiu com a quebra da Bolsa de Nova Iorque, geradora da grande depressão mundial, com a falência de inúmeras empresas e desemprego de milhões de trabalhadores.
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 No pós-crack de 1929, sob a inspiração do economista John Keynes, muitos países, seguindo o exemplo de Roosevelt nos Estados Unidos, através do New Deal, passaram a gastar deficitariamente para estimular a atividade econômica com investimentos em infra-estrutura, de maneira a propiciar condições para que o mercado interno voltasse a funcionar regularmente.
 Entretanto, esta estratégia, ao longo do tempo, também mostrou a ineficiência do Estado em financiar a atividade econômica, culminando com a crise dos anos 80, tendo atingido índices inflacionários absolutamente impraticáveis.
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É importante entender que a dívida da Administração Pública tende a desaguar na inflação, pois o financiamento do Estado dá-se pela emissão de moeda ou pelos empréstimos.A emissão de moeda empurra os preços para o alto, ao passo que o uso de operações de crédito implica na elevação dos juros, repercutindo diretamente nos custos da economia. Ou seja, se o governo dá com uma das mãos, acaba tirando com a outra…
Dentro desse contexto, surgiu a Lei de Responsabilidade Fiscal como um sistema de planejamento, execução orçamentária e disciplina fiscal com o objetivo de controlar o déficit público para estabilizar a dívida num nível suportável para as finanças do Estado. Inspirada em diversos diplomas estrangeiros surgidos nos anos 90 como o Tratado de Maastricht (CEE ,1992), o Budget Enforcement Act  (EUA,1990) e a Fiscal Responsability Act (Nova Zelândia, 1994), a LRF, dentre outras inovações, incluiu metas de resultado na Lei de Diretrizes Orçamentárias para fins de controle na fase de execução, viabilizando o contingenciamento para preservar o alcance efetivo dessas mesmas metas.
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Mas isso foi por água abaixo com a mudança feita no apagar das luzes do ano fiscal de 2014, posicionando o nosso país na contramão da história, além de provocar em todos a sensação de “dejà vù” dos anos 70, 80 e 90, cujos reflexos já são conhecidos pelos profissionais do ramo.
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O pior de tudo, é que essa mudança na política fiscal abre perigosíssimo precedente em maquiarmos novamente a até então intocada LRF, num futuro não muito distante, pois como já dizia a minha avó,  “por onde passa um boi…”

Dê parabéns a Jaqueline pelo seu novo emprego!

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nov
20

Certamente se o leitor estiver conectado à Jaqueline no famoso site de relacionamentos profissionais LINKEDIN,  receberá esta mensagem, pois a nossa craque do vôlei acaba de ser contratada pelo Minas Tênis Clube para disputar a Superliga 2014/2015, que já se encontra, inclusive, em andamento.

Mas, além de felicitá-la, deveríamos também nos questionar sobre a validade de uma regra que dificultou e quase impediu que ela pudesse participar da competição.

Graças a uma cláusula de barreira criada para evitar que muitas jogadoras de alto nível possam estar reunidas numa mesma equipe, nossa multicampeã  ficou praticamente sem opções no mercado da Superliga, não fosse um louvável esforço do clube mineiro em promover a sua contratação.
O objetivo da regra da confederação era, portanto, o de preservar uma igualdade desportiva entre os times, impedindo que uma ou poucas equipes reúnam as melhores atletas, o que causaria, sob a ótica da entidade, um desequilíbrio técnico no torneio.
Embora a lamentação fosse geral, não se ouviu uma única voz se levantar para indagar: “Será que essa regra é compatível com o nosso sistema jurídico?”
Uma pergunta parecida com essa foi feita há algum tempo na França.  Ao detectar a entrada de vários jogadores americanos naturalizados, a federação de basquete criou uma espécie de quarentena para eles e apenas depois de algum tempo que obtivessem a naturalização é que poderiam começar a competir.
A decisão gerou demanda judicial, caindo no colo do Conselho de Estado francês, que ultimou por anular essa regra pois, sob a bandeira de tentar equilibrar o campeonato nacional, a federação acabou discriminando franceses naturalizados em detrimento dos natos,  o que violava a Constituição daquele país.
A mesma razão de decidir foi adotada no célebre caso Bosman, já que a norma que instituía o passe (valor que era devido por uma equipe à outra pela transferência de um jogador de futebol, mesmo depois do fim do prazo de seu contrato de trabalho), a pretexto de tentar preservar a igualdade econômica entre as agremiações, restringia a liberdade de trabalho dos atletas, além de violar o Tratado de Roma, que permite a todos os trabalhadores europeus atenderem às ofertas de emprego feitas ao redor do velho continente.
Essas normas das federações, que se situam numa zona que a doutrina denomina de “área de densidade desportiva média”, encontram-se na tênue linha entre aquilo que é eminentemente desportivo e o que é matéria de competência do Estado.
Embora seja necessário que existam normas de organização das competições, vira e mexe algumas dessas disposições administrativas acabam extrapolando o âmbito meramente desportivo e vão colidir com direitos do cidadão, assegurados por leis estatais ou tratados internacionais.
No caso de Jaqueline, houve clara limitação ao exercício da sua profissão, assegurado soberanamente por nossa Constituição, o que deixa para todos nós um importante ensinamento: a preservação da igualdade desportiva não pode ser perseguida a ponto de permitir o recorte de direitos fundamentais do indivíduo.
É obvio que podem e devem ser adotados critérios de discrímen para a ocupação de postos de trabalho. Entretanto, todos eles devem estar estritamente relacionados com a aptidão para o exercício do cargo.
Assim por exemplo, não se pode permitir que uma pessoa que não dirija possa ser contratada para pilotar um carro de corridas, ou alguém sem formação jurídica venha a se tornar um magistrado ou ainda que um atleta cardiopata seja autorizado para competir e daí por diante.
Portanto, o filtro pelo qual deverá passar toda regra que restrinja o exercício de uma profissão só pode ser este: o de impedir que a função seja exercida por quem não detenha qualificação ou não esteja apto para tanto.
Então, trazendo essa linha de entendimento para a situação de Jaqueline, qual foi mesmo o critério adotado pela Superliga que a impediu de ser contratada por várias equipes?
Ah, sim!
O de ser uma das melhores jogadoras de vôlei do país…

A PRIMAVERA ÁRABE E OS 7×1

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nov
1

jornal

 

O assistente de Scherlock Holmes certamente perguntaria: o que tem a ver uma coisa com a outra?  “Tudo meu caro Watson” responderia o enigmático detetive inglês.

Quando eclodiu a primavera árabe, o ocidente pensou que todos os países envolvidos acordariam numa democracia ao melhor estilo da terra do “Tio Sam”.

Mas não foi bem isso o que se viu.  O Egito teve a volta dos militares por meio de golpe de Estado, a Síria mergulhou numa guerra civil sem fim e, juntamente com o Iraque, abriu as portas para o assustador Estado Islâmico.

Mas o que deu errado? Na verdade, foi a expectativa irrazoável da humanidade em querer que um único acontecimento fosse capaz de pôr fim a conflitos étnicos, culturais e religiosos que existem mais ou menos desde a morte de Maomé no século VII.

E o 7×1?

Ah, o 7×1, assim como a primavera árabe, seria, para alguns, o estopim para uma mudança no futebol brasileiro.  Mas, de lá pra cá, vimos que nada mudou.

E não mudou porque a alteração  de “MENTALIDADE” da gestão do futebol brasileiro exige a presença de “NOVAS MENTES” no poder.

Mas para que isso aconteça, são necessários 2 ingredientes  incomuns no futebol desde a chegada de Charles Miller no Brasil: PROFISSIONALISMO e DEMOCRACIA.

Sabendo que de amador o futebol não tem nada, a lei 9615 (art. 27 Parágrafo 13) equipara as atividades profissionais desenvolvidas pelas entidades desportivas às sociedades empresárias para todos os fins.

Para QUASE todos…ouso corrigir.

Isto porque, para ficar em cima do muro, a lei NÃO exige que se constituam como tal, criando um verdadeiro Frankenstein jurídico: entidades  desenvolvendo atividades empresariais, mas dirigidas por amadores…

Diante desse cenário,  qual executivo ou profissional qualificado irá abdicar de suas  atividades profissionais para se dedicar integral e  “filantropicamente” a uma entidade?

Mas, o problema não para por aí,  pois ainda que se disponha, terá de encarar um processo eleitoral nem sempre transparente e igualitário.

Com estatutos alterados para atrapalhar opositores, colégios eleitorais dissimulados e escrutínios pouco confiáveis, certos dirigentes criaram a receita perfeita para impedir o surgimento de  boas e novas lideranças.

Assim, vivendo praticamente sem leis nem fiscalização do Estado, que lava as mãos como  Pilatos no credo,  o esporte de nosso país habita numa autêntica terra de Marlboro: um ambiente fértil para atrair dirigentes menos altruísticos…

Dentro desse panorama amadorístico e pouco transparente,  você ainda acredita nessa tal “primavera do futebol brasileiro”?

Um Sheik em Xeque?

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set
21

A declaração do jogador Emerson Sheik diante das câmeras de TV, traz à tona os limites do exercício do direito da liberdade de expressão no esporte.

Esse direito, tão importante que é, levou Colliard a chamá-lo de liberdade primária e ponto de partida de todas as outras, constituindo, assim, um dos pilares da democracia e por isso mesmo ficou no centro da insurgência daqueles que bravamente resistiram contra o regime militar, nos chamados “anos de chumbo”.

Por vivermos num Estado Democrático de Direito há quase três décadas, poucos são os casos em que se põe em xeque o exercício dessa prerrogativa fundamental de quem coexiste numa sociedade livre.

Mas não no esporte.

Paradoxalmente, o esporte brasileiro, que prima pela liberdade de associação, pela autonomia na constituição e funcionamento das entidades desportivas  e pela liberdade na prática do desporto (art. 2º, incisos II e IV da Lei n° 9.615/98 e 217 da Constituição Federal) vem se tornando a fonte mais fértil de debates a esse respeito.

Invariavelmente, dirigentes, atletas e treinadores são punidos pela Justiça Desportiva pelo que falam, pelo que externalizam sobre aquilo que sentem.

A questão que se apresenta é: até onde pode alguém fazer críticas a outrem no esporte? Será que terá de se expressar de maneira mais restrita no esporte do que em qualquer outro segmento social?

 A resposta só pode estar na Constituição.

A liberdade de expressão é um direito fundamental,  garantido pela Lei Maior (art. 5º , inciso IV) a toda pessoa de se posicionar  na sociedade.  Ninguém pode ser punido por manifestar sua opinião a respeito de qualquer assunto, por mais espinhoso que seja, ainda que o que venha a ser dito não agrade a quem lê, ouve, ou assiste. Viver em sociedade é assim mesmo: tolerar as diferenças étnicas, culturais, religiosas e de pensamento dos outros.

Mas como nenhum direito é absoluto, ele encontra seu limite no dano que sua declaração eventualmente possa produzir na esfera jurídica de outrem,  atingindo sua imagem, sua moral, sua honra, etc, ficando sujeito às consequências legais pela violação produzida.

Essa regra vale para qualquer ramo jurídico,  sujeito que está à Constituição.  E o Direito Desportivo, naturalmente não foge à  isso. Não importa o que diga o CBJD (que é uma resolução do Conselho Nacional do Esporte) a FIFA, a CONMEBOL, ou quem quer que seja, já que a regra desportiva há que se adequar ao que diz a Carta Magna.

O princípio, portanto, é este: Ninguém pode ser punido pelo que diz, a menos que ofenda, ou viole direitos de outrem.

Então como saber se um atleta pode ser punido desportivamente pelo que diz?  É simples: basta ver se ele também poderá ser punido em outras esferas jurídicas,  como  no âmbito cível e criminal, por exemplo. Se a manifestação do pensamento for passível de punição,  ele poderá ser punido desportivamente.

E é assim que funciona, porque a violação à regra constitucional será a mesma, residindo a diferença apenas na natureza da sanção:  de índole penal,  civil,  desportiva ou outra qualquer, já que todas essas normas infraconstitucionais nada mais fazem do que, em sua esfera de atuação, dar cumprimento ao comando constitucional.

Caso contrário,  deverá ser absolvido em todas as esferas por estar protegido pela garantia que vem lá de cima…

Então, meu caro leitor,  faça agora o seguinte exercício: se alguém, porventura afirmar que o governo “X”, o plano de saúde “Y” ou a operadora de telefonia “Z” são uma vergonha, você acha que essa pessoa merecerá ser punida por isso?

Cielo e o Doping: quando punir?

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jul
21

MM advogado

Artigo originalmente publicado no jornow, dia 21 de julho de 2011.

A recente detecção da substância furosemida no organismo do nadador Cesar Cielo e de outros atletas do Clube de Regatas do Flamengo, fizeram surgir na mídia debates sobre se eles devem ou não serem punidos e por quanto tempo.

Só que essas discussões às vezes deixam de lado uma questão fundamental e que antecede todas as demais: Por que se pune alguém por doping?

O doping é o estelionato do esporte. Viola o princípio da igualdade entre os competidores e faz com que o atleta dopado tenha um desempenho artificialmente elevado em relação aos demais. Não raro, altera para sempre as condições de saúde de quem se utiliza dessas substâncias e deturpa o slogan de que “esporte é saúde”. Em suma, o atleta dopado que ganha uma competição não a venceu por ter sido o melhor, mas porque trapaceou.

Portanto, para que um atleta seja punido por doping é necessário que se verifique se a substância ingerida é capaz de gerar um aumento artificial de desempenho ou se, de alguma forma, o desportista tentou burlar o sistema de controle de forma a encobrir a ilegalidade do ato praticado.

No caso detectado em Cielo e nos demais nadadores, a furosemida por si só não aumenta a performance deles e nem de quem quer que seja, mas tem o condão de evitar que a substância ilícita seja detectada no teste antidopagem. Então também se justifica a punição, pois quem se utiliza desse expediente está tentando esconder o fato de ter se dopado.

Mas será que teria sido essa a hipótese? O painel de controle antidopagem da CBDA – Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos – informou que a quantidade de furosemida encontrada era tão pequena que não era capaz de mascarar qualquer outra substância, o que evidencia hipótese clara de inexistência de doping bem como da ausência de intenção de burlar o controle antidopagem.

E esse aspecto traz à baila a triste constatação: boa parte dos tribunais desportivos, uma vez detectada a presença de uma substância proibida, condenam de forma automática um atleta sem averiguar se ela foi capaz de alterar seu rendimento, ou de burlar o controle antidoping

Então, se não aconteceu nenhuma das duas hipóteses, a pergunta que surge é simples e natural: porque punir?


ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO X DESPORTO

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jul
1

O Desporto alheio à regulamentação do Estado

Artigo originalmente publicado na Revista Brasileira de Direito Desportivo. São Paulo, IBDD, nº18, jul/dez 2010.

O artigo expõe como várias áreas do desporto encontram-se alheias à regulamentação e ao controle do Estado e que algumas práticas comuns no desporto violam certos direitos fundamentais do homem. Por outro lado, o trabalho também mostra como o Estado também invade certas áreas de interesse exclusivo das organizações desportivas, demonstrando que o Direito Desportivo se encontra ainda como um ramo em desenvolvimento no arcabouço jurídico nacional.

This article focuses on how many sports areas are away from governmental rules and way from de State control, as well as some of the practices adopted in sports violate the fundamental rights of man. On the other hand, the work shows that the State, in the same way, invades certain areas that belong to private sports organizations, revealing that Sport Law is still under development in Brazil.

Palavras-Chave: Desporto, Direito, Organizações Desportivas, Estado, Direito Desportivo.

O Desporto alheio à regulamentação do Estado

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Limitação de acesso ao judiciário; 3. Punições arbitrárias por doping; 4. Assédio moral na atividade desportiva; 5. Atuação abusiva na representação de atletas; 6. A criação dos direitos econômicos sobre jogadores de futebol como forma de tornar o atleta objeto de negócios jurídicos; 7. O surgimento dos contratos desportivos atípicos e a previsão de cláusulas abusivas; 8. Intervenção indevida do Estado em assuntos desportivos privados; 9. Punições excessivas pelo exercício da liberdade de expressão; 10. Benefícios indevidos concedidos às entidades desportivas; 11. Impunidade por ilícitos criminais praticados no exercício da atividade desportiva; 12. A extrapolação da interpretação acerca dos limites da autonomia das entidades desportivas e a necessidade de fiscalização do Estado; 13. Conclusão

 1.    Introdução

O desporto, ao longo dos anos, vem se transformando numa ilha. Numa ilha que se isola de um continente de acontecimentos violentos, desumanos e de tantas outras enfermidades sociais que assolam o nosso noticiário cotidiano.

Uma ilha em que se respiram ares da boa aventurança: seus praticantes são quase super-homens; seus valores corporificam os esplendores da solidariedade, do fair-play e do ideal de vitórias; Sentimentos de união nacional afloram durante competições internacionais: hinos são cantados a plenos pulmões e bandeiras são orgulhosamente agitadas em nome da pátria.

Mas o desporto organizado isolou-se também da realidade social sob outro aspecto: apartou-se consideravelmente do continente jurídico do Estado.

Capitaneado por entidades como a FIFA e o Comitê Olímpico Internacional, ele teve sua regulação nascida no seio associativo, alheio às ingerências dos Estados, sendo que o momento histórico de surgimento do conglomerado associativo também contribuiu para um afastamento inicial dos poderes públicos.

Com efeito, a formação das estruturas desportivas, tal como as conhecemos hoje, surgiram no período liberal, em que as idéias liberais e a utópica e burguesa filosofia da igualdade, aliadas à pouca importância inicial do esporte,  fez com que os poderes públicos cuidassem de se preocupar com outros afazeres considerados mais importantes à época.

Estes fatores acabaram levando a que esse espaço vazio de poder deixado pelo poder público fosse preenchido pelas organizações desportivas, conduzindo-se ao extremo de se produzir doutrina jurídica a pugnar que o direito penal deveria deter-se diante dos muros de uma arena desportiva[1].

Talvez essa breve contextualização histórica e ideológica sirva para entendermos (sem, contudo, deixarmos de condenar) certas situações de clara violação a direitos fundamentais do homem dentro do universo desportivo privado, que estranhamente passam despercebidas de muitos juristas de hoje.

Ocorre que, atualmente, esse isolamento do desporto do cenário jurídico é também movido pela precária regulação e fiscalização empreendida pelo Poder Público.

Vale ressaltar também que o Estado não raro se aproxima do esporte com objetivos nitidamente políticos, levando também, por via de conseqüência, com que suas normas, no mais das vezes, versem sobre temas em relação aos quais não deveria se imiscuir.

Os jogos olímpicos de 1936, com a busca de Hitler pela supremacia da raça ariana, o recíproco boicote dos Estados Unidos e União Soviética nas edições de 1980 e 1984, a intervenção autoritária do governo argentino na busca da vitória a todo custo na Copa do Mundo de futebol de 1978, a atuação arbitrária que marcou décadas de trabalhos do nosso extinto Conselho Nacional dos Desportos – CND – demonstra que também o Estado, ao se aproximar do fenômeno desportivo nem sempre agiu corretamente.

A seguir, apresentaremos algumas situações que se passam no mundo desportivo, que potencializam ou mesmo materializam lesões a diversos princípios constitucionais que representam os fundamentos de nosso Estado Democrático de Direito e que servem de alerta para as ilegalidades que são cometidas no dia-a-dia do exercício dessa atividade, tanto por particulares quanto pelo próprio poder público.

2.    Limitação de acesso ao judiciário 

A limitação de acesso ao Judiciário começa pela cláusula de estilo encontrada nos estatutos das entidades desportivas dirigentes, que veda aos seus filiados o recurso ao Judiciário – não apenas em assuntos desportivos, mas em todos os demais, frise-se bem – o que vem sendo acatado por todos sem maiores queixumes, pois cada modalidade desenvolve-se austeramente sob regime de monopólio, liderado mundialmente por uma federação internacional, que avoca o poder de ditar regras sobre todos os assuntos.

Mesmo tendo a nossa Constituição permitido o acesso ao Judiciário para resolução de questões desportivas, após o esgotamento das instâncias da Justiça privada especializada no assunto, são raríssimos aqueles que nele ingressam, pois temem sofrer retaliações advindas das organizações desportivas internacionais.

Agrega-se a isso que, quando raramente casos desportivos são submetidos ao Judiciário, este, por sua vez, movido por completo desconhecimento ou desinteresse, não adentra em questões que são cruciais para as partes, impedindo que desportistas possam na prática se socorrer deste Poder para resolver seus conflitos jurídicos.

Por outro lado, quando aceito ou imposto às partes o Juízo arbitral, tem-se também dificuldades geradas para os atletas e clubes menos favorecidos, vez que os órgãos máximos de resolução das disputas se situam no exterior, demandando das partes o desembolso de importâncias consideráveis, caracterizando-se como mais um desestimulo de busca aos órgãos de resolução de disputas aos que se vejam prejudicados em seus direitos.

3.    Punições arbitrárias por doping 

Certas condenações disciplinares violam rudimentares garantias processuais, como nas punições por doping, em que atletas são severamente punidos simplesmente pela detecção, em seus organismos, de substâncias que são vedadas por uma determinada organização desportiva.

O aumento dos casos de condenação de atletas sob esse fundamento deve-se primordialmente ao fato de ter sido criada a WADA – World Anti-Doping Agency- (Agencia Mundial Anti-Doping), que, a partir de 2003, passou a divulgar anualmente uma lista de substâncias proibidas, de forma a combater o doping em todo o planeta, exortando todas as nações a aderirem às suas recomendações, tendo o Brasil incorporado esse Código à sua legislação.

Entretanto, a observância cega e absolutamente mecânica a essa cartilha vem redundando em inúmeros prejuízos a clubes e atletas, que acabam sendo punidos sem a observância dos requisitos mínimos do contraditório e da ampla defesa, devidamente assegurados pela Constituição.

Parte-se, portanto, de um pressuposto que viola o básico principio de direito que é o da presunção de inocência, para, pelo contrário, presumir a culpa do atleta, esquecendo-se da regra capital de que o “ônus da prova incumbe a quem o alega”, ou seja, quem acusa o jogador por doping, deve, pelo menos, provar que ele fez uso de substância que elevou artificialmente o seu desempenho, pois, caso contrário, a sua punição não faria sentido.

Se não é possível comprovar-se a culpa, a absolvição é uma medida natural que se impõe, já que não podemos esquecer também do rudimentar principio jurídico “in dúbio pro reo”, isto é, na dúvida, deve-se absolver e não punir quem está sendo acusado, por ser esta uma garantia fundamental de todo ser humano, não devendo ser esquecido que está em jogo a reputação e a própria carreira profissional de um desportista.

Tal proceder traduz-se em genuína responsabilização objetiva, maculando, na prática, o sagrado direito da ampla defesa, já que este reside precisamente na prerrogativa do acusado de provar a sua inocência.

O que se tem observado nas decisões de boa parte dos tribunais desportivos é a automática condenação do jogador, uma vez detectada a presença de uma substancia listada pela WADA, sem que haja a preocupação em se averiguar se ela foi capaz de alterar seu rendimento, ou em identificar a real culpa do atleta ao usar medicamento proibido, o que resulta em deturpar a salutar luta de todos contra a dopagem no esporte.

Algo está errado na forma pela qual estão sendo julgadas estas questões, vez que essas decisões não resistiriam à seguinte pergunta, sobre a qual deve-se meditar: se, para condenar o atleta por doping, basta constatar no seu organismo a presença de alguma substância listada pela WADA, para que serve instaurar um processo no tribunal, apresentar-se defesa, serem produzidas provas e proferir-se uma sentença? 

4.    Assédio moral na atividade desportiva 

A industrialização e o capitalismo trouxeram consigo o desemprego e a competitividade, constituindo-se como ambiente propício a disseminar o assédio moral no trabalho, cuja conceituação tradicional advém de Marie-France Hirigoyen, que enquadra o assédio moral como “Toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude…) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho”[2].

E o esporte se constitui em campo fértil para a propagação do assédio moral, já que existem três fatores que nos levam a concluir nesse sentido:

A) A existência de uma relação de hierarquia rígida entre comandante e comandado no esporte;

B) A constante pressão advinda de vários segmentos pela busca de resultados e a;

C) Tendência presente no consciente coletivo de que o atleta tem que ser mantido sob rédea curta, com pouca liberdade de atuação, sob pena de não alcançar seus objetivos esportivos.

Na primeira hipótese, pela hierarquia rígida nas relações funcionais desportivas tem-se principalmente por parte do técnico a possibilidade de exagero, já que foi outorgado pelo mundo corporativo esportivo a esse profissional, que não raro é despreparado e sem formação acadêmica adequada, amplos poderes sobre os atletas, o que nos leva comumente a presenciar:

– Aplicação de penalidades que expõem os atletas ao ridículo;

– A estipulação de penas de exclusão, como a de treinar em separado;

– A Permissão de que os atletas sofram assédio agressivo de torcedores.

Por outro lado, tem-se deparado também com assédio ascendente dos atletas em relação aos seus treinadores e dirigentes, principalmente quando intencionalmente não se empenham nas competições com o objetivo de forçarem a demissão do treinador, ou desestruturar a diretoria da própria agremiação.

Em relação ao clima permanente de pressão que se verifica no esporte pela busca de resultados, não raro se observa:

– A incitação dos atletas para o uso de doping;

– A imposição de sobrecarga de exercícios, sem respeitar-se a individualidade física de cada atleta;

– A coerção feita aos desportistas para competirem sem condições físicas;

– O estímulo para o cometimento de infrações desportivas imorais e violentas;

– A pressão para a execução de tarefas acima das forças do profissional;

– A Exposição leviana do competidor a perigos excessivos;

No que concerne a essa  necessidade quase paranóica de se coarctar a liberdade do atleta tem-se:

– A estipulação de regimes de concentração por tempo excessivo;

– O impedimento de que atletas se comuniquem ou recebam parentes nesse período e;

– A vedação aos profissionais de darem entrevistas, violando a liberdade de expressão.

O mais curioso de todos esses exemplos é que muitos desses fatos são plenamente aceitos pela comunidade desportiva e pelos próprios profissionais, mas que mascaram e congelam direitos fundamentais daqueles que exercem sua atividade no meio desportivo.

5.    Atuação abusiva na representação de atletas 

A profissão de agente de jogadores de futebol restou devidamente institucionalizada pela FIFA, que o conceitua como “pessoa física que mediante a cobrança de honorários, representa jogadores perante um clube com o objetivo de negociar ou renegociar um contrato de trabalho, ou representa dois clubes entre si com o objetivo de subscrever um contrato de transferência”.

Trata-se de um novo ator criado pela FIFA no cenário do futebol, que veio a substituir o antigo procurador com a missão de assessorar adequadamente o jogador de futebol, cuja maioria é portadora de poucas letras.

Ocorre que isso não é garantia de que o atleta estará bem assessorado, pois a matriz do futebol permitiu a heterogeneidade acadêmica na formação desse profissional, uma vez que aceitou que sejam agentes tanto aqueles aprovados num exame de admissão de pouca profundidade técnica que é organizado por ela mesma, os parentes do jogador ou o advogado regularmente habilitado em conformidade com a legislação de cada país.

Essa imprecisa regulamentação privada, aliada à ausência de normatização estatal específica, criou ambiente propício para a entrada de alguns profissionais inescrupulosos, que se tornaram, na prática, autênticos mercadores de homens, relembrando sombrios momentos de nossa história colonial.

Da forma como restou “regulamentada” essa profissão, o agente foi colocado também na potencial posição de elemento de desestabilização na relação de emprego, já que, quanto maior o número de quebra de contratos, e por via de conseqüência, maior quantidade de pagamento de cláusulas penais, maiores serão os seus lucros.

6.    A criação dos direitos econômicos sobre jogadores de futebol como forma de tornar o atleta objeto de negócios jurídicos

 Durante todo o século passado, vigorou no mundo do futebol o regime do passe, que nada mais representava do que uma quantia que deveria ser paga por um clube a outro, em virtude da transferência do jogador.

Através do instituto do passe o jogador tinha, assim, dois vínculos autônomos e independentes entre si com o clube: o empregatício que durava enquanto vigorasse o contrato e o desportivo, que permanecia mesmo depois de findo o contrato, que só se rompia com o pagamento do passe.

Ou seja, antigamente, o fim do vínculo trabalhista não rompia o vínculo desportivo do jogador com o clube e aí é que residia o problema, já que, quando o contrato terminava, a equipe se valia do passe como mecanismo de pressão e retaliação sobre o jogador: ou ele renovaria pela proposta do clube ou teria o preço do passe fixado em valores elevados, ficando sem jogar e preso à antiga agremiação, como o recém nascido que permanece ligado umbilicalmente à sua mãe.

A proposta vencedora que exortava para o fim do passe, empunhava a bandeira de que haveria definitivamente a tão sonhada liberdade para o atleta de futebol.

Como sempre houve consenso de que os clubes deveriam ser ressarcidos pelos investimentos feitos na formação de novos craques, não apenas como medida de justiça, mas também para estimular que esse trabalho continuasse a ser feito, criou-se outra fórmula legal de compensação.

Previu-se, assim o pagamento da cláusula penal – espécie de multa – em favor do clube que tenha contrato com um jogador, quando este resolver sair durante o prazo convencionalmente ajustado.

Ocorre que esse mecanismo acabou, na prática, sendo negociado pelo clube com terceiros: Empresários, agentes de jogadores, dentre outros, passaram a ser “sócios” das agremiações na percepção dessas quantias.

Surgiram, portanto, os famosos “direitos econômicos” – que trazem embutidos uma condição suspensiva -, sendo acordos que os clubes fazem com terceiras pessoas, como empresários, ou outras entidades, comprometendo-se a ceder a eles determinada parcela do valor da cláusula penal, em caso de transferência durante a vigência do contrato de trabalho do jogador.

Nota-se, portanto que, em que pesem todos os esforços do legislador, o jogador de futebol continuou a receber a etiqueta de autêntica mercadoria, posto que o mundo dos negócios ultimou por criar alternativas para continuarem a tratá-lo como tal, em clara afronta a vários princípios constitucionais, dentre eles o princípio da dignidade da pessoa humana.

7.    O surgimento dos contratos desportivos atípicos e a previsão de cláusulas abusivas

            Vários contratos surgidos nos negócios desportivos perecem no porão da atipicidade, encorajando as partes a criarem tipos jurídicos que extrapolam os limites constitucionais que protegem certas prerrogativas fundamentais das pessoas.

Veja-se, nesse sentido, a figura do contrato de patrocínio, essencial para o desenvolvimento da atividade desportiva e ainda atípico, o que serve de estímulo para que patrocinadores insiram nos ajustes cláusulas que os permitam a rescindi-los unilateralmente, por suposta violação do patrocinado à previsão contratual genérica que exige do financiado uma “conduta socialmente adequada”.

Tal proceder abre a porta para o cometimento de atos discriminatórios, pois deixa ao livre arbítrio de uma das partes avaliar moralmente uma conduta de outrem,  dizendo aquilo que é certo ou errado, além de recriar, sob o manto da simulação, o banido instituto civil da condição potestativa pura.

Cogite-se, outrossim, dos denominados contratos de parceria, ou de co-gestão que vão muito além da cessão do espaço da camisa de jogo e de propaganda estática no estádio da agremiação desportiva, em que a empresa parceira participa efetivamente do processo de administração do clube.

A inércia do legislador em regulamentar com precisão esses tipo de acordos, abre a oportunidade para que agremiações centenárias de prática desportiva corram o risco de desaparecer por força de contratos mal confeccionados e que também podem permitir o inescrupuloso recurso da lavagem de dinheiro, que nosso país já teve infelizmente a oportunidade de presenciar num passado não muito remoto. 

8.    Intervenção indevida do estado em assuntos desportivos privados 

Por outro lado, o Estado não raro intervém açodadamente no desporto, criando ilhas de ilegalidades, como costumeiramente vê-se nas competições, em que o policiamento atua sob as ordens de um árbitro, como se preposto seu fosse, chegando a usar da força física para constranger profissionais a cumprir regras meramente desportivas.

Veja-se também a confusa legislação desportiva em vigor, que muitas vezes adentra em esferas próprias das entidades desportivas dirigentes, com franca violação ao princípio constitucional da autonomia, insculpido no art. 217, Inciso I da Constituição Federal.

A título de ilustração, cite-se, por exemplo, o Estatuto do Torcedor quando, dentre outra previsões, constam aquelas que determinam a forma de preenchimento das súmulas dos jogos a serem elaboradas pelos árbitros, o número de vias, o momento de entrega desses relatórios, dentre outros excessos legislativos. 

9.    Punições excessivas pelo exercício da liberdade de expressão 

A prática forense no desporto vem demonstrando o extremo rigor com que são analisadas e julgadas certas declarações dadas aos órgãos de imprensa, contendo críticas ao comportamento da arbitragem, à conduta das organizações dirigentes e decisões da justiça desportiva dentre outras hipóteses.

É evidente que se observam excessos nessas declarações, exercendo-se irregularmente a sagrada prerrogativa da livre manifestação do pensamento, com ataques à honra de outras pessoas.

Mas é também assente de dúvidas, que a margem deixada à liberdade de expressão no desporto vem ficando cada vez mais reduzida no cotidiano de quem milita nessa área, em que críticas são, em muitos dos casos, confundidas e equiparadas a ofensas, com perigos manifestos a um dos mais importantes cânones constitucionais de nosso país.

10. Benefícios indevidos concedidos às entidades desportivas 

É da cultura política brasileira a benevolência com que são tratadas as agremiações desportivas e seus dirigentes. Em que pese alguns esforços legislativos nesse sentido, infelizmente mais uma vez a realidade dos fatos revelam a baixíssima freqüência com que entidades desportivas e principalmente seus responsáveis são efetivamente condenados por suas práticas ilegais.

Novo alerta vermelho há de ser ligado, posto que o Projeto de Lei que busca modificar a Lei nº9615/98 contém em seu art. 90 – G, a previsão de que “atos judiciais executórios de natureza constritiva não poderão inviabilizar o funcionamento das entidades desportivas”.

Além de deixar margem ao amplo subjetivismo do juiz em dizer quando é que uma penhora, por exemplo, irá inviabilizar o funcionamento de uma entidade desportiva, o dispositivo cria odioso privilégio para essas agremiações, em detrimento de seus futuros credores em processo judicial, não se observando essa benevolência em qualquer outra esfera da atividade econômica nacional.

Já é quase um padrão de comportamento gerencial das agremiações desportivas o atraso no pagamento de salários de seus profissionais, para não dizer, o eterno inadimplemento da remuneração dos funcionários, levando-os a buscarem seus direitos no Judiciário, sendo que, com a eventual aprovação desse dispositivo, não se saberá se e quando irão receber seus devidos rendimentos, os quais possuem caráter evidentemente alimentar.

11. Impunidade por ilícitos criminais praticados no exercício da atividade desportiva 

São comuns as agressões verbais cometidas aos membros das comissões de arbitragem. Entretanto, difíceis são os casos de efetiva condenação dos insultores, sob o argumento de que insultar é um comportamento socialmente aceito no esporte, atuando como se fosse uma suposta excludente de ilicitude penal e cível.

Da mesma forma, esportes de contato rendem azo a que certos praticantes se aproveitem inescrupulosamente dessa situação para lesionarem seus adversários, excedendo dolosamente os riscos decorrentes do exercício normal da atividade desportiva em questão.

Cotoveladas, socos, pontapés são infrações comuns no futebol e rotineiramente sancionadas unicamente por punições disciplinares, mas que potencializam também, por outro lado, a sua inserção no contexto das infrações penais.

Todavia, a práxis jurídica não denota a freqüência com que lesões corporais dolosamente cometidas nesse segmento sejam coibidas penalmente pelo nosso Judiciário.

12. A extrapolação da interpretação acerca dos limites da autonomia das entidades desportivas e a necessidade de fiscalização do estado

A consagração constitucional do princípio da autonomia das entidades desportivas no art. 217, inciso I, da Constituição vem sendo levado ao extremo por alguns hermeneutas, no sentido de afastar toda e qualquer presença do Estado na fiscalização dessas instituições.

O curioso é que o discurso muda radicalmente quando se pretende obter apoio financeiro desse mesmo Estado para a realização de eventos desportivos ou mesmo para viabilizar a simples subsistência das agremiações desportivas.

O que convém reter é que o destino das agremiações desportivas, muitas delas seculares, não é um assunto exclusivamente privado: não interessa apenas e tão somente aos seus diretores e associados, ou seja, àqueles que possuem um vínculo jurídico-institucional com a instituição, mas à sociedade como um todo, já que essas grandes marcas do esporte estão a tal ponto entranhadas na cultura popular que não podem, por desídia ou desonestidade de seus gestores, simplesmente se deteriorar ou mesmo desaparecer.

Neste sentido, vem a calhar o ensinamento de Celso Bastos[3], que tipifica o interesse da sociedade em torno das competições desportivas como autêntico interesse difuso, vez que as atividades ali desenvolvidas interessam a uma gama indeterminada de pessoas.

Não por acaso, é que o Estatuto do Torcedor apresenta um conceito extremamente amplo ao definir o torcedor, definindo-o como “toda pessoa que aprecie, apóie ou se associe a qualquer entidade de pratica desportiva do País e acompanhe a pratica de determinada modalidade esportiva” (art. 2o).

É com o intuito de dar às entidades desportivas a importância pública que merecem, que o legislador brasileiro, através do art. 4o, § 2o, da Lei no 9.615/98, malgrado reconhecer que a organização desportiva do País encontra-se fundada na liberdade de associação, declarou que ela integra o patrimônio cultural brasileiro, considerando-a de elevado interesse social, inclusive para os fins da Lei Complementar no 75/93, que minudencia os assuntos que devem sofrer a devida vigilância por parte do Ministério Publico.

Portanto, quando se insere a organização desportiva no âmbito do patrimônio cultural brasileiro, está-se automaticamente trazendo o Estado para atuar nesse contexto pela dupla via do incentivo e da fiscalização, haja vista que a seção II, do capítulo III, do Titulo VIII, da C.F., que cuida da questão cultural, confere ao Estado o papel tanto de estimulador dessas atividades, quanto de guardião do seu desenvolvimento, como forma de preservar a solidez de sua estrutura.

13. Conclusão

Todas essas situações nos levam a concluir que se faz necessário que se construa uma ponte entre o desporto e o direito, permitindo, simultaneamente, que a sociedade evolua conforme os valores apregoados pelo desporto e que o desporto se desenvolva dentro dos limites fixados pelo ordenamento jurídico estatal.

Por outro lado, o poder público deve também atentar para regular a prática desportiva no tange àquilo que seja de efetivo interesse da sociedade, deixando para as organizações desportivas a normatização que diga respeito ao espaço lúdico do jogo e às questões administrativas que decorram do seu exercício.

Há que se também mudar o pensamento de que no esporte seria possível afrouxarmos certas regras jurídicas aplicadas impositivamente às demais relações sociais, bem como fazermos uma diária reflexão sobre o que acontece no cenário desportivo para sempre indagarmos diante de cada situação concreta: seria ela conforme o nosso ordenamento jurídico e compatível com os princípios constitucionais fundamentais?



[1] É o que nos dá notícia Cazorla prieto. In: PRIETO. Cazorla (org). Derecho Del Deporte. Madrid: Tecnos,1992,p.30.

[2] In: DARCANCHY, Mara Vidigal. Assédio Moral no Ambiente do Trabalho. Justiça do Trabalho. Porto Alegre, ano 22, nº 262, p.24, out.2005.

[3] BASTOS Celso. Justiça desportiva e defesa da ordem jurídica. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, vol. 6, n o 25, p. 269, out./dez. 1998, p. 269.

Proteção ao Futebol

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jun
10

Artigo originalmente publicado no jornal O Dia em 10 de junho de 2010.

As comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), de Assuntos Econômicos (CAE), de Assuntos Sociais (CAS) e Educação, Cultura e Esporte (CE) do Senado aprovaram ontem o projeto (PLC 9/10) que altera a Lei Pelé (Lei 9.615/98). O texto segue para a Câmara, onde há acordo para sua aprovação. O projeto possui avanços, principalmente na regulação das relações entre atletas, clubes, agentes e empresários.

O regime trabalhista do jogador de futebol detém algumas peculiaridades, como a mudança de emprego constante e o fato de que, na sua formação, há o dispêndio de recursos do clube em que, quando garoto, dá seus primeiros chutes.

E, hoje em dia, os jogadores que se destacam nos clubes formadores tornam-se logo objeto de desejo de outros times. E acabam se transferindo imediatamente após surgirem na vitrine.

Há, portanto, consenso de que os clubes devem ser ressarcidos pelos investimentos feitos na formação de novos craques. E não apenas como medida de justiça, mas também para estimular que esse trabalho continue a ser feito.

A fórmula legal de compensação em vigor prevê o pagamento da cláusula penal — espécie de multa — em favor do clube que tenha contrato com um jogador, quando este resolver sair durante o prazo ajustado.

Ocorre que esse mecanismo acabou, na prática, sendo negociado pelo clube com terceiros. Empresários, agentes de jogadores, dentre outros, passaram a ser “sócios” dos clubes na percepção dessas quantias e, adivinha quem ficava com a menor fatia do bolo?

O projeto de lei propõe exatamente tornar nulo esse tipo de negócio, ao prever que o valor da cláusula penal pertence única e exclusivamente ao clube. Com isso, visa a implementar aquilo que nossos dirigentes não costumam fazer: proteger suas próprias agremiações.

Perspectivas sobre a responsabilidade civil nos espetáculos desportivos

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maio
31

Artigo originalmente publicado no Curso de Direito Desportivo Sistêmico – Vol. II 1ª Edição, 2010 | Editora: Quartier Latin

1. Introdução

 O aparecimento de novas atividades no curso dos anos impõe que a elas se ajustem os princípios fundamentais da responsabilidade civil. Compêndios específicos surgem para particularizar a teoria geral ancorada na máxima “neminem laedere” aos vários fenômenos sociais que trazem a probabilidade do dano, como o trânsito, a medicina, os transportes, as relações de consumo, as criações do espírito, as locações urbanas, dentre outros[1].

Entretanto, não se observa, sobretudo no Brasil, um aprofundamento da dogmática jurídica em relação às atividades desportivas, devido a pouca atenção dispensada pelos intelectuais do Direito a esse ramo de atividade[2], sem falar do próprio Estado, que inicialmente se absteve de ordenar juridicamente o desporto.

Por outro lado, as organizações desportivas também se mostraram infensas a sofrerem uma regulação do Direito, propugnando colocar invariavelmente sua atividade num mundo à parte, através de um processo de auto-regulação normativa, com a criação inclusive de órgãos próprios de justiça.

A visão pluralista do Direito propiciada pelo Institucionalismo, que teve em Romano e Hauriou os seus maiores propagadores[3], constituiu a saída teórica encontrada por alguns[4] para afastar momentaneamente o desporto organizado da regulamentação estatal, contribuindo decisivamente para esse mútuo desprezo entre desporto e direito durante algum tempo.

Entretanto, a realidade atual não mais permite tal distanciamento, pois o mesmo desporto organizado, que outrora constituía algo de somenos importância, transformou-se em atividade de grande repercussão na sociedade contemporânea.

De fato, a imagem tradicional do desporto, enquanto atividade de lazer e de competição, que pouco interessou ao Direito, alterou-se substancialmente a partir do momento em que a competição de alto nível surgiu na sua dimensão comercial e financeira.

E isto se deve ao crescente interesse do todo social pelas competições, fazendo com que elas se transformassem em espetáculos lucrativos, despertando o interesse de patrocinadores, o que deu ao desporto organizado uma conotação de verdadeira indústria de entretenimento.

O espetáculo desportivo torna-se, portanto, um objeto de consumo, como qualquer outro serviço[5], passando a ser visto como mais uma atividade de caráter mercantil.

E a alteração sobre o modo de pensar esse fenômeno coloca no centro da discussão a figura do organizador do espetáculo, que antigamente era visto como mero difusor do desporto e que a nova realidade transformou em autêntico empresário, empreendedor de uma genuína atividade econômica[6].

O fator econômico desembocou naturalmente na especialização e profissionalização dos desportistas, cujo nível de exigência foi também levado a níveis extremos, intensificando os perigos de acidentes advindos do seu exercício.

Por outro lado, o notável crescimento do número de espectadores fez notabilizar o desporto no último século não apenas como atividade de lazer para os aficionados, mas também como elemento portador de riscos, que se multiplicam em escala geométrica precisamente em função desses cenários multitudinários[7].

Assim, na medida em que o desporto organizado alterou a sua forma de atuação, potencializando a presença do dano de várias formas na sociedade, faz-se necessário, por outra parte, um ajustamento do ramo civilista a esses novos padrões de comportamento.

E isto se impõe, pelo fato de se constatar a insuficiência da regulação individualista do direito civil para atender, no campo da reparação pecuniária, o conjunto de homens afetados pelo exercício dessa atividade e colocados em nítida posição de inferioridade perante os seus empreendedores.

Dessa forma, tem-se que a hodierna concepção dos espetáculos desportivos, formada a partir do interesse massivo da população e da profissionalização do desporto, constitui o substrato fático para exigir a dispensa de novo tratamento jurídico, sendo impossível tratar-se desses eventos sem se cogitar da atividade econômica que encerram, dos riscos que potencializam e dos danos que aportam para o contexto social.

Este Trabalho propõe-se, portanto, a lançar no cenário jurídico os germens das questões fundamentais que carecem de enfrentamento neste início de século, sem deter a pretensão de esgotar o tema, nem muito menos oferecer respostas para todas as perguntas, até por não ser esta a via mais adequada para exaurir tão delicada matéria.

 2. A importância do tema na sociedade jurídica contemporânea

O assunto desperta interesse tanto no plano teórico quanto do ponto de vista prático.

Do ponto de vista teórico, esta é uma boa hipótese de laboratório para debater um dos temas apontados pela doutrina como dos mais importantes a serem enfrentados pela ciência jurídica da pós-modernidade, que vem a ser o problema do pluralismo, que se manifesta no contexto social de várias formas[8].

A começar pela questão relacionada ao pluralismo dos agentes a sofrerem a imputação do dever de reparar, pois a tarefa de caracterização dos responsáveis pelos danos resultantes dos espetáculos desportivos constitui um exercício que guarda boa dose de complexidade.

Tal se afirma, porque a multiplicidade de pessoas que de alguma forma participam dos espetáculos desportivos (federações, entidades de prática, organismos públicos, organizadores, patrocinadores, colaboradores, árbitros, desportistas, espectadores etc.) dificulta e fragmenta o regime normativo de determinação e individualização de responsabilidades.

Pode-se dizer igualmente que, do ponto de vista do pólo passivo dessa relação, há uma grande variedade de pessoas sujeitas a sofrerem a repercussão danosa da atividade desportiva de exibição, sejam determinadas, como os atores e assistentes dos espetáculos, sejam indeterminadas, como no caso da lesão a interesses difusos.

Por outro lado, a especificidade das situações que acarretam danos em tais atividades revelam a insuficiência da mera aplicação dos princípios fundamentais que regulam a responsabilidade civil, o que requer a fixação de marcos teóricos capazes de ajustar os standards jurídicos às peculiaridades que o espetáculo desportivo apresenta.

E tal necessidade surge pelo fato de que o desporto acompanhou o processo de segmentação normativa vivenciado em nosso país, a denominada “era dos estatutos”[9] tendo sido agraciado também com um estatuto, o Estatuto do Torcedor (Lei nº. 10.671/03), que, ao lado da Lei Geral de Desportos (Lei nº. 9.615/98), definiu um regime específico de direitos, obrigações e responsabilidades, deixando de lado várias concepções tradicionais contidas no imponente Código Civil.

Por fim, é de se ressaltar a importância prática do assunto, já que a presença do dano é uma constante no desporto de competição, ora pelo perigo que determinadas práticas naturalmente possuem, ora pelo interesse massivo da população em relação a grandes eventos, aumentando as probabilidades de concretização de certos riscos.

E o interesse cresce particularmente em relação ao nosso país. Basta olhar no retrovisor a Tragédia da Fonte Nova, constatar atualmente o lastimável estado de conservação de nossas arenas desportivas e vislumbrar no horizonte que se descortina eventos como a Copa de 2014, para constatarmos que os eventos desportivos se constituem em fontes de riscos a circundar permanentemente a sociedade brasileira.

Esta, por sua vez, se encontra ainda à espera de uma resposta imediata daqueles que militam no mundo jurídico, pois o quadro nacional é de uma autêntica “anemia doutrinária”, clamando a conjuntura atual para que se promova um aprofundamento acadêmico pormenorizado nessa seara, devido às transformações sociais e de ordem legal que o desporto-espetáculo sofreu ao longo do último meio século.

 3. Questões fundamentais para enfrentamento

 O tema da responsabilidade civil no espetáculo desportivo se constitui em matéria complexa e extremamente heterogênea, haja vista a multiplicidade dos sujeitos que intervém no espetáculo e as multifárias relações travadas entre eles.

Em apertada síntese, a análise do tema deve necessariamente passar pelo enfrentamento das seguintes questões:

A) Como situar o dever de indenizar do organizador no universo da relação de consumo, que passou a derivar da realização do espetáculo desportivo?

 Há pouco mais de um lustro o legislador brasileiro promoveu uma revolução jurídica nas relações entre organizadores e espectadores dos eventos desportivos ao classificá-las como genuínas relações de consumo, já que a Lei nº. 9.981/00 alterou a Lei Geral de Desportos (Lei nº. 9.615/98) para equiparar o espectador pagante do espetáculo aos consumidores, na forma da Lei nº. 8.078/90.

Todavia, não se meditou ainda sobre os múltiplos e heterogêneos aspectos que envolvem essa equiparação, em virtude das peculiaridades que a relação em apreço apresenta, mormente no que concerne aos eventuais danos causados em decorrência da formação dessa relação de consumo, o que pressupõe, obviamente, a imperiosidade de se analisar o conteúdo de tal liame jurídico.

Diante da norma contida no art. 425 do Código Civil, é possível considerar o contrato celebrado entre as partes como um contrato atípico de exibição de espetáculo desportivo, em que o organizador se obriga, mediante o pagamento de determinada importância, a brindar o assistente com a exibição de determinada manifestação desportiva.

Também é forçoso reconhecer que o referido contrato se apresenta sob a forma de contrato de adesão, já que as condições são pré-fixadas pelo organizador, cabendo ao espectador apenas a prerrogativa de aderir ou não ao ajuste.

De igual modo, é bem de ver que a obrigação do organizador é de resultado, pois quem contrata por presenciar tais eventos não espera simplesmente que a outra parte empregue seus melhores esforços para a realização do mesmo. Assim, ante o descumprimento do contrato, deverá o organizador responder, sem que fique a cargo da vítima a prova de atuação negligente por parte daquele.

Mas ainda que se considere como obrigação de meio, não haveria grande diferença no cardápio dos direitos do espectador, pois já se teve a oportunidade de afirmar que o princípio da boa fé acolhido pelo Código de Defesa do Consumidor, mesmo nas obrigações de meio, não dá ao contratante a prerrogativa de “descuidar-se quanto à busca do resultado pretendido pelo credor”[10], remanescendo o  seu dever de atuar no sentido de conseguir o produto almejado no ajuste.

Isto posto, pode-se dizer que a obrigação do organizador decorrente do contrato de exibição de espetáculo engloba basicamente dois deveres: o dever de promover a sua realização, oferecendo lugares adequados e as comodidades necessárias para o acompanhamento da prova e o dever de segurança, que se apresenta como uma cláusula tácita de incolumidade, em que o organizador se compromete a assegurar a integridade física daqueles que se encontram no recinto para apreciar a pugna desportiva.

Em relação ao primeiro dever do organizador do espetáculo e que constitui a essência da sua obrigação, qual seja, o de propiciar a realização do evento, a questão ganha ainda maiores foros de complexidade, notadamente na identificação das hipóteses de descumprimento desse dever contratual e a respectiva averiguação de possíveis lesões ao espectador.

E tal circunstância encontra-se intimamente atrelada ao instituto do vício do serviço, devidamente amparado pelo art. 20 do Código de Defesa do Consumidor, surgindo dessa previsão normativa a necessidade de saber, ante a especificidade do espetáculo desportivo, quais as situações que podem ser tipificadas na sua realização como serviços impróprios ou deficientes.

Como se pode depreender, a resposta a essa indagação pressupõe uma análise pormenorizada dos serviços que são objeto de prestação, principalmente em virtude do princípio norteador da boa-fé objetiva, que demanda uma verificação dos fins perseguidos em cada ajuste para extrair os deveres de conduta das partes[11].

Outra indagação relacionada ao tema diz respeito à caracterização da natureza jurídica da relação travada entre organizador e espectador, quando este não paga pelo ingresso ao recinto desportivo[12].

Nesse sentido, é de se observar que existe inclinação doutrinária para incluí-la também no rol das relações de consumo, notadamente quando se observa a presença de patrocinadores, que possuem o lucro indireto advindo da publicidade institucional de suas marcas[13] 

Em relação ao dever de segurança, nota-se que essa obrigação ganha consistência em virtude das inovações introduzidas pelo Estatuto do Torcedor (Lei nº. 10.671/03), que fixou a responsabilidade objetiva das entidades responsáveis pela organização da competição, bem como de seus dirigentes, que passaram a responder solidariamente, “pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios”. (art. 19).

Obviamente não se pode admitir a extensão da teoria da assunção do risco (a princípio plausível de aplicação, em determinadas situações, aos desportistas) também para os espectadores, que na sua postura meramente passiva e de contemplação, assumiram apenas o interesse em assistir ao evento, não havendo razão para que se olvide da responsabilidade do organizador, exceto quando verificadas as hipóteses de culpa da vítima, caso fortuito ou força maior.

Precisamente nessa zona de excludente de responsabilidade situa-se a indagação de se considerarem os danos causados a espectadores “por fato das multidões”[14] como algo imprevisível e capaz de exonerar o dever de reparação pelo organizador, notadamente aquele decorrente de atos de violência empregados no interior dos recintos desportivos.

A visão que pende pela manutenção do nexo causal na espécie, consiste em atribuir ao próprio evento a condição de fato gerador dos atos de violência em espetáculos desportivos.

Isto porque, na medida em que o organizador, enquanto empresário, conhece a regularidade com que tais incidentes ocorrem, não poderia colocá-los na lista de fatos imprevisíveis, constituindo-se antes como realidade que deve ser concebida dentro das medidas de segurança e prevenção a serem tomadas para realização dos eventos[15].

Ainda sobre esse assunto, importa averiguar sobre a possibilidade da edificação de uma espécie de responsabilidade coletiva, notadamente quando danos são cometidos por sujeito indeterminado dentro de um grupo determinado, fato comum nos grandes espetáculos desportivos, mormente por prejuízos causados por aficionados.

Tal problemática teórica impõe-se não apenas por força da eventual perquirição do direito de regresso do organizador que venha a ser compelido a reparar esses danos cometidos, mas também em razão das hipóteses de ações diretas promovidas pelas vítimas, especialmente cabíveis quando os danos ocorrem fora do âmbito temporal e espacial de validade do contrato de exibição de espetáculo.

E esta última perspectiva abre ensejo para uma nova investigação, que vem a ser a da fixação no tempo e no espaço dos limites de validade do contrato celebrado entre organizador e espectador, para fins de se perquirir a respeito da eventual responsabilidade pré e pós-contratual do organizador do evento em relação aos interessados em assistir à competição.

Outro tema interessante atinente à relação de consumo decorrente da realização dos espetáculos desportivos, diz respeito à eventual aplicação, ao terreno do desporto organizado, da responsabilização do organizador por danos causados aos direitos difusos, na forma prevista pelo Código de Defesa e Proteção do Consumidor.

E uma inicial observação dessa matéria revela a plausibilidade da sua adequação à prática desportiva organizada, não apenas pela consistência de argumentos doutrinários apresentados nesse sentido[16], como também pela inclinação da Lei nº. 10.671/03 em proteger não apenas o espectador pagante, como fizera a Lei nº. 9.981/00, mas em ampliar o seu âmbito de proteção a todos aqueles que se interessem pelo desempenho de determinada prática desportiva[17].

Nestas condições, parece igualmente relevante pesquisar-se a respeito de quais condições devem ser satisfeitas para que surja o dever de reparação civil do organizador, por violação aos interesses difusos da atividade desportiva que promove. 

B) Diante dos inúmeros sujeitos que intervêm na sua organização, como identificar o responsável e a que título, por danos causados em virtude da realização do espetáculo?

A clássica e ainda atual definição de organizador proposta por Savatier, como sendo “aquele que toma implicitamente sob sua responsabilidade a constituição e a marcha geral de uma ou várias provas desportivas”[18], dá a exata dimensão da amplitude do termo, que abrange tanto pessoas físicas quanto jurídicas, de direito público ou privado.

A penumbra evidenciada nos últimos anos na identificação da figura do organizador do espetáculo desportivo encontra sua razão de ser na multiplicidade de sujeitos que vêm se envolvendo na realização de tais eventos.

O primeiro elemento que contribui para esse estado de perplexidade é a própria estrutura do movimento desportivo, que segue uma formatação piramidal reunindo uma infinidade de entidades dirigentes e de prática.

Com efeito, o desporto organizado, baseado em regime de unicidade, estruturou um sistema jurídico particular com vários degraus de regulação, que indo do global para o local, possui o seu centro de gravidade nas federações internacionais.

As federações internacionais, por seu turno, agrupam as federações nacionais da modalidade, as quais arregimentam federações locais, que finalmente são as que aglutinam associações de prática e desportistas individuais.

As federações desportivas, que se auto-investiram como titulares das competições que representam, ora organizam suas próprias competições, ora delegam essa prerrogativa a outras entidades, sejam entidades componentes da estrutura que capitaneiam, sejam terceiros alheios ao movimento desportivo organizado.  passando a  a representamstiram

Quando ocorrido o processo de delegação, a doutrina esmerou-se por distinguir a figura do organizador direto do organizador indireto[19], sendo organizador direto quem assume o encargo de tomar concretamente todas as medidas de precaução aptas a assegurar a boa marcha de uma competição desportiva e organizador indireto aquele hierarquicamente superior que edita regras para a realização das competições, a serem observadas pelo primeiro.

Há, portanto, a necessidade de se levantarem as obrigações de cada qual no plano da organização do espetáculo, de forma a identificar a sua responsabilidade por eventuais danos advindos do evento e do direito de regresso quando fixada por lei a responsabilidade solidária[20].

Mas a plêiade de sujeitos responsáveis que intervêm na sua organização não se esgota na equação acadêmica recém sinalizada, pois não raro os organizadores não dispõem de infra-estrutura própria, valendo-se de meios materiais e humanos para se desincumbem desse mister, sem falar dos ajustes que celebram com desportistas para encenarem o espetáculo.

E precisamente o rol de auxiliares ampliou-se sobremaneira com a edição do Estatuto do Torcedor, que qualificou e dilatou o leque de encargos a serem satisfeitos pelo organizador de competições desportivas (segurança, atendimento médico, divulgação, asseio, acomodação, venda de ingressos, orientação etc.) multiplicando a necessidade deste último de se valer de um número maior de colaboradores para se desincumbir do fardo legal.

O organizador torna-se, portanto, pólo de irradiação de inúmeros ajustes que se formam para a ocorrência do espetáculo e que podem ser agrupados basicamente em três compartimentos: contratos mantidos com aqueles que o auxiliam na tarefa de realização do espetáculo; contratos formalizados com os desportistas para realizarem a disputa e contratos celebrados com os espectadores para assistirem ao evento, tendo sido estes últimos discutidos no item anterior[21].

Torna-se imperioso, portanto, destrinchar o emaranhado de relações contratuais remanescentes enfeixadas na figura do organizador, tendo em vista a repercussão da apuração desses vínculos jurídicos para fins de fixação do regime de responsabilidade civil.

Obviamente, a natureza do colaborador envolvido nesse serviço repercute diretamente no regime de fixação da obrigação de indenizar, quando danos resultem da execução dessa tarefa, seja do ponto de vista interno da relação perante o organizador, seja pelo prisma externo, no tocante aos prejuízos suportados pelas pessoas que não tomaram parte nesse acordo.

Desse modo, tomando-se como exemplo a relação entre organizador e voluntários, tem-se que estes só responderão perante o organizador em caso de dolo, enquanto que este último responderá simplesmente por culpa, diferindo da hipótese de contratação de serviços, já que por culpa responderão ambos os contratantes, tudo na forma prescrita pelo art. 392, do C.C., sem embargo do disposto no art. 7º, inciso XXVIII da C.F., aplicável quando houver vinculo empregatício entre as partes.

Sob o ângulo externo, isto é, pelos danos causados por esses agentes a terceiros, importa identificar quais funções desenvolvidas pelos colaboradores poderiam constituir eventuais manifestações de certas atividades perigosas exercidas pelo organizador, hipótese que se amoldaria ao art. 927, parágrafo único, do Código Civil, o que bastaria às vítimas dos prejuízos comprovarem o nexo causal, para serem ressarcidas pelo organizador.

Situação diferente ocorrerá se os danos perpetrados excederem a área de risco da atividade, circunstância que exige a comprovação da culpa dos prepostos, para somente após se fixar a responsabilidade objetiva do empregador, na forma prescrita pelo art. 927, inciso III, do C.C.

Sobreleva, portanto, a importância de se definir, através de critérios lógicos, quais as atividades desenvolvidas pelo organizador que podem ser eventualmente incluídas no rol de atividades perigosas, na forma prescrita pela clausula geral objetiva, o que implicará numa imersão no mundo doutrinário para abeberar-se das técnicas a serem utilizadas nessa aferição.

Entretanto, há que se considerar diversa a hipótese, quando danos são provocados por agentes públicos, já que, nesse caso, a relação de preposição não existe entre organizador e colaborador, o que implicará na mudança no regime de fixação de responsabilidades, podendo, inclusive, resultar em eventual exoneração da obrigação de indenizar por parte do organizador, a ser eventualmente substituído pelo próprio Estado[22].

De outra parte, nas relações mantidas entre organizadores e desportistas, observa-se a possibilidade da formação de ajustes dos mais variados matizes e que também tendem a produzir diferentes efeitos no campo da responsabilidade civil.

De fato, a realidade demonstra que os organizadores podem admitir os responsáveis pela exibição do espetáculo de inúmeras maneiras, podendo advir laços de preposição ou subordinação empregatícia, ou mesmo independência técnica do desportista, com repercussão direta no processo de imputação do dever de indenizar.

Neste sentido, observa-se, por exemplo, que a participação dos desportistas poderá dar-se por força de vínculos associativos entre os praticantes e o organizador, contra remuneração por parte deste último, sob regime empregatício ou de prestação de serviços, ou ainda por provocação dos desportistas, gratuitamente ou mediante pagamento, havendo quem considere que esta última hipótese representa uma genuína relação de consumo[23].

Pode-se assim, ter uma idéia da relevância da apuração da natureza de todos esses liames jurídicos, reforçando a posição de destaque que possui o organizador, já que a apuração da responsabilidade civil sempre terá por perto uma investigação do papel jurídico desempenhado por essa pessoa, bem como da natureza dos vínculos por ele mantidos, diante de cada tipo de dano ocorrido em virtude do espetáculo.

C) De que forma poder-se-á caracterizar o dever do desportista de reparar danos cometidos em conseqüência da pratica da atividade que desempenha como objeto do espetáculo? 

 A questão que ora se põe, consiste na perquirição da responsabilidade civil dos desportistas pelos danos cometidos pelo desempenho de sua atividade.

Referida indagação apresenta-se relevante, tanto pelo ângulo da responsabilização direta, como no caso de danos causados aos demais desportistas e organizadores, quanto do ponto de vista indireto, do direito de regresso a ser exercido ordinariamente pelos organizadores, quando estes venham a responder por danos cometidos pelos atletas a espectadores e terceiros alheios à exibição.

Essa questão advém inicialmente do fato de que não existem previsões normativas específicas, vez que as normas que se referem à responsabilidade civil no campo do desporto não possuem o escopo de fixar critérios frente aos danos produzidos durante as atividades desportivas, mas de estabelecer regras para a manutenção da ordem pública relacionada à realização do evento, do qual o Estatuto do Torcedor apresenta-se como exemplo paradigmático.

Desse modo, importa criar balizamentos teóricos nessa seara, a fim de auxiliar no processo que permita configurar, atenuar ou mesmo exonerar a responsabilidade daqueles que desenvolvem a atividade desportiva que é objeto do espetáculo.

Para tanto, faz-se mister trazer à baila as teorias existentes sobre o tema[24], de molde a escolher ou aperfeiçoar aquela que mais se preste a resolver o problema, que ao mesmo tempo em que viabilize o exercício da atividade, não a coloque em zona de absoluta irresponsabilidade.

De qualquer forma, é possível compreender desde logo que os critérios de imputação de responsabilidades hão de sofrer in casu pequenos ajustes, tendo em vista que o desempenho de certas atividades desportivas traz ínsita a idéia de certos perigos.

Dessa forma, não se afigura razoável avaliar a conduta do desportista causador do dano com o mesmo critério que se lhe impute noutro âmbito de relações, em que o fator de risco não existe.

Com efeito, as condições em que se encontram os praticantes fazem com que os seus atos, ainda que dirigidos a lograr o melhor resultado desportivo, nem sempre produzam o efeito perseguido, produzindo conseqüentemente danos das mais variadas formas.

Sob o ponto de vista do desportista lesado, é de se presumir que aqueles que se dedicam a tais práticas conhecem as suas mazelas e assumem os riscos que elas propiciam, através de uma exposição a eles de forma voluntária.

Dessa forma, a aceitação do risco no desporto apresenta-se como uma derivação do instituto jurídico do consentimento da vítima, o qual deve ser analisado de acordo com os padrões éticos, morais e jurídicos em vigor.

Assim, o tema exige um diálogo com os pressupostos aptos a admitirem a legitimidade do consentimento da vítima na órbita desportiva, a espelhar-se, quiçá, no instituto do consentimento informado que milita no campo médico.

Outrossim, deve-se ter presente que a consciência da probabilidade do dano pressupõe completo conhecimento das condições de desenvolvimento da atividade, o que implica no correspondente dever de informação por parte do organizador, quando as circunstâncias assim o exijam.

Entretanto, cabe ter sempre em mente que o consentimento supõe apenas e tão somente a aceitação da eventualidade dos danos e não a certeza de sofrê-los, pois o princípio constitucional da dignidade humana não se prestaria a legitimá-lo, pelo fato de se estar diante de bens indisponíveis.

Nessas condições, partindo-se do pressuposto da autorização do desempenho de determinada atividade desportiva pelo Estado, devidamente exercida de acordo com a moral e os bons costumes e considerando o disposto no art. 188 do Código Civil, é lícito supor aprioristicamente que os danos decorrentes do exercício normal dessa prática não se enquadrariam na órbita do dever do desportista de indenizar.[25]

Por conseguinte, surge a necessidade de se averiguar o que significa desempenho normal da atividade desportiva, devendo-se, por esse modo, acudir às características de cada esporte.

Nesse sentido, surge como vetor importante de interpretação no processo de aferição da normalidade da conduta, o repositório de regras de prática da federação responsável por ordenar a modalidade que esteja sob análise[26].

Apresenta-se aqui, portanto, o problema da pluralidade de fontes normativas emanadas de ordenamentos diversos e a possibilidade de o ordenamento estatal atribuir certas conseqüências a determinados fatos descritos por outro ordenamento[27].

De qualquer forma, pode-se desde já assinalar que, embora não sejam leis do ponto de vista técnico da expressão, não vinculando, por conseqüência, o julgamento do magistrado, os códigos de regras desportivas indicam os meios de evitar os excessos e estabelecem uma linha de atuação nos estritos limites da cautela, cuja violação pode ensejar a caracterização da culpa[28].

Entretanto, não se pode considerar que eventual inobservância dessas mesmas regras implique automaticamente na responsabilização do agente, já que a experiência revela ser absolutamente impossível o desenvolvimento normal da atividade desportiva sem a sua violação.

Isto se afirma porque determinada conduta pode violar certo regulamento desportivo, porém não ser imputável juridicamente ao infrator, por não exceder o nível habitual de prática de determinada modalidade.

Faz-se relevante, portanto, determinar qual o grau de vulneração dessas normas e que tipo de critério poderá ser utilizado para definir o surgimento da obrigação de indenizar, quando danos são causados com infração às regras do jogo, já que “a gradação grave, leve e levíssima da culpa, não tem relevância para a configuração do ato ilícito no sistema pátrio”[29].

Por outro lado, não se pode dispensar por completo o manejo dos princípios e regras que estabelecem os padrões de prudência, diligência e perícia[30], na apuração da responsabilidade civil, seja pela eventual constatação de lacuna nessa regulamentação, seja por incompatibilidade com o Direito estatal, ou ainda pela adequação formal de uma conduta ao regulamento, mas que extravase o risco habitual da modalidade, intensificando de forma anormal os perigos aos quais estão expostos os praticantes.

  4.Conclusâo

Sob qualquer ângulo que se queira enfrentar tais questões, o intérprete não poderá jamais deixar de beber na fonte do instituto da responsabilidade objetiva, em especial na cláusula geral contida no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, que incorporou a denominada “teoria do risco criado”[31].

Relacionando o dispositivo ao tema em apreço, é bem de ver que o espetáculo desportivo traz benefícios para a sociedade, pois se assenta tanto na necessidade de assegurar o espairecimento dos espectadores, que ali buscam salutares momentos de lazer, quanto na manutenção do exercício profissional de várias atividades, que encontram nesses eventos a razão de sua existência.

Entretanto, também é forçoso reconhecer que, por vários fatores, esses mesmos eventos vêm se transformando em atividades que potencializam certos riscos, sejam aos desportistas, espectadores ou ainda a terceiros alheios aos espetáculos.

Neste sentido, parece salutar a utilização da noção do risco para regular o espetáculo desportivo, de molde a permitir a sua realização, ao mesmo tempo em que amplia as possibilidades de ressarcimento do dano, como forma de compensar, assim, o problema da exposição aos perigos a que estão sujeitos todos os cidadãos.

Essa perspectiva se encaixa, portanto, na razão de ser das cláusulas gerais, pois a técnica empregada pelo legislador tem precisamente a finalidade de suprir as deficiências normativas advindas do progresso social e tecnológico constante, ante a impossibilidade de disciplinar casuisticamente todas as esferas de lesões a direitos.

Mas ainda que se admita que o tipo de atividade acobertada pelo dispositivo em apreço esteja restrito àquela de natureza econômica[32], também haveria espaço para sua aplicação à hipótese presente, pois a atividade desportiva de exibição deixou de ser, na grande maioria dos casos, uma mera arte de pura demonstração de cultura física, para se transformar em importante atividade econômica[33].

Essa postura exegética tem por finalidade última atender o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, razão de ser e destino do ordenamento jurídico, que não pode deixar que o brilho de um espetáculo desportivo seja ofuscado pelo desamparo de uma vítima deixada sem reparação.



[1] A contribuir para essa análise particularizada de determinados fenômenos jurídicos, o processo de proliferação dos chamados microssistemas, aliado à necessidade de repensar certos institutos de acordo com os valores expressados na Constituição, pois como avalia Bodin de Moraes, “o Código Civil não mais se encontra no centro das relações de direito privado”. BODIN DE MORAES, Maria Celina. A caminho de um Direito Civil Constitucional. In: Revista de Direito Civil, imobiliário, agrário e empresarial. n.º 65, jul./set. 93, p. 22.

[2] Monge Gil considera que essa deficiência científico-jurídica em relação ao desporto deita raízes na vetusta crença que propugnava pela dicotomia antagonista “cabeça-músculo”, no sentido de que todo intelectual que se preze deve se esquivar das questões que o desviem da mais pura atividade do “homo sapiens”. MONGE GIL, Angel Luis. Aspectos Básicos del Ordenamiento Jurídico Deportivo. Diputación General de Aragon, Zaragoza, 1987, p. 17. Igualmente, Cazorla Prieto, que critica o erro conceitual dos intelectuais de confundirem a prática do desporto com as implicações de toda índole que o tema desportivo propicia. PRIETO, Luis María Cazorla. Derecho Del Deporte. Madrid: Tecnos, 1992, p.29.

[3] O Institucionalismo, corrente que valoriza os grupos sociais formados dentro do Estado prestigiando a sua capacidade de regulação interna, é defendido por Hauriou ao conceber as instituições como autênticas fontes geradoras de Direito. HAURIOU, Maurice Jean Claude Eugene. Precis de Droit Administratif et de Droit Public: a l’usage des etudiants en licence (2 et 3. annes) et en doctorat es-sciences politiques. Paris: Sirey, 1921, p. 83. Romano, por sua vez, identifica no Direito algo muito além de um mero conglomerado de normas, representando, sobretudo, uma organização social. Entende, assim, que existirão tantos ordenamentos jurídicos quantas forem as instituições presentes na sociedade, qualificando as instituições não como fontes de Direito, mas que elas sejam em si mesmas a simbolização do próprio Direito.   ROMANO, Santi. L’Ordinamento Giuridico. Firenze: Sansoni, 1951, p. 27.

[4] O institucionalismo serviu de pano de fundo teórico utilizado por certos doutrinadores para qualificar o movimento desportivo organizado como autêntico ordenamento jurídico apartado da regulamentação estatal, como por ex. Loup, que calcado na doutrina de Hauriou, identificou nas organizações desportivas o poder de produzir um direito espraiado nas três vertentes: disciplinar, costumeira e estatutária. LOUP, Jean. Les Sports et le Droit. Paris: Dalloz, 1930, p. 121. Por seu turno, Gianinni, ancorado na lição de Romano, qualificou o ordenamento desportivo como o único exemplo contemporâneo de genuíno ordenamento colocado à margem dos Estados. GIANNINI, 1949, apud RUOTOLO, Marco. Giustizia sportiva e costituzione. Rivista di Diritto Sportivo, Milano, n.3-4, Lug.-sett./Otto.-Dic., 1998, p. 404. No Brasil, v. por todos, OLIVEIRA VIANA, Francisco José. Instituições Políticas Brasileiras. 3ª ed., Vol. I.. Rio de Janeiro: Record, 1974, p.22.

[5] V. neste sentido a Lei nº. 9.981/00 que alterou o art. 42, § 3ª da Lei nº. 9.615/98 para equiparar o torcedor ao consumidor, estendendo-lhe todos os direitos assegurados pela Lei nº. 8.078/90.

[6] Nesta linha, a Lei nº. 9.615/98, no capítulo que trata dos “Princípios Fundamentais” assevera expressamente que “a exploração e a gestão do desporto profissional constituem exercício de atividade econômica”. (art. 2º, § único).

[7] A mola propulsora para motivar a atenção dos juristas e dos ordenamentos estatais para os danos decorrentes do grande fluxo de espectadores nos espetáculos foi a denominada “Tragédia de Heysel“, ocorrida na Bélgica, em 29 de maio de 1985, por ocasião da final da Copa da U.E.F.A., deixando 39 mortos e 400 feridos.

[8] Tepedino aponta o fenômeno do pluralismo como um dos maiores problemas a ser enfrentados pelo Direito pós-moderno, invocando a lição de Claudia Marques (MARQUES, 1997) que divide essa questão no viés da pluralidade de fontes normativas a regular o mesmo fato, na multiplicidade de agentes a sofrerem a imputação da responsabilidade e na pluralidade dos sujeitos a proteger, que são não raro indeterminados como no caso dos interesses difusos. TEPEDINO, Gustavo. O Código Civil, os chamados microssistemas e a Constituição: premissas para uma reforma legislativa. In: TEPEDINO, Gustavo. (Coord.). Problemas de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 7.

[9] A expressão é de TEPEDINO, Gustavo. “Premissas metodológicas para a Constitucionalização do Direito Civil”. In: Temas de Direito Civil. Tomo I. 3ªed. Rio de Janeiro: Renovar, p. 8.

[10] TEPEDINO, Gustavo. A responsabilidade civil nos contratos de turismo. In: Temas …, op. cit., p.247.

[11] V. neste sentido a lição de Tepedino e Schreiber, ao analisar o princípio da boa-fé objetiva no Código de Defesa do Consumidor “[…] uma nova concepção de boa-fé, que desvinculada das intenções intimas do sujeito, vem exigir comportamentos objetivamente adequados aos parâmetros de lealdade, honestidade e colaboração no alcance dos fins perseguidos em cada relação obrigacional.” (grifos nossos). TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. Os efeitos da Constituição em relação à cláusula da boa-fé no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil. In: Revista da EMERJ, v.6, nº23, 2003, p. 141.

[12] Numa primeira aproximação a esse tema, releva observar o magistério de Aguiar Dias, que, com o peso de sua pena, distingue entre o acesso gratuito que é meramente consentido pelo organizador, daquele que é estimulado por este, para concluir que na primeira hipótese não há sequer responsabilidade contratual. Op. cit., p. 145.

[13] Esta é a opinião de EZABELLA, Felipe Legrazie. Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor. In: Revista Brasileira de Direito Desportivo, vol.nº. 01, jan./jun. 2002, p. 64 e que se afina com o entendimento de Marques, Benjamin e Miragem, quando lecionam que o termo “remuneração” significa um ganho direto ou indireto para o fornecedor, o que não implica necessariamente na obrigação correlata de pagamento por parte do consumidor. MARQUES, C.L.; BENJAMIN, A.H.V.; MIRAGEM, B. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: R.T., 2003, p. 94.

[14] A expressão é de HERRERA, Félix Guillermo. La caracterización de las relaciones jurídicas entre deportistas y la institución. Espectadores. In: GHERSI, Carlos Alberto. (org). Daños en y por espectáculos deportivos. Buenos Aires: Gowa, 1996, p. 28.

[15] V. Importante trecho da ementa de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em ação de reparação de danos proposta por espectador que sofreu lesões corporais por grupos de torcedores no interior do Estádio Mario Filho e que se amolda à hipótese como luva bem ajustada: “[…] em tal hipótese, não há que se falar em excludente de responsabilidade, pois alguns acontecimentos que, em princípio seriam extraordinários, por mostrarem-se previsíveis, ante a sua repetição e evidência, transformam-se em fatos inerentes ao risco do negócio, permitindo a visão do nexo de causalidade […]”. RIO DE JANEIRO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, in: Revista dos Tribunais, São Paulo, nº. 777, julho/2000, p. 380.

[16] V. a propósito o ensinamento de Celso Bastos, que tipifica o interesse da sociedade em torno das competições desportivas como autêntico interesse difuso, por considerar que as atividades ali desenvolvidas interessam a uma gama indeterminada de pessoas. BASTOS Celso. Justiça desportiva e defesa da ordem jurídica. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, vol. 6, nº 25, out./dez. 1998, p. 269.

[17]V. art. 2º da Lei in verbis: “Torcedor é toda pessoa que aprecie, apóie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva”.

[18]SAVATIER, Rene. Traite de la reponsabilite civile en droit francais civil administratif, professionnel, proccedural. 2.ed., Vol.2 Paris : Libr. Generale de Droit et de Jurisprudence, 1951,p.490.(tradução nossa).

[19] BONDALLAZ, Jacques. La responsabilité pour les préjudices causés dans les stades lors de compétitions sportives. Berne: Editions Staempfli, 1996, p.17.

[20] A Lei nº. 10.671/03 segue a dicotomia conceitual apresentada em relação ao organizador, atribuindo ao organizador direto e indireto a responsabilidade solidária por prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança ou da inobservância do disposto no capítulo IV da lei, que cuida das medidas de segurança a serem adotadas em relação ao torcedor partícipe do evento desportivo, além de equipará-los aos fornecedores, estabelecendo uma solidariedade na cadeia de provedores desses serviços nos termos regidos pela na Lei nº. 8.078/90. (arts.19 e 3º respectivamente).

 [21] A referida fórmula tripartite é apresentada por Frédéric Buy em decorrência das três etapas que ordinariamente hão de ser superadas pelo organizador na realização de eventos desportivos: preparação, desenvolvimento e exploração do espetáculo. BUY, Frédéric. L’Organisation Contractuelle du Spectacle Sportif. Marseille: Press Universitaires D’Aix-Marseille, 2002, p. 36.

[22] Nesta linha de raciocínio, Giampero ao asseverar que “provado que um determinado fato seja atribuível ao serviço de colaboração da força de ordem, o organizador não responderá pelo ilícito”. CONRADO, Giampero. Ordinamento Giuridico Sportivo e Responsabilità dell’Organizzaore di uma Manifestazione Sportiva. In: Rivista Di Diritto Sportivo, Milano, vol. 43, n. 1-2, gen./giug., 1991, p. 13. (tradução nossa).

[23] Esta é a opinião de Jacques Bondallaz, que não vê diferença entre o espectador pagante e o desportista que é obrigado a pagar uma taxa de inscrição para participar do espetáculo.  BONDALLAZ, op. cit. p. 118.

[24] É de se sublinhar que Serrano Neves elenca nada menos do que quinze teorias que buscam enquadrar juridicamente o fenômeno das lesões no desporto, do ponto de vista de sua responsabilização. NEVES, Serrano. “Doping”, Homicídio e Lesões no Desporto. Rio de Janeiro: Alba, 1967 p.70 e segs.

[25] Sobre o tema, Bosso observa que a autorização outorgada pelo Estado a determinado esporte converte a sua prática em atividade lícita, o que permite admitir a derrogação das regras comuns sobre a apreciação da culpa, por danos causados em decorrência ordinária e natural do seu exercício. BOSSO, Carlos Mário. La responsabilidad Civil en el deporte y en el espectáculo deportivo. Buenos Aires: Nemesis, 1984, p. 60.

[26] Valendo-se uma vez mais da visão institucionalista do movimento desportivo organizado, já mencionada neste projeto (v. supra notas nº3 e 4) e tomando por empréstimo a classificação proposta por BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996, p. 169, sobre as diferentes posturas que o Estado pode adotar diante dos ordenamentos: indiferença, recusa ou absorção, cabe afirmar, em virtude do disposto no art. 1, §º 1 da Lei nº. 9.615/98, que o Brasil optou pelo regime da absorção dos regulamentos desportivos, através do mecanismo do reenvio, ao reconhecer a validade das normas editadas pelas federações nacionais e internacionais, reforçando a tese da possibilidade da utilização desses preceitos pelo operador do Direito para auxiliar na resolução de problemas de ordem jurídica, como no caso em apreço.

[27] Bobbio define essa situação como ‘pressuposto’, em que o ordenamento externo “é utilizado para determinar as características de um certo fato específico, ao qual o ordenamento interno atribui certas conseqüências que não são necessariamente atribuídas pelo ordenamento externo”. BOBBIO, op. cit., p. 183.

[28] No mesmo sentido, a lição de Constantino Fernandes, para quem o “cumprimento das regras dos jogos e dos regulamentos das competições, é o sinal de prudência razoável que impede, geralmente, o nascimento da obrigação de indenizar”. FERNANDES, Constantino. O Direito e os Desportos: breve estudo do Direito Desportivo. Lisboa: Procural, 1946, p. 126. Aguiar Dias vai além, para sentenciar que “não pode dar lugar a ação de reparação o dano experimentado pelos participantes como mera conseqüência da aplicação das regras esportivas”. Op. cit., p. 345.

[29] TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; BODIN de MORAES, Maria Celina. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República – vol. I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 334. V., a propósito, Spiegelberg, que entende que nos desportos competitivos, de enfrentamento e naqueles em que há um risco bilateral de lesão, há um estreitamento da culpa, que fica circunscrita à culpa grave ou às situações dolosas suscetíveis de enquadramento na esfera penal. SPIEGELBERG, José Luiz Seoane. Responsabilidad Civil en el Deporte In: SÁNCHEZ, José Ignácio Alvarez. (org). Responsabilidad Civil Professional. Madrid: Consejo General del Poder Judicial. Cuadernos de Derecho Judicial. T. VII, 2003, p. 509.

[30] V. Giuseppe de Marzo, que considera não ser correto estabelecer-se um conceito autônomo de responsabilidade desportiva, já que não se aplicam in casu, normas e princípios diversos daqueles codificados e consolidados pela tradição.  DE MARZO, Giuseppe. Accettazione del rischio e Responsabilità Sportiva. In: Rivista di Diritto Sportivo, Milano, v. 44 nº 1, 1992, p. 26.

[31]  Neste sentido, dentre outros, a lição de Venosa, ao observar que o risco criado “deve ser o denominador para o juiz definir a atividade de risco no caso concreto segundo o art. 927, parágrafo único, qual seja, a criação de um perigo para terceiros em geral”. VENOSA, Silvio Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 3ª ed, São Paulo, p. 17. Igualmente, Maria Helena Diniz, que ao comentar o preceito anota que “esta responsabilidade tem como fundamento a atividade exercida pelo agente, pelo perigo que pode causar dano à vida, à saúde ou a outros bens, criando risco de danos para terceiros”. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 56.

[32] Esta é a opinião de Sérgio Cavalieri Filho, que entende que a expressão legal “atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano” deve ser interpretada como “conduta reiterada, habitualmente exercida, organizada de forma profissional ou empresarial para realizar fins econômicos”. FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 182.

[33] Savatier parece pender pela aplicação da doutrina do “risco proveito” para responsabilizar os organizadores, ao considerar que deve ser apreciada mais severamente a responsabilidade daqueles que fazem do espetáculo desportivo uma fonte de lucro. Op. cit., p. 491. Por sua vez, Maria Helena Diniz parece insinuar-se pela aplicação da corrente do “risco criado”, ao atrelar a responsabilidade de indenização pelos danos decorrentes do exercício dos esportes, pelo fato de “pressupor certos perigos”. DINIZ, op. cit., p. 426. Por seu turno, Díaz Palácio, vincula a responsabilidade objetiva do organizador aos dois subsistemas teóricos da teoria do risco, ao asseverar que a “responsabilidade do organizador é objetiva, em primeiro lugar, porque dado que é ele quem obtém as vantagens econômicas, devendo também suportar as perdas e em segundo lugar, porque muitos dos espetáculos públicos que se organizam, sobretudo os desportivos, aumentam a possibilidade de que se produzam danos, os quais deverá ele suportar.” PALACIO, Eugenia Díaz. Daños causados en espectáculos deportivos. Régimen de responsabilidades. In: GHERSI, op. cit., p. 71. (tradução nossa).

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A exclusão do condômino antissocial

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Artigo originalmente publicado na Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ, nº 49, jan/mar. 2010

“O Direito não socorre aos que dormem, mas socorre aqueles que querem dormir em paz”.

SUMÁRIO 1. Introdução e formulação do problema; 2. A inserção do condomínio no contexto juridico atual; 3. A visão holística do ordenamento e as regras do Código Civil que regulam a situação do condômino antissocial; 4. Argumentos eventualmente oponíveis à tese da exclusão; 5. A aplicação do Direito Civil-Constitucional in concreto e a permissibilidade de exclusão do condômino antissocial.

  1. INTRODUÇÃO e FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

O regime gradual de despatrimonialização do Direito Civil pode ser considerado como um processo legislativo, doutrinário e jurisprudencial de adequação do Direito Civil a novos padrões interpretativos.

Não se pretende privar quem quer que seja do uso e gozo dos seus direitos patrimoniais, mas condicionar o exercício dessas prerrogativas ao respeito dos direitos não patrimoniais daqueles que estão ao redor do titular do bem.

Prioriza-se a situação existencial em detrimento da titularidade material sobre a coisa. Em primeiro lugar está o indivíduo na sua essência psicossomática enquanto ser humano e não esse mesmo indivíduo considerado apenas como detentor ou não de um titulo sobre algo cujo valor possa ser aferido economicamente.

E esse processo não deve se prestar apenas para o desenvolvimento de elocubrações acadêmicas abstratas, mas incidir diretamente sobre a realidade dos fatos e extrair da lei a melhor exegese possível para que a personificação e a humanização do Direito Civil tenha efetiva aplicação prática.

Nesse sentido, o condomínio se apresenta como campo propício para o desenvolvimento dessa nova forma de pensar o Direito Civil, pois se trata de instituto que prima pela coexistência da regulação de situações patrimoniais com situações não patrimoniais.

E dentro do condomínio sobreleva a figura do condômino antissocial, como exemplo paradigmático desse choque de visões patrimonialistas e personalistas dentro do Direito Civil, sendo que, a partir dessa visão humanista das relações jurídicas, franqueia-se a possibilidade de exclusão do convívio condominial daquele condômino que reiterada e abusivamente tornou insuportável a vida dos demais moradores.

E chega-se a tal conclusão através de três caminhos aparentemente distintos e que confluem para o mesmo entendimento: pela via da análise geral do nosso ordenamento jurídico, por uma detida observação do próprio conteúdo das normas que regulam o condomínio edilício e pela senda hermenêutica do Direito Civil-Constitucional, senha fundamental para o regime de despatrimonialização do direito privado.

A discussão a respeito da possibilidade da exclusão do condômino antissocial veio à tona por ocasião do Código Civil de 2002, mais precisamente através do parágrafo único do art. 1337, cuja redação é a seguinte:

 O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia.

 O enigma a ser decifrado versa sobre o limite deliberativo dessa eventual nova assembléia, convocável após aplicada a multa descrita pelo dispositivo, isto é, se essa “ulterior deliberação da assembléia” poderá decidir pela exclusão do condômino antissocial, já que o legislador não balizou expressamente o seu conteúdo.

2. A INSERÇÃO DO CONDOMÍNIO NO CONTEXTO JURIDICO ATUAL

De início, interessa diferenciar a situação jurídica da habitação em condomínio edilício, da moradia que não se dá em unidades condominiais.

Os denominados materialistas, ou realistas, diriam que a diferença está no fato de que no condomínio edilício temos partes que são de propriedade exclusiva, que seriam as unidades residenciais e partes que são de propriedade comum dos condôminos (sendo essa, inclusive a distinção feita pelo art. 1331 do Código Civil),o que não ocorre para aqueles que não moram em condomínio, já que a moradia, em sua totalidade, é de propriedade do dono do imóvel.

Além dessa distinção de caráter materialista, apresenta-se uma diferença de matiz humanista ou personalista, que adiciona um dever peculiar inerente ao condomínio edilício, que vem a ser o dever do condômino de se submeter a um padrão de convivência harmoniosa com os demais.

Portanto, ao decidir habitar em condomínio edilício, o interessado deve saber, de antemão, que terá deveres não apenas patrimoniais, ou seja, inerentes à manutenção e conservação do bem imóvel, as denominadas obrigações protper rem, mas também deveres extra-patrimoniais, materializados na adoção de atitudes socialmente compatíveis com a convivência em comum.

Tanto isso é verdade, que no inciso IV do Art. 1336 do Código Civil, o legislador estabelece expressamente como um dos deveres dos condôminos o dever de não utilizar sua propriedade de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos demais.

Por isso que o capítulo do Código Civil que regula esse instituto não deveria se chamar simplesmente “Do condomínio edilício”. Melhor seria que fosse intitulado “Do condomínio e da convivência edilícia”, já que não regula apenas e tão somente o exercício comum do direito de propriedade, mas, também e principalmente a forma de convivência entre os condôminos.

Então, na medida em que se destaca esse dever de convivência, constata-se que o condomínio acaba sendo uma pequena amostra da vida em sociedade, possuindo, inclusive, uma complexa estrutura que o torna quase numa reprodução de uma pequena cidade.

Com efeito, o condomínio possui a sua “Lei orgânica”, que vem a ser a convenção, detém um “prefeito” personificado na figura do síndico, possui um “Tribunal de Contas”, traduzido no conselho fiscal e tem até “território”, que vem a ser os limites espaciais em que se expande o condomínio.

E precisamente por ser uma célula da vida em sociedade, um verdadeiro microcosmo jurídico, o condomínio não pode se colocar nem à margem dessa mesma sociedade, nem como uma ilha dentro do próprio ordenamento jurídico.

E isso nos leva naturalmente a dizer, que a interpretação das regras que regulam o condomínio há de ser feita levando-se em consideração o todo, ou seja, todo o arcabouço jurídico do Estado, por amor à unidade do sistema.

E se a regulamentação existente para o condomínio não se apresenta tão clara sobre a possibilidade de exclusão do condômino antissocial, há que se sair do particular e ir para o geral, analisando-se o ordenamento jurídico e suas peculiares características, para que, a partir desse levantamento, se possam extrair importantes efeitos em relação ao tema em apreço.

3. A VISÃO HOLÍSTICA DO ORDENAMENTO E AS REGRAS DO CÓDIGO CIVIL QUE REGULAM A SITUAÇÃO DO CONDÔMINO ANTISSOCIAL

Uma visão geral do nosso ordenamento jurídico permite ao intérprete extrair três características que nos ajudarão a resolver o problema da possibilidade ou não de excluir-se o condômino antissocial da convivência condominial.

A primeira característica relacionada ao tema, emana da forma como se comporta o nosso ordenamento quando está diante de alguém que não exerce adequadamente um direito do qual é portador.

E o ordenamento jurídico responde da seguinte forma: aquele que não exerce adequadamente um direito, tem como conseqüência, direta, simples e natural a perda desse mesmo direito.

Entretanto, essa pena capital de perda do direito só é decretada quando o mesmo é exercido de maneira extremamente abusiva e grave, havendo sempre antes uma escala progressiva de sanções para quem exerce irregularmente o seu direito, aplicáveis de acordo com a gravidade do ato ilícito.

E esta assertiva pode ser comprovada com a vinda de quatro exemplos extraídos de áreas absolutamente distintas do nosso Direito.

Começando pelo Direito Penal, observa-se que este ramo do Direito atua sobre aquele que exerce irregularmente o seu direito de liberdade, penalizando-o com a própria perda desse mesmo direito de liberdade.

Entretanto, a perda do direito de liberdade só ocorre quando dele se utiliza para o cometimento de infrações graves, como na prática de um homicídio, por exemplo.

Para outros crimes de menor potencial ofensivo, são previstas penas menores, como multas ou penas restritivas de direitos.

A lógica punitiva do Direito Penal funciona, portanto, desta maneira: o vigor da pena progride à medida da gravidade da infração penal cometida.

Esta lógica não guarda diferença com a regulação punitiva adotada para um instituto completamente distinto e sediado no Direito Civil, mais propriamente no Direito de Família, que vem a ser o pátrio poder.

De fato, o Estatuto da criança e do adolescente prevê que quem exerce irregularmente o pátrio poder tem, como conseqüência, a perda do próprio pátrio poder.

Porém, o referido Diploma, à luz do seu art. 129, estabelece uma escala progressiva de medidas aplicáveis aos pais ou responsáveis, quando exercem irregularmente o seu direito, que também vão desde a inclusão em programas oficiais de atendimento à família, passando pela obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado, atingindo as penas de advertência, culminando com a suspensão e a própria destituição do pátrio poder.

Também no exercício do direito de propriedade, que muito diz respeito ao tema da exclusão do condômino antissocial, tem-se na Constituição a decretação da perda da propriedade para o titular que não promove o seu adequado aproveitamento, de acordo com o art. 182, § 4º.

Entretanto, a Lei Maior também fixa uma escala progressiva de sanções até chegar à perda do direito de propriedade, começando com o parcelamento ou edificação compulsória, passando pela fixação de IPTU progressivo no tempo, concluindo com a desapropriação mediante pagamento com títulos da divida pública.

Por último, traz-se à colação outro importante exemplo que lida com o tão fundamental direito de exercício da profissão. E a sistemática não foge à regra aqui alardeada, já que as normas que regulam os mais variados ramos de atuação contemplam a possibilidade dos profissionais perderem o direito de exercerem sua função se o fizerem irregularmente.

Entretanto, de igual modo, o regime sancionatório aplicável àqueles que exercem irregularmente sua profissão é escalonado de acordo com a gravidade da falta cometida.

Os advogados, por exemplo, podem ser excluídos do quadro, conforme preceitua o Estatuto da Advocacia, havendo antes a possibilidade da aplicação de penas menores, como de suspensão, exclusão e multa, sendo que a mesma sistemática é adotada em outros regimes profissionais, como medicina, esportes, etc.

Então, passando em revista essa pequena amostragem, pôde-se  constatar como lida o ordenamento jurídico em relação a quem não exerce adequadamente o seu direito: estabelece uma escala progressiva de sanções para o infrator à medida em que seus atos vão se tornando mais graves, culminando com a decretação de perda do próprio direito erroneamente exercido.

Uma vez comprovada essa assertiva, é hora de retornar do geral e voltar para o particular, sendo que o Código Civil segue exatamente a mesma sistemática de escala progressiva de sanções ao condômino faltoso, à medida em que se tornem mais graves os seus atos.

Inicia-se no parágrafo segundo do art. 1336, em que se sujeita o condômino a pagar o valor previsto na convenção, se não cumprir suas obrigações condominiais.

Ato contínuo, o caput do art. 1337 eleva o valor da multa a cinco vezes o valor do condomínio na hipótese de recalcitrância. E o parágrafo único aumenta ainda mais o valor a até dez vezes em caso de reiteração de comportamento antissocial, que gere incompatibilidade de convivência com os demais, deferindo à ulterior deliberação da assembléia decidir que atitude tomar, por certo em caso de resultar ineficaz essa última penalidade.

Caso se considere que o limite deliberativo dessa nova assembléia é meramente de fixar nova multa, estar-se-á contrariando a lógica da escala progressiva fixada não apenas pelo Código para punir o condômino, mas a lógica do próprio ordenamento em lidar com situações como essas.

Além disso, se se entender que basta pagar multas para que se libere o condômino antissocial, estar-se-á dando a esse instituto conotação satisfativa, indenizatória, fazendo gerar no espírito do hermeneuta mais atento um estado de perplexidade que o levará minimamente a perguntar-se:

O pagamento da multa tornaria suportável o que era insuportável antes da sua fixação?

ou

 A incompatibilidade de convivência seria, assim, uma mera questão de preço?

 E a resposta, obviamente é não. É não, porque a natureza jurídica da multa condominial tem caráter de penalização, sanção mas sobretudo de coerção,  já que objetiva forçar o condômino antissocial a adotar uma atitude consentânea com o que se exige para uma convivência em comum.

E se as penalizações pecuniárias não produzirem o efeito desejado, hão de ser adotadas providencias mais graves a fim de que o objetivo da coerção, que é o de devolver a paz ao condomínio, seja alcançado.

E é exatamente esse caráter finalista da norma, que proíbe o exegeta de fazer uma interpretação que impeça o condomínio de ser dotado de todos os instrumentos de sanção eficazes para valer o seu direito, o que não seria admissível dentro da boa hermenêutica.

E essa perspectiva se coaduna com a própria forma pela qual o legislador qualifica o condômino antissocial, já que o conceitua como aquele cujo comportamento gere incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores.

Diante desse estado de coisas o interprete será levado a fazer uma nova pergunta:

Se o próprio legislador diz que é incompatível, impossível conviver com o sujeito, como poderia o mesmo legislador consentir que ele coabite com os demais, caso continue ainda a manter o seu comportamento abusivo após receber todas as multas coercitivas que lhe forem impostas?

 E para se responder a essa pergunta basta recordar-se ser de sabença trivial que a interpretação deve levar a soluções lógicas, que não conduzam a disparates, nem levem a antinomias dentro do próprio ordenamento, o que não se coaduna em permitir-se a manutenção de alguém dentro do condomínio nessas condições, quando o próprio legislador considerou ser impossível a convivência com ele.

Portanto, não apenas à luz do ordenamento como um todo, mas pela própria sistemática punitiva construída pelo Código Civil para sancionar o condômino faltoso, é possível concluir-se que o exercício irregular do direito ao uso da unidade condominial pode acarretar, como pena máxima, no impedimento de utilização da referida unidade pelo seu infrator.

Uma segunda característica do nosso ordenamento jurídico, que reforça a tese acima proposta, consiste no fato de ser também da essência do nosso Direito permitir que as pessoas dissolvam relações jurídicas que importem em coligações de relativa estabilidade, permanência e proximidade com os demais.

Assim ocorre, por exemplo, no direito de associação, em que se permite ao associado romper o vínculo com a entidade, ou no mandato, em que se garante às partes a dissolução do vínculo que os une. Ou também no casamento, em que se concede aos consortes desatarem o laço matrimonial que os vincula, ou ainda no condomínio em geral, em que se garante ao condômino exigir a divisão da coisa em comum.

Note-se que essa prerrogativa é dada independentemente da existência de culpa da outra parte, já que tem raiz constitucional, sediada precisamente no direito de liberdade.

Então, se para todos esses casos é deferida essa faculdade de resolução de vínculo, sem se cogitar sobre a existencia do elemento subjetivo da culpa, com muito maior razão há que se conceder essa prerrogativa aos condôminos para que possam romper o vinculo com o condômino antissocial, já que este age manifestamente com culpa grave.

Aliás, ser compelido a guardar liame jurídico com a outra parte que age culposamente no trato de uma relação também foge à lógica do sistema.

Basta atentar-se para alguns exemplos, como a viabilidade de excluir-se o associado por justa causa, à luz da previsão contida no art. 57 do Código Civil, sendo justa causa também o elemento legitimador da resolução do vínculo trabalhista que une empregador e empregado.

Tem-se, portanto, que a qualificação dada pelo legislador para atribuir ao condômino a alcunha de antissocial, leva a concluir que se está diante de alguém que comete, à luz do art. 187 do Código Civil, ato ilícito por abuso de direito, uma vez que, no exercicio do direito de propriedade, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim social.

Estando, portanto, os atos praticados pelo condômino antissocial na categoria dos atos ilícitos, importa destacar uma terceira característica do sistema normativo, mais específicamente em relação ao ato ilícito, para se concluir que a exclusão do condômino antissocial é não apenas possível, como também atende a um dos anseios do ordenamento jurídico.

Tal se afirma, porque faz igualmente parte do DNA do Direito, o objetivo ou quase a miríade de fazer ou de tentar fazer retornar as coisas ao estado anterior em que se deu o ato ilícito, recompondo, na medida do possível, as partes ao estágio em que se encontravam antes da sua ocorrência.

Neste sentido, releva sublinhar que em todas oportunidades em que se revela possível retroagir para que a situação jurídica precisamente anterior emerja, o legislador assim o faz, adotando essa postura como resposta ideal do ordenamento na recomposição do dano, deixando a indenização como um “plano B”, para reparação do fato lesivo, em caso de ser impossível o manejo da primeira alternativa.

Assim ocorre, por exemplo, no art. 182 do Código Civil que dá preferência para que as partes sejam restituídas ao estado em que se achavam antes da anulação do negocio jurídico, deixando a hipótese de indenização pelo equivalente, apenas se vier a ser verificada a impossibilidade de restituí-las à situação pretérita.

Da mesma forma o art. 884, parágrafo único do referido Código, o qual, ao tratar do enriquecimento sem causa, preceitua que se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la e, apenas se a coisa não mais subsistir, é que a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

Por fim, tem-se a mesma postura no próprio regime de indenização da responsabilidade civil, em que o art. 947 do Código prevê que, unicamente se o devedor não puder cumprir a prestação na espécie ajustada, é que se irá susbtituí-la pelo seu valor, em moeda corrente.

E é precisamente essa perspectiva tão difícil de retorno ao status quo ante perseguida pelo ordenamento jurídico que se mostra presente na exclusão do condômino antissocial, quando se coloca na mão do aplicador da lei a possibilidade de restituir ao condôminio a paz e o sossego que outrora detinha, aliviando-o da companhia com o comunheiro contrário à boa convivência condominial.

Acrescente-se que essa postura exegética encontra-se em simetria com o afim art. 1.277, do C.C. que trata do uso anormal da propriedade, e que defere ao proprietário ou o possuidor de um prédio, o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais provocadas pela utilização de propriedade vizinha.

Nesse passo, é interessante relembrar que o juiz é dotado de poderes específicos pelo Código de Processo Civil para fazer com que tal providencia seja alcançada.

Com efeito, o art. 461, parágrafo quinto, do CPC, prevê expressamente que, na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, poderá o magistrado, visando a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, determinar todas as medidas que entenda necessárias, inclusive a remoção de pessoas, o que ratifica a viabilidade de remoção do condômino antissocial, com o objetivo de devolver-se ao condomínio a tranqüilidade que se buscou ter de volta com o ajuizamento da demanda.

Assim, diante dessa visão holística do ordenamento brasileiro, conjugada com a mecânica punitiva estabelecida pelo Código Civil para apenar os condôminos faltosos, conclui-se ser juridicamente possível a exclusão do condômino antissocial.

 4. ARGUMENTOS EVENTUALMENTE OPONÍVEIS À TESE DA EXCLUSÃO

Talvez uma boa forma de se constatar o acerto ou não da tese exposta será fazendo-se um exercício prévio de resposta aos argumentos que deverão ser normalmente oferecidos contra essa fundamentação holística.

Nesse processo de identificação de eventuais vozes refratárias, vislumbra-se no horizonte basicamente a apresentação de três linhas de argumentos contrários à exclusão do condômino antissocial.

O primeiro argumento potencialmente contrário talvez irá dizer que a exclusão do condômino antissocial não poderá se dar, já que vigoraria a regra da especialidade, conhecida pela assertiva de que a regra especial derroga a regra geral e, por esse motivo, não se poderia aplicar o entendimento aqui defendido, já que haveria norma específica para regular o tema, no caso o conhecido parágrafo único do art. 1.377 do CC.

Entretanto, quer parecer que desse veneno seja possível extrair o seu próprio antídoto, já que a suposta regra especial, que fora editada para dispor sobre esse tema, não dispôs de maneira específica sobre o limite deliberativo dessa “ulterior decisão assemblear”.

Por isso, precisamente por não haver previsão específica, há que se aplicar o modelo geral concebido pelo ordenamento jurídico, para dar a melhor interpretação adequada, a fim de fornecer o mais exato e fidedigno conteúdo da norma.

O segundo argumento contrário talvez irá objetar que a regra sob comento consubstancia uma norma restritiva de direitos, já que limita o exercício do direito de propriedade do condômino, merecendo, portanto, interpretação estrita, o que impediria a exclusão ora proposta para o sujeito antissocial.

Ocorre que a genuína interpretação restritiva a ser aplicada é a aquela que impede a restrição do direito de propriedade da maioria dos condôminos e não aquela que privilegia o condômino antissocial que age manifestamente com culpa grave.

E assim deve ocorrer, pois nos encontramos num Estado Democrático de Direito, em que o Direito só ganha legitimidade se for interpretado e aplicado de forma democrática, ou seja, sob o prisma lógico e natural da maioria, ainda mais quando se encontra legitimada pelo fato de se encontrar de boa-fé e injustamente privada de viver tranquilamente na sua habitação[1].

E uma exegese que restrinja ainda mais o direito dessa maioria de fazer valer o seu direito de morar em sossego, em detrimento de alguém que utiliza a sua unidade de maneira anti-jurídica, reduzirá sobremaneira o âmbito do seu direito de uso da propriedade.

Não se deve esquecer, que se está diante da figura jurídica de um condomínio, em que os direitos de uso já são limitados por natureza para que se possa permitir a coabitação dos demais, não podendo a mão do operador do direito sufocar ainda mais o direito de propriedade daqueles que só querem viver em paz.

O terceiro e último argumento contrário, que talvez seja o mais robusto a ser transposto, pugna pela aplicação do princípio da legalidade, sedimentado no dogma de que, ante a ausência de regra expressa, prevendo claramente a exclusão do condômino antissocial, não poderia o Judiciário fazê-lo.

Este foi, inclusive o argumento invocado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no julgamento da Apelação cível nº 2008.001.11091, pela 17ª Câmara Cível, Rel. Des. Edson Vasconcelos. Da ementa do v. acórdão em apreço, colhe-se a sintese da linha argumentativa de tal corrente.

 CONDÔMINO COM COMPORTAMENTO CONSIDERADO ANTI-SOCIAL

– PRETENSÃO DE SUA EXCLUSÃO DA COMUNIDADE CONDOMINIAL – SANÇÃO NÃO PREVISTA EM LEI – APLICAÇÃO DE MULTA PELO PRÓPRIO CONDOMÍNIO – FALTA DE NECESSIDADE DE SUPLÊNCIA JUDICIAL.

 O ordenamento jurídico pátrio não prevê a sanção de exclusão do condômino de sua unidade residencial, ainda que pratique, reiteradamente, atos denominados pela lei como anti-sociais. Inexistência de lacuna legislativa na hipótese, eis que o Código Civil prevê sanção de multa para o condômino que apresente incompatibilidade de convivência com os demais moradores.

 Impossibilidade de exclusão do condômino pela via judicial. Afasta-se qualquer argumentação no sentido de que o magistrado, à luz do princípio da função social, por si só, tenha o poder de mitigar o direito fundamental à moradia resguardado na Constituição Federal e criar sanção diversa da eleita como a ideal pelos “representantes do povo”, transmudando nosso “Estado Constitucional de Direito” em um “Estado Judicial de Direito”. A multa pode ser aplicada pela Assembléia Condominial sem a necessidade de tutela jurisdicional, não sendo demonstrado no processo qualquer fato que impeça a deliberação pelo referido órgão em tal sentido. Improvimento do recurso. [2]

 Para que se possa rebater esse importante argumento, há que se valer da perspectiva civil-constitucional de interpretação do Direito Privado, que merece titulo especifico para análise.

5. A APLICAÇÃO DO DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL IN CONCRETO E A PERMISSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DO CONDÔMINO ANTI-SOCIAL.

O caminho do Direito Civil-Constitucional aponta para a superação da dicotomia do Direito público e privado, com a conseqüente perda de centralidade do Código Civil e a retirada do seu crachá de “Constituição” do Direito Privado[3] e o mais importante, pôe fim ao rígido dogma positivista da subsunção estrita, com a criação das denominadas cláusulas gerais.

Estando, portanto, sob essa perspectiva, o epicentro do nosso ordenamento jurídico sediado no plano constitucional, todas as normas do imponente código hão de ser interpretadas sob o manto dos valores constitucionais, já que, como leciona Perlingieri, “a norma não assume significado em si mesma ou no Código em que se insere, mas ao sistema a que pertence”[4].

E o sistema constitucional, a que pertence a norma do Código Civil em debate, parece que se alinha com a possibilidade de exclusão do condômino antissocial, conforme se pode constatar por vários ângulos.

A uma, pelo próprio núcleo fundamental do direito de propriedade, moldurado que está como uma moeda de duas faces, em que o direito privado de propriedade só é atribuído ao titular se, na sua utilização, cumprir sua função social.

E não se esqueça de que se está diante de um condômino antissocial, ou seja, diante de alguém que não está cumprindo a função social no exercício do direito de propriedade, o que legitimaria a perda do seu direito.

Entretanto, em atenção ao princípio da razoabilidade, através do sub-princípio da necessidade, sequer se fará necessária a retirada do direito de propriedade do condômino antissocial, mas apenas um de seus atributos, que vem a ser o direito de uso, mantendo-se lhe intactos os demais, pois esta restrição será o suficiente para atender ao objetivo final da norma[5].

A duas, pelo próprio princípio da dignidade da pessoa humana, destino e razão de ser do nosso ordenamento constitucional, cânone fluido e abstrato, mas que ganha concretude na hipótese presente, com a valorosa contribuição de Junqueira de Azevedo, o qual, em precioso trabalho[6], adverte que uma das manifestações desse cânone se dá “pelo respeito às condições mínimas de liberdade e convivência social igualitária”.

Ora, uma das formas lógicas e naturais de preservação da “convivência social igualitária” se dá precisamente fazendo-se com que nenhum condômino utilize abusivamente a sua propriedade em detrimento dos demais, de maneira a gerar uma indigna relação de desigualdade no uso da habitação dentro da comunidade condominial.

E a três pelo princípio da solidariedade social, que nos mostra que os direitos hão de ser exercidos em contextos sociais, sendo que, como já se fez ouvir por voz abalizada,[7] qualquer situação subjetiva só merece tutela do ordenamento enquanto estiver em sintonia com o interesse social, o que é a tendência, inclusive, da legislação codificada, que condiciona, em inúmeras oportunidades, a proteção das situações patrimoniais ao cumprimento de deveres não patrimoniais.

E este princípio da solidariedade social talvez seja a maior contribuição que o Direito civil-constitucional poderá dar na interpretação do Direito Privado, vislumbrando-se no horizonte que ele poderá ser manejado como um autêntico gravame constitucional a incidir sobre todos os direitos civis, à exceção dos direitos da personalidade.

Ou a dizer-se o mesmo numa outra expressão civilista, esse princípio merece ser cultuado de forma a que todos os direitos passem a estar sujeitos a uma genuína condição resolutiva constitucional, perdurando enquanto considerem a existência, as prerrogativas e as legítimas  expectativas do próximo.

Utiliza-se assim, da mesma forma hermenêutica utilizada para interpretar-se o princípio constitucional da função social da propriedade, a qual como sabemos, integra a estrutura e atua como elemento formador do núcleo caracterizador do domínio, tendo-se que a propriedade que não se conforma, portanto, aos interesses sociais relevantes, não é digna de tutela como tal[8].

A mesma exegese acima perfilhada há de se fazer sentir em relação aos demais direitos. Aliás, não faria sentido entender-se que apenas um único direito fosse marcado pelo ordenamento para perdurar enquanto venha a cumprir sua função social e que esse mesmo ordenamento tenha permitido que todos os demais direitos pudessem existir e serem exercidos sem a observância desse requisito.

Dessa forma e a ser interpretado na forma aqui proposta, o princípio da solidariedade social passa a ter uma dimensão muito maior do que o privatístico instituto do abuso de direito.

Tal se afirma, uma vez que o instituto do abuso do direito é de natureza civilista, ligado à responsabilidade civil, tendo por finalidade ultima viabilizar a reparação do ato ilícito praticado, mas não faz, em regra, com que o titular sofra a perda do direito. Tem, portanto, uma aplicação externa, que incide sobre as conseqüências do direito erroneamente  exercido.

Por outro lado, o princípio da solidariedade social é instituto de direito constitucional, local onde se legitimam e se delimitam os direitos subjetivos e a ser interpretado na forma aqui proposta, deve incidir internamente no próprio direito, fazendo-o perecer se exercido contra o legítimo interesse do próximo.

O princípio da solidariedade social surge, portanto, como ferramenta a ser utilizada para impedir que se perpetre essa incômoda antinomia, atuando como facilitador para que se tenha uma coexistência pacífica entre os direitos presentes em sociedade.

Referido princípio cai, dessa forma, como luva bem ajustada para solucionar o problema proposto, pois obviamente tem-se que o direito de propriedade e o direito de moradia não foram conferidos para proteger o comportamento antissocial e insuportável de seus detentores, que não deverão perdurar quando se atritarem com o legitimo interesse dos condôminos privados da tranqüilidade do lar.

Não pode, portanto, o Direito privar os detentores de boa-fé de todos os instrumentos necessários para preservarem o sossego, salubridade e segurança que lhe são conferidos para o justo gozo da propriedade, já que “se o Direito não socorre a quem dorme, deverá socorrer aqueles que querem dormir em paz”.

 


[1] Vide a esse propósito, o magistério de José Afonso da Silva, o qual, ao falar sobre a caracterização do Estado Democrático de Direito leciona que o “… ‘Democrático‘, qualifica o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os elementos do Estado e pois, também sobre a ordem jurídica. O Direito, então, imantado por esses valores, se enriquece do sentir popular e terá que ajustar-se ao interesse coletivo.(grifou-se). SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ªedição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 119.

 [2] RIO DE JANEIRO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em:http://srv85.tj.rj.gov.br/ConsultaDocGedWeb/faces/ResourceLoader.jsp?idDocumento=0003F9B57B95A658327CCB9181D8DA7E60AF658FC3601D13

[3] Quanto a esse aspecto importa destacar as preciosas palavras de Maria Celina Bodin de Moraes: “[…] é forçoso reconhecer que o Código Civil não se encontra no centro das relações de direito privado. Tal pólo foi deslocado, a partir da consciência da unidade do sistema e do respeito à hierarquia das fontes normativas, para a Constituição, base única dos princípios fundamentais do ordenamento.” TEPEDINO, Maria Celina B.M. A caminho de um Direito Civil Constitucional.Revista de Direito Civil, imobiliário, agrário e empresarial, nº 65, jul-set 93, p. 24.

[4] PERLINGIERI, Pietro. Normas constitucionais nas relações privadas. Revista da faculdade de direito da UERJ, n. 6 e 7. Rio de Janeiro: UERJ, 1998/1999, p. 66.

[5] Observa Fabio Corrêa Souza de Oliveira que “Quando se preconiza que a medida deve ser necessária o que se quer é uma conduta estatal que não exceda ao imprescindível para a realização do fim jurídico a que se propõe.” E arremata: “ o meio empregado há de ser o mais leve, o menos gravoso para os direitos fundamentais.”(grifou-se).  OLIVEIRA, Fábio Corrêa Souza de. Por uma teoria dos princípios: o princípio constitucional da razoabilidade. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.99.

[6] AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. Revista USP, São Paulo, n.53, março/maio 2002, p.100.

[7] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Introdução ao Direito Civil Constitucional.3ªed.Rio de Janeiro:Renovar,2007,p.121.

[8] Neste mesmo sentido: TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. A garantia da propriedade no direito brasileiro. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Campos dos Goytacazes, RJ, v. 6, n. 6, p. 101-119, jun. 2005.

Referências:

AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. Revista USP, São Paulo, n.53, p. 90-101, março/maio 2002.

OLIVEIRA, Fábio Corrêa Souza de. Por uma teoria dos princípios: o princípio constitucional da razoabilidade. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

PERLINGIERI, Pietro. Normas constitucionais nas relações privadas. Revista da faculdade de direito da UERJ, n. 6 e 7. Rio de Janeiro: UERJ, 1998/1999, p. 63-77.

________________. Perfis do Direito Civil. Introdução ao Direito Civil Constitucional.3ªed.Rio de Janeiro:Renovar, 2007.

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A responsabilidade civil nos espetáculos desportivos

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Artigo originalmente publicado no sitio eletronico da ALADDE -Asociación Latino Americana del Derecho del Deporte em dezembro de 2011,   e na Revista Carioca de Direito Desportivo volume I número I, Jan – jun / 2010 

1. Contextualização; 2. A importância do tema na sociedade contemporânea; 3. O organizador e os demais intervenientes na organização do espetáculo; 4. O contrato de exibição de espetáculo desportivo: os direitos e deveres das partes e os casos de descumprimento; 5. Os danos cometidos pelos desportistas; 6. O regime jurídico aplicável ao organizador na reparação do dano: A responsabilidade objetiva; 7. Bibliografia

 

1.Contextualização

O aparecimento de novas atividades no curso dos anos impõe que a elas se ajustem os princípios fundamentais da responsabilidade civil. Compêndios específicos surgem para particularizar a teoria geral ancorada na máxima “neminem laedere” aos vários fenômenos sociais que trazem a probabilidade do dano, como o trânsito, a medicina, os transportes, as relações de consumo, as criações do espírito, as locações urbanas, dentre outros[1].

O mesmo há de ser feito em relação ao desporto, cuja imagem tradicional de atividade de lazer alterou-se substancialmente a partir do momento em que a competição de alto nível surgiu na sua dimensão comercial e financeira.

E isto se deve ao crescente interesse do todo social pelas competições, fazendo com que elas se transformassem em espetáculos lucrativos, despertando o interesse de patrocinadores, o que deu ao desporto organizado uma conotação de verdadeira indústria de entretenimento.

O espetáculo desportivo torna-se, portanto, um objeto de consumo, como qualquer outro serviço[2], passando a ser visto como mais uma atividade de caráter mercantil.

E a alteração sobre o modo de pensar esse fenômeno coloca no centro da discussão a figura do organizador do espetáculo, que antigamente era visto como mero difusor do desporto e que a nova realidade transformou em autêntico empresário, empreendedor de uma genuína atividade econômica[3].

O fator econômico desembocou naturalmente na especialização e profissionalização dos desportistas, cuja carga de exigência foi também levada a níveis extremos, intensificando os perigos de acidentes advindos do seu exercício.

Por outro lado, o grande crescimento do número de espectadores fez notabilizar o desporto no último século não apenas como atividade de lazer para os aficionados, mas também como elemento portador de riscos, que se multiplicam em escala geométrica precisamente em função desses cenários multitudinários[4].

Assim, na medida em que o desporto organizado alterou a sua forma de atuação, potencializando a presença do dano de várias formas na sociedade, faz-se necessário, por outra parte, um ajustamento do ramo civilista a esses novos padrões de comportamento.

E isto se impõe, pelo fato de se constatar a insuficiência da regulação individualista do direito civil para atender, no campo da reparação pecuniária, o conjunto de homens afetados pelo exercício dessa atividade e colocados em nítida posição de inferioridade perante os seus empreendedores.

Dessa forma, tem-se que a hodierna concepção dos espetáculos desportivos, formada a partir do interesse massivo da população e da profissionalização do desporto, constitui o substrato fático para exigir a dispensa de novo tratamento jurídico, sendo impossível tratar-se desses eventos sem se cogitar da atividade econômica que encerram, dos riscos que potencializam e dos danos que aportam para o contexto social.

2. A importância do tema na sociedade contemporânea

O assunto desperta interesse tanto no plano teórico quanto do ponto de vista prático.

Sob o primeiro prisma, esta é uma boa hipótese de laboratório para debater um dos temas apontados pela doutrina como dos mais importantes a serem enfrentados pela ciência jurídica da pós-modernidade, que vem a ser o problema do pluralismo, que se manifesta no contexto social de várias formas[5].

A começar pela questão relacionada ao pluralismo dos agentes a sofrerem a imputação do dever de reparar, pois a tarefa de caracterização dos responsáveis pelos danos resultantes dos espetáculos desportivos constitui um exercício que guarda boa dose de complexidade.

Tal se afirma, porque a multiplicidade de pessoas que de alguma forma participa dos espetáculos desportivos (federações, entidades de prática, organismos públicos, organizadores, patrocinadores, colaboradores, árbitros, desportistas, espectadores etc.) dificulta e fragmenta o regime normativo de determinação e individualização de responsabilidades.

Pode-se dizer igualmente que, do ponto de vista do pólo passivo dessa relação, há uma grande variedade de pessoas sujeitas a sofrerem a repercussão danosa da atividade desportiva de exibição, como os atores e assistentes dos espetáculos e ainda os terceiros alheios a esses eventos.

Por outro lado, a especificidade das situações que acarretam danos em tais atividades revela a insuficiência da mera aplicação dos princípios fundamentais que regulam a responsabilidade civil, o que requer a fixação de marcos teóricos capazes de ajustar os standards jurídicos às peculiaridades que o espetáculo desportivo apresenta.

E tal necessidade surge pelo fato de que o desporto acompanhou o processo de segmentação normativa vivenciado em nosso país, a denominada “era dos estatutos”[6] tendo sido agraciado também com um estatuto, o Estatuto do Torcedor (Lei nº. 10.671/03), que, ao lado da Lei Geral de Desportos (Lei nº. 9.615/98), definiu um regime específico de direitos, obrigações e responsabilidades, deixando de lado várias concepções tradicionais contidas no imponente Código Civil.

Por fim, é de se ressaltar a importância prática do assunto, já que a presença do dano é uma constante no desporto de competição, ora pelo perigo que determinadas práticas naturalmente possuem, ora pelo interesse do público em relação a grandes eventos, aumentando as probabilidades de concretização de certos riscos.

E o interesse cresce particularmente em relação ao nosso país. Basta olhar no retrovisor a Tragédia da Fonte Nova e do Couto Pereira, dentre outras, constatar-se atualmente o lastimável estado de conservação de nossas arenas desportivas e vislumbrar no horizonte que se descortina eventos como a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, para concluirmos que os eventos desportivos se constituem em fontes de riscos a circundar permanentemente a sociedade brasileira.

Esta, por sua vez, se encontra ainda à espera de uma resposta imediata daqueles que militam no mundo jurídico, pois o quadro nacional é de uma autêntica “anemia doutrinária”, clamando a conjuntura atual para que se promova um aprofundamento acadêmico pormenorizado nessa seara, devido às transformações sociais e de ordem legal que o desporto-espetáculo sofreu ao longo do último meio século.

3. O organizador e os demais intervenientes na organização do espetáculo

A clássica e ainda atual definição de organizador proposta por Savatier, como sendo “aquele que toma implicitamente sob sua responsabilidade a constituição e a marcha geral de uma ou várias provas desportivas”[7], dá a exata dimensão da amplitude do termo, que abrange tanto pessoas físicas quanto jurídicas, de direito público ou privado.

Com efeito, adverte Gamero Casado que será organizador “a pessoa física ou jurídica que convoca formalmente a celebração da competição desportiva e decide por si mesmo os seus participantes ou a declara aberta”[8], sendo que apenas uma análise do caso concreto, é que nos permitirá dizer quem é verdadeiramente o organizador de um encontro desportivo.

A penumbra evidenciada nos últimos anos na identificação da figura do organizador do espetáculo desportivo encontra sua razão de ser na variedade de sujeitos que vêm se envolvendo na realização de tais eventos.

Conforme já visto, o principal elemento que contribui para esse estado de perplexidade é a própria estrutura do movimento desportivo, que segue uma formatação piramidal reunindo uma infinidade de entidades dirigentes e de prática, havendo quase sempre mais de uma entidade desportiva participando da organização.

Quando ocorrida essa hipótese, a doutrina esmerou-se por distinguir a figura do organizador direto do organizador indireto[9], sendo organizador direto quem assume o encargo de tomar concretamente todas as medidas de precaução aptas a assegurar a boa marcha de uma competição desportiva e organizador indireto aquele hierarquicamente superior que edita regras para a realização das competições, a serem observadas pelo primeiro.

No direito brasileiro, o Estatuto do Torcedor reconheceu essa peculiaridade em relação às competições profissionais, tendo já divido tarefas e responsabilidades concernentes à organização tanto para federação responsável pela competição quanto para o clube detentor do mando de campo.

Essa alusão feita pelo legislador à “entidade de prática detentora do mando de jogo” se refere claramente aos espetáculos de futebol, em que normalmente o clube com mando de jogo é aquele que, pelas regras da competição, deve receber o time adversário em seu estádio ou outro em que deseje ou possa jogar com a missão de organizar alguns aspectos da partida.

Mas a plêiade de sujeitos responsáveis que intervêm na sua organização não se esgota na equação acadêmica recém sinalizada, pois não raro os organizadores não dispõem de infra-estrutura própria, valendo-se de meios materiais e humanos para se desincumbirem desse mister.

E precisamente o rol de auxiliares ampliou-se sobremaneira com a edição do Estatuto do Torcedor, que qualificou e dilatou o leque de encargos a serem satisfeitos pelo organizador de competições desportivas (segurança, atendimento médico, divulgação, asseio, acomodação, venda de ingressos, orientação etc.) multiplicando a necessidade deste último de se valer de um número maior de colaboradores para se desincumbir do fardo legal.

O organizador torna-se, portanto, pólo de irradiação de inúmeros ajustes que se formam para a ocorrência do espetáculo e que podem ser agrupados basicamente em três compartimentos: contratos mantidos com aqueles que o auxiliam na tarefa de realização do espetáculo, contratos formalizados com os desportistas para realizarem a disputa e contratos celebrados com os espectadores para assistirem ao evento[10].

Torna-se imperioso, portanto, destrinchar o emaranhado de relações contratuais enfeixadas na figura do organizador, tendo em vista a repercussão da apuração desses vínculos jurídicos para fins de fixação do eventual dever de indenizar.

E isto apenas reforça a posição de destaque que possui o organizador, já que a apuração da responsabilidade civil sempre terá por perto uma investigação do papel jurídico desempenhado por essa pessoa, bem como da natureza dos vínculos por ele mantidos, diante de cada tipo de dano ocorrido em virtude do espetáculo.

Quanto aos meios materiais utilizados na organização, importa destacar o elemento mais importante no espetáculo que vem a ser a arena desportiva, já que não raro o organizador tem que se valer de equipamentos de terceiros.

Surge daí a questão quanto à responsabilidade do titular da instalação  desportiva que não tome parte na disputa, sendo que, nesse caso, o proprietário do estádio só responderá por danos estruturais do equipamento, e ainda sim perante os organizadores mediante ação regressiva destes, já que, pelo Estatuto do Torcedor o organizador será sempre o responsável direto, por ser aquele considerado pela lei como o fornecedor dos serviços prestados(art.3º).

Quanto aos recursos humanos empregados, é relevante a condição jurídica do colaborador envolvido nesse serviço para fins de fixação do dever de indenizar entre as partes.

Quando se está diante de uma relação entre organizador e voluntários, tem-se que estes só responderão perante o organizador em caso de dolo, enquanto que este último responderá simplesmente por culpa, diferindo da hipótese de contratação de serviços, já que por culpa responderão ambos os contratantes, tudo na forma prescrita pelo art. 392, do C.C., sem embargo do disposto no art. 7º, inciso XXVIII da C.F., aplicável quando houver vinculo empregatício entre as partes.

Outra peça importante no espetáculo vem a ser a figura do árbitro, que de tantos poderes que possui, chega a ser chamado de juiz, já que detém, inegavelmente, prerrogativas de jurisdição e império no palco desportivo.

E o árbitro, precisamente por ter tantos poderes, pode conseqüentemente responder por danos, como autorizar a realização de uma partida sem condições de segurança para o público ou para os atletas,  permitir que um lutador seja golpeado até a morte, ou não autorizar um socorro médico urgente para um desportista.

Em todos esses casos, o árbitro poderá responder penalmente, mas a responsabilidade civil é da federação respectiva, já que o árbitro nada mais é do que um preposto da federação, um representante desta na pugna desportiva.

De outra parte, nas relações mantidas entre organizadores e desportistas, observa-se a possibilidade da formação de ajustes dos mais variados matizes e que também tendem a produzir diferentes efeitos no campo da responsabilidade civil.

De fato, os atletas podem atuar seja por força de vínculos associativos entre os praticantes e o organizador, contra remuneração por parte deste último, sob regime empregatício ou de prestação de serviços, ou ainda por provocação dos desportistas, gratuitamente ou mediante pagamento, havendo quem considere que esta última hipótese representa uma genuína relação de consumo[11].

Sob o ângulo externo, isto é, pelos danos causados por esses agentes a terceiros, há que se considerar que todos os que atuam na organização e exibição mantém, em certa medida, uma relação de preposição com o organizador, devendo ser aplicado o art. 932, III, do Código Civil, o que implica na possibilidade do ajuizamento de ações diretamente contra o responsável pela organização do evento desportivo.

Diverso será o enquadramento jurídico, quando danos forem provocados por agentes públicos, já que, nesse caso, a relação de preposição não existe entre organizador e colaborador, o que implicará na mudança no regime de fixação de responsabilidades, podendo, inclusive, resultar em eventual exoneração da obrigação de indenizar por parte do organizador, a ser eventualmente substituído pelo próprio Estado [12]

4. O contrato de exibição de espetáculo desportivo: os direitos e deveres das partes e os casos de descumprimento

Há uma década o legislador brasileiro promoveu uma revolução jurídica nas relações entre organizadores e espectadores de eventos desportivos ao classificá-las como genuínas relações de consumo, tendo a Lei nº. 9.981/00 alterado a Lei Geral de Desportos (Lei nº. 9.615/98) para equiparar o espectador pagante do espetáculo aos consumidores, na forma da Lei nº. 8.078/90.

Todavia, não se meditou ainda sobre os múltiplos e heterogêneos aspectos que envolvem essa equiparação, em virtude das peculiaridades que a relação em apreço apresenta, mormente no que concerne aos eventuais danos causados em decorrência da formação dessa relação de consumo, o que pressupõe, obviamente, a imperiosidade de se analisar o conteúdo de tal liame jurídico.

Quanto a esse aspecto, pode-se afirmar que diante da norma contida no art. 425 do Código Civil, é possível considerar o contrato celebrado entre as partes como um contrato atípico de exibição de espetáculo desportivo, em que o organizador se obriga, mediante o pagamento de determinada importância, a brindar o assistente com a exibição de determinada manifestação desportiva.

Esse contrato encerra basicamente três obrigações para cada parte dessa relação.

No que diz respeito ao torcedor, este tem o dever de efetuar o pagamento do valor do ingresso e ocupar  o local correspondente ao assento adquirido, se comportando de acordo com os usos e costumes aceitos para assistir a modalidade desportiva em questão, o que irá variar, por exemplo, de uma partida de tênis para uma partida de futebol ou de um campeonato de surfe para um torneio de golfe e daí por diante.

No que concerne às obrigações do organizador pode-se elencar as seguintes: exibir um espetáculo, garantir a qualidade do serviço prestado e assegurar a segurança de todos os torcedores.

Quanto à primeira, é bem de ver que a mesma é de resultado, pois quem contrata por presenciar tais eventos não espera simplesmente que a outra parte empregue seus melhores esforços para a realização do mesmo. Assim, ante o descumprimento do contrato, deverá a princípio o organizador responder, sem que fique a cargo da vítima a prova de atuação negligente por parte daquele.

A realização do espetáculo faz com que se cumpra a parte formal da execução do serviço, a qual não satisfaz por completo a obrigação. Há que se atender também ao caráter material, isto é, à qualidade do serviço prestado.

Entretanto, essa questão ganha ainda maiores foros de complexidade, notadamente na identificação das hipóteses de descumprimento desse dever contratual e a respectiva averiguação de possíveis lesões ao espectador.

E tal circunstância encontra-se intimamente atrelada ao instituto do vício do serviço, devidamente amparado pelo art. 20 do Código de Defesa do Consumidor, surgindo dessa previsão normativa a necessidade de saber, ante a especificidade do espetáculo desportivo, quais as situações que podem ser tipificadas na sua realização como serviços impróprios ou deficientes.

Desde logo, pode-se afirmar por impróprio o serviço quando não se faz possível o acesso à arena desportiva[13], ou são oferecidos lugares inadequados, insuficientes ou incompatíveis com a acomodação previamente adquirida pelo espectador.

O tema da qualidade do serviço prestado se torna ainda mais delicado quando se destina a verificar alguma insuficiência na disputa propriamente dita, o que poderia levar a alguém a perguntar, por exemplo, se poderá haver direito à reparação em espetáculos de péssima qualidade técnica ou quando este for marcado por erros de arbitragem.

E as respostas a essas perguntas só poderão ser negativas, já que se está aqui nitidamente diante de uma obrigação de meio, em que tanto o organizador quanto os competidores e árbitros se comprometem a empregar os seus melhores esforços na execução de suas tarefas[14].

Entretanto, o princípio da boa fé acolhido pelo Código de Defesa do Consumidor, mesmo nas obrigações de meio, não dá ao contratante a prerrogativa de “descuidar-se quanto à busca do resultado pretendido pelo credor”[15], remanescendo o  seu dever de atuar no sentido de conseguir o produto almejado no ajuste.

Nessas circunstâncias, faz-se mister uma análise pormenorizada dos serviços que são objeto de prestação, principalmente em virtude do princípio norteador da boa-fé objetiva, que demanda uma verificação dos fins perseguidos em cada ajuste para extrair os deveres de conduta das partes[16].

Analisando-se a natureza do ajuste e o fim perseguido pelo torcedor ao firmá-lo, tem-se que, no contrato de exibição de espetáculo, o aficcionado tem por objetivo assistir a uma disputa real, da qual deriva a emoção decorrente da incerteza de seu resultado, em que os participantes se comprometem a lutar pela vitória, observando as regras gerais do esporte e os padrões éticos de comportamento.

Se não houver essa tentativa da vitória, ou se houver violação às regras éticas do esporte, haverá aí sim deficiência na prestação do serviço.

Portanto, clara deficiência na prestação do serviço de exibição do espetáculo existirá, por exemplo, quando resultados forem forjados pelos praticantes, quando um árbitro é corrompido, ou quando um piloto provoca propositadamente um acidente apenas para obter um resultado desportivo ilegítimo.

Em todos esses casos, haverá direito à reparação, já que não existe uma disputa real, mas apenas uma farsa que não se coaduna com a essência do esporte[17].

Neste passo, tem-se nítida a distinção entre assistir-se a um show de música ou a uma peça teatral e presenciar um espetáculo desportivo, pois aqui a incerteza do desfecho da disputa há que estar também presente no espírito dos participantes, o que não ocorre nos demais espetáculos, em que os artistas envolvidos já sabem de antemão todo o script da exibição.

Por outro lado, também haverá violação ao contrato se as regras de disputa forem maculadas de tal forma que deturpem a própria essência da modalidade em questão, como quando uma partida for encerrada muito antes de seu lapso temporal regulamentar, ou quando uma corrida automobilistica tiver no seu grid de largada um número expressivamente inferior ao que se comumente observa na temporada.

Outra indagação relacionada ao tema diz respeito à caracterização da natureza jurídica da relação travada entre organizador e espectador, quando este não paga pelo ingresso ao recinto desportivo[18], existindo inclinação doutrinária para incluí-la também no rol das relações de consumo, notadamente quando se observa a presença de patrocinadores, que possuem o lucro indireto advindo da publicidade institucional de suas marcas[19] 

Hipótese diversa ocorrerá quando se trate de espectador clandestino, que adentra ao recinto sem anuência do organizador, sendo evidentemente extracontratual essa relação. Todavia, será de difícil comprovação essa situação, a qual fica a cargo do organizador, já que tanto o Código de Defesa do Consumidor quanto o Estatuto do Torcedor fixam a presunção contratual da relação em favor dos espectadores.

Com relação ao dever de segurança, pode-se afirmar que ele se apresenta como uma cláusula tácita de incolumidade, em que o organizador se compromete a assegurar a integridade física daqueles que se encontram no recinto para apreciar a pugna desportiva, não sendo admissível que os espectadores, na sua postura meramente passiva e de contemplação, tenham concordado em assumir o risco de sofrerem danos em decorrência da atividade.

Nesse particular, vale ressaltar que o Estatuto do Torcedor prevê no art. 14 que a responsabilidade pela segurança é da entidade detentora do mando de campo.

Contudo, o mesmo diploma determinou em seu art. 19 que os organizadores, bem como seus dirigentes respondem solidariamente com as entidades detentoras do mando de jogo e seus dirigentes, independentemente da existência de culpa, “pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios ou da inobservância do disposto neste capítulo”.

Esta previsão legislativa facilita a reparação do dano, pois o Estatuto do Torcedor distribuiu tarefas entre as entidades dirigentes e de prática, não sendo exigível das vitimas identificar se esta ou aquela tarefa seria de competência da federação ou do clube, uma vez que todos responderão pelos danos decorrentes do espetáculo, cabendo apenas à federação ou aos dirigentes o exercício do direito de regresso.

Trata-se, portanto, de mais um caso de fixação expressa de responsabilidade objetiva por via legislativa específica, em que pese existir entendimento doutrinário em sentido contrário, pelo fato do dispositivo aludir à responsabilização por “falhas de segurança ou da inobservancia do disposto neste capítulo”.[20]

Não parece que assim possa ser, devendo-se considerar, na verdade, a existência de claro equívoco redacional do legislador, posto que, no mesmo dispositivo, ele deixa expresso que a responsabilização se dará “independentemente da existência de culpa”.

Como se não bastasse, é o próprio Estatuto do Torcedor que determina a aplicação do Código de Defesa e Proteção do Consumidor para reger a relação entre organizador e torcedor, o qual fixa também a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços.

Isto significa dizer que, para a lei, a obrigação de segurança também é de resultado, ou seja, mesmo que tenha tomado todas as providências necessárias, o organizador terá de reparar todos os danos produzidos dentro do recinto desportivo.

Em questão de segurança, as únicas hipóteses de exclusão de responsabilidade dos organizadores são duas: a primeira, é a que decorre de culpa exclusiva da vítima, como, por exemplo, quando um torcedor invadir a pista de uma prova automobilística e vier a ser atropelado por um carro de corridas[21].

A segunda hipótese é aquela que advém de casos de força maior, como um evento violento da natureza, como a de um repentino ciclone que faça voar voar placas de publicidade ferindo torcedores, ou acontecimentos decorrentes da ação do homem.

É precisamente nesta última hipótese que surgem dúvidas de se considerarem os danos causados a espectadores “por fato das multidões”[22] como algo imprevisível e capaz de exonerar o dever de reparação pelo organizador, notadamente aqueles decorrentes de atos de violência empregados no interior dos recintos desportivos, provenientes, na maioria dos casos, das torcidas organizadas.

E a resposta só pode ser negativa, na medida em que o organizador, enquanto empresário, conhece a regularidade com que tais incidentes ocorrem, não estando autorizado a colocá-los na lista de fatos imprevisíveis, constituindo-se antes como realidade que deve ser concebida dentro das medidas de segurança e prevenção a serem tomadas para realização dos eventos[23].

Portanto, é de inteiro conhecimento do organizador a potencialidade do dano a ser provocado pelas torcidas organizadas, cabendo a este tomar todas as medidas adequadas a salvaguardar a segurança daqueles presentes ao espetáculo[24].

Então, se raciocínio está correto e parece que assim esteja, tem-se uma importante conseqüência jurídica, pois, se o organizador tem essa responsabilidade, deve ser-lhe garantido, em compensação, o direito de estabelecer todas as medidas restritivas que entenda necessárias para acesso do torcedor ao estádio[25].

Por isso, de bom alvitre será afixar-se uma placa na entrada do estádio informando as proibições, para que o torcedor saiba de antemão o teor do contrato de exibição do espetáculo, já que se trata de um clássico caso de contrato de adesão: ou o torcedor aceita as regras desse contrato, ou então não deverá adquirir o seu ingresso.

Ainda no tocante às torcidas organizadas, releva analisar o caso não raro, de danos provocados por alguém não identificado que esteja, no momento do ato, integrando um grupo determinado, ou seja, sabe-se que a lesão partiu de um integrante de grupamento certo de pessoas, mas que pelas circunstâncias não se tenha logrado conhecer o seu autor.

A identificação ou não do causador do dano não retira do organizador a responsabilidade direta pela reparação, conforme já visto, tanto pelo fato de introduzir uma atividade que potencializa riscos para a sociedade quanto por beneficiar-se financeiramente da mesma, sem contar com a imposição do dever de reparar já mencionada e contida no Estatuto do Torcedor.

Entretanto, resta assegurado, obviamente, o direito de regresso, cabendo também esta ação quando não seja possível a identificação pessoal do causador do dano, mas do grupo ao qual ele pertença, conforme construção doutrinária já feita pela Jurisprudencia francesa para responsabilizar grupo de caçadores cujo um de seus integrantes anônimos venha a causar danos a outrem[26].

Justifica-se a responsabilidade do grupo, pois esta encontra o seu fundamento quando sua atuação coletiva consubstancie uma ação perigosa e represente o uso abusivo do direito de reunião por parte de seus integrantes.

Tal construção se afigura relevante também para permitir o ressarcimento do lesado perante essa coletividade quando o dano for perpetrado fora do lapso de validade temporal e espacial do contrato mantido com o organizador.

 5. Os danos cometidos pelos desportistas

A questão que ora se põe, consiste na perquirição da responsabilidade civil dos desportistas pelos danos cometidos por eles no desempenho de sua atividade, não havendo no direito pátrio previsões normativas específicas a respeito desse assunto.

Desse modo, importa criar balizamentos teóricos nessa seara, a fim de auxiliar no processo que, ao mesmo tempo em que viabilize o exercício da atividade não a coloque em zona de absoluta irresponsabilidade.

De qualquer forma, é possível compreender desde logo que os critérios de imputação de responsabilidades hão de sofrer in casu pequenos ajustes, tendo em vista que o desempenho de certas atividades desportivas traz ínsita a idéia de certos perigos.

Desse modo, não se afigura razoável avaliar a conduta do desportista causador do dano com o mesmo critério que se lhe impute noutro âmbito de relações, em que o fator de risco não existe, sendo impossível adotar-se como paradigma de atuação aquele esperado do “bom pai de família”.

Sob o ponto de vista do desportista lesado, é de se presumir que aqueles que se dedicam a tais práticas conhecem as suas mazelas e assumem os riscos que elas propiciam, através de uma exposição a eles de forma voluntária.

É esta, em linhas gerais, o substrato da teoria da aceitação do risco, largamente utilizada pela doutrina e jurisprudência alienígena no desporto, que se assenta no fato de que quem pratica uma modalidade com os riscos a ela inerentes deve assumir o ônus de sua concretização, sempre que o causador tenha atuado dentro dos limites normais da atividade.

Assim, deve-se ter presente que a consciência da probabilidade do dano pressupõe completo conhecimento das condições de desenvolvimento da atividade, a espelhar-se, quiçá, no instituto do consentimento informado que milita no campo médico, o que implica no correspondente dever de informação por parte do organizador, quando as circunstâncias assim o exijam.

Entretanto, cabe ter sempre em mente que o consentimento supõe apenas e tão somente a aceitação da eventualidade dos danos e não a certeza de sofrê-los, pois o princípio constitucional da dignidade humana não se prestaria a legitimá-lo, pelo fato de se estar diante de bens indisponíveis.

Nessas condições, partindo-se do pressuposto da autorização do desempenho de determinada atividade desportiva pelo Estado, devidamente exercida de acordo com a moral e os bons costumes e considerando o disposto no art. 188 do Código Civil, é lícito supor aprioristicamente que os danos decorrentes do exercício normal dessa prática não se enquadrariam na órbita do dever do desportista de indenizar.[27]

Por conseguinte, surge a necessidade de se averiguar o que significa desempenho normal[28] da atividade desportiva, devendo-se, por esse modo, acudir às características de cada esporte.

Nesse sentido, surge como vetor importante de interpretação no processo de aferição da normalidade da conduta, o repositório de regras de prática da federação responsável por ordenar a modalidade que esteja sob análise[29].

Manifesta-se aqui uma das mais interessantes faces do pluralismo juridico, que vem a ser a possibilidade do ordenamento estatal atribuir certas conseqüências a determinados fatos descritos por outro ordenamento[30].

De qualquer forma, pode-se desde já assinalar que, embora não sejam leis do ponto de vista técnico da expressão, não vinculando, por conseqüência, o julgamento do magistrado, os códigos de regras desportivas indicam os meios de evitar os excessos e estabelecem uma linha de atuação nos estritos limites da cautela, cuja violação pode ensejar a caracterização da culpa[31].

Entretanto, não se pode considerar que eventual inobservância dessas mesmas regras implique automaticamente na responsabilização do agente, já que a experiência revela ser absolutamente impossível o desenvolvimento normal da atividade desportiva sem a sua violação.

Tal se afirma, porque determinada conduta pode violar certo regulamento desportivo, porém não ser imputável juridicamente ao infrator, por não exceder o nível habitual de prática de determinada modalidade.

Com efeito, as condições em que se encontram os praticantes fazem com que os seus atos, ainda que dirigidos a lograr o melhor resultado desportivo, nem sempre produzam o efeito perseguido, produzindo conseqüentemente danos das mais variadas formas.

Assim, embora já se tenha dito que “a gradação grave, leve e levíssima da culpa, não tem relevância para a configuração ao ato ilícito no sistema pátrio[32], deve-se, pela peculiaridade da situação, entender que o grau de vulneração das normas desportivas que enseje o direito à reparação restringe-se  à sua violação por culpa grave ou obviamente nos casos de dolo, em que se vale da prática desportiva para intencionalmente lesar seu adversário”[33].

Por outro lado, não se pode dispensar por completo o manejo dos princípios e regras que estabelecem os padrões de prudência, diligência e perícia, na apuração da responsabilidade civil, seja pela eventual constatação de lacuna nessa regulamentação, seja por incompatibilidade de suas regras com o Direito estatal, ou ainda quando houver o extravasamento do risco habitual da modalidade, por meio de intensificação anormal dos perigos aos quais estão expostos os praticantes[34].

Quanto ao aumento do risco, sobressai uma vez mais a figura do organizador, pois fica a seu cargo o dever de cuidar com que os participantes reúnam as condições mínimas imprescindíveis para o desempenho da atividade, tanto físicas quanto instrumentais, dotando os desportistas com pessoal, instalações e materiais adequados, sendo óbvio que em caso de omissão ou insuficiência no cumprimento desses encargos, responderá pelos danos oriundos dessas falhas.

Portanto, resumindo-se todo o exposto, pode-se dizer que o desportista causador do dano não será chamado a indenizar quando:

1- Houver por parte da vítima o conhecimento do risco em potencial e a decisão pessoal de aceitá-lo;

2- O dano produzido decorrer do exercício normal da atividade    desportiva em questão;

3- Inexistir culpa grave ou dolo na violação da regra da modalidade pelo praticante;

4- O fator de risco não houver sido incrementado pelo adversário.

6. O regime jurídico aplicável ao organizador na reparação do dano: A responsabilidade objetiva

Conforme já analisado anteriormente, o art. 19 do Estatuto do Torcedor prevê uma situação específica de dano produzido por ocasião do espetáculo desportivo, contemplando-o com a aplicação do instituto da responsabilidade objetiva.

Entretanto, essa hipótese concebida pelo legislador se presta insuficiente para abarcar os demais danos a serem potencialmente produzidos por força de um evento dessa natureza, sendo que uma análise das cláusulas gerais do ordenamento civil permitem dar o enquadramento ideal ao regime de reparação envolvendo o espetáculo desportivo e o seu organizador.

Nesse sentido, exsurge a cláusula geral contida no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, que incorporou a denominada “teoria do risco criado”[35], idealizada, para regrar o caso de atividades que devem ser suportadas pela sociedade, mas que se vêem sujeitas aos perigos decorrentes da sua implementação.

Relacionando o dispositivo ao tema em apreço, é bem de ver que o espetáculo desportivo traz benefícios para a sociedade, pois se assenta tanto na necessidade de assegurar o espairecimento dos espectadores, que ali buscam salutares momentos de lazer, quanto na manutenção do exercício profissional de várias atividades, que encontram nesses eventos a razão de sua existência.

Entretanto, também é forçoso reconhecer que, por vários fatores, esses mesmos eventos vêm se transformando em atividades que potencializam certos riscos, sejam aos desportistas, espectadores ou ainda a terceiros alheios aos espetáculos.

Portanto, parece salutar a utilização da noção do risco para regular o espetáculo desportivo, de molde a permitir a sua realização, ao mesmo tempo em que amplia as possibilidades de ressarcimento do dano, como forma de compensar, assim, o problema da exposição aos perigos a que estão sujeitos todos os cidadãos.

Essa perspectiva se encaixa, portanto, na razão de ser das cláusulas gerais, pois a técnica empregada pelo legislador tem precisamente a finalidade de suprir as deficiências normativas advindas do progresso social e tecnológico constante, ante a impossibilidade de disciplinar casuisticamente todas as esferas de lesões a direitos.

Mas ainda que se admita que o tipo de atividade acobertada pelo dispositivo em apreço esteja restrito àquela de natureza econômica[36], também haveria espaço para sua aplicação à hipótese presente.

De fato, já restou demonstrado à saciedade que a atividade desportiva de exibição deixou de ser, na grande maioria dos casos, uma mera arte de pura demonstração de cultura física, para se transformar em importante atividade econômica, respondendo pelos danos naturalmente aqueles que se beneficiem financeiramente dessa atividade [37].

Assim, há que se adequar  as mais variadas manifestações inerentes ao espetáculo desportivo no aludido regime de imputação objetiva do dever de reparar, de maneira a valorizar a pessoa da vítima, que não deve deixar de ser ressarcida por danos decorrentes ainda que do exercício normal de certas atividades.

Essa postura exegética tem por finalidade última atender o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, razão de ser e destino do ordenamento jurídico, que não pode permitir que o brilho de um espetáculo desportivo seja ofuscado pelo desamparo de uma vítima deixada sem reparação.



[1] A contribuir para essa análise particularizada de determinados fenômenos jurídicos, o processo de proliferação dos chamados microssistemas, aliado à necessidade de repensar certos institutos de acordo com os valores expressados na Constituição, pois como avalia Bodin de Moraes, “o Código Civil não mais se encontra no centro das relações de direito privado”. BODIN DE MORAES, Maria Celina. A caminho de um Direito Civil Constitucional. In: Revista de Direito Civil, imobiliário, agrário e empresarial. n.º 65, jul./set. 93, p. 22.

[2] V. neste sentido a Lei nº. 9.981/00 que alterou o art. 42, § 3ª da Lei nº. 9.615/98 para equiparar o torcedor ao consumidor, estendendo-lhe todos os direitos assegurados pela Lei nº. 8.078/90.

[3] Nesta linha, a Lei nº. 9.615/98, no capítulo que trata dos “Princípios Fundamentais” assevera expressamente que “a exploração e a gestão do desporto profissional constituem exercício de atividade econômica”. (art. 2º, § único).

[4] A mola propulsora para motivar a atenção dos juristas e dos ordenamentos estatais para os danos decorrentes do grande fluxo de espectadores nos espetáculos foi a denominada “Tragédia de Heysel“, ocorrida na Bélgica, em 29 de maio de 1985, por ocasião da final da Copa da U.E.F.A., deixando 39 mortos e 400 feridos.

[5] Tepedino aponta o fenômeno do pluralismo como um dos maiores problemas a ser enfrentados pelo Direito pós-moderno, invocando a lição de Claudia Marques (MARQUES, 1997) que divide essa questão no viés da pluralidade de fontes normativas a regular o mesmo fato, na multiplicidade de agentes a sofrerem a imputação da responsabilidade e na pluralidade dos sujeitos a proteger, que são não raro indeterminados como no caso dos interesses difusos. TEPEDINO, Gustavo. O Código Civil, os chamados microssistemas e a Constituição: premissas para uma reforma legislativa. In: TEPEDINO, Gustavo. (Coord.). Problemas de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 7.

[6] A expressão é de TEPEDINO, Gustavo. “Premissas metodológicas para a Constitucionalização do Direito Civil”. In: Temas de Direito Civil. Tomo I. 3ªed. Rio de Janeiro: Renovar, p. 8.

[7] SAVATIER, Rene. Traite de la reponsabilite civile en droit francais civil administratif, professionnel, proccedural. 2.ed., Vol.2 Paris : Libr. Generale de Droit et de Jurisprudence, 1951,p.490.(tradução nossa).

[8] CASADO. Eduardo Gamero. Los seguros deportivos obligatorios. Barcelona: Bosch, 2004, p.160.(tradução nossa).

[9] BONDALLAZ, Jacques. La responsabilité pour les préjudices causés dans les stades lors de compétitions sportives. Berne: Editions Staempfli, 1996, p.17.

 [10] A referida fórmula tripartite é apresentada por Frédéric Buy em decorrência das três etapas que ordinariamente hão de ser superadas pelo organizador na realização de eventos desportivos: preparação, desenvolvimento e exploração do espetáculo. BUY, Frédéric. L’Organisation Contractuelle du Spectacle Sportif. Marseille: Press Universitaires D’Aix-Marseille, 2002, p. 36.

[11] Esta é a opinião de Jacques Bondallaz, que não vê diferença entre o espectador pagante e o desportista que é obrigado a pagar uma taxa de inscrição para participar do espetáculo.  BONDALLAZ, op. cit. p. 118.

[12] É assim que também se posiciona Giampero ao asseverar que “provado que um determinado fato seja atribuível ao serviço de colaboração da força de ordem, o organizador não responderá pelo ilícito” CONRADO, Giampero. Ordinamento Giuridico Sportivo e Responsabilità dell’Organizzaore di uma Manifestazione Sportiva. In: Rivista Di Diritto Sportivo, Milano, vol. 43, n. 1-2, gen./giug., 1991, p. 13. (tradução nossa).

[13] Na mesma direção, tem-se a decisão proferida pela Décima Câmara Cível de Porto Alegre do Rio Grande do Sul10.

APELAÇÃO CÍVEL. DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE POR VÍCIO DO PRODUTO. O julgador, ao fundamentar a sentença, não precisa rebater, um por um, os argumentos das partes, mas, sim, apresentar a sua justificação à decisão proferida. Ao mesmo tempo, o princípio da identidade física do juiz não é violado na hipótese do magistrado ser afastado por motivo de férias, remetendo os autos ao seu sucessor, para que sentencie. A relação entre a Federação Gaúcha de Futebol, como organizadora de eventos esportivos, e os torcedores é de consumo. Caracteriza vício do produto o fato de os consumidores, que adquiriram ingressos para partida de futebol, não conseguirem adentrar no estádio, onde a mesma seria realizada. Configurados o inadimplemento contratual e o justo sentimento de revolta dos autores, cabível o ressarcimento a título de danos morais, que foram arbitrados dentro dos critérios de eqüidade e razoabilidade. Improvidos a apelação e o recurso adesivo, no tocante à majoração da indenização arbitrada, não se conhecendo deste quanto aos lucros cessantes. TJRS.Ap. Cível nº 70001973718. 10ª Câm. Civ., Rel Luiz Ary Vessini de Lima em 23.08.2001. disponível em <http://www.tj.rj.gov.br>. acesso em 21 de dezembro de 2009.(grifou-se).

[14] Esta questão já foi inclusive submetida ao Judiciário em que se buscava a reparação por erros de arbitragem, em que restou clara a existencia na hipótese de mera obrigação de meio por parte do organizador:

 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. TORCEDOR OFENDIDO POR ERRO DE ARBITRAGEM. FALTA DE MARCAÇÃO DE PENALIDADE DURANTE A DISPUTA ENTRE ATLÉTICO MINEIRO E BOTAFOGO, NA COPA DO BRASIL DE 2007. INEXISTÊNCIA DE DIREITO VIOLADO. 1. Embora se trate de relação de consumo, consoante o disposto no artigo 3º da Lei nº 10.671/2003 (Estatuto de Defesa do Torcedor), não praticou a ré qualquer ilícito a macular o alegado direito do autor-torcedor. 2. Ao promover campeonato de futebol e partidas entre times rivais, com a presença de público mediante a venda de ingressos, a ré não se compromete a garantir resultado em benefício de quaisquer dos times, muito menos responde pelo eventual equívoco de arbitragem, havendo no país tribunal especializado que prima pela observância das regras aplicáveis ao desporto. 3. O erro de arbitragem não gera para o torcedor-consumidor, na sua mera condição de espectador, qualquer direito de cunho moral ou muito menos material, já que sequer uma má partida de futebol autoriza a restituição do valor gasto com o pagamento do ingresso. 4. Ausência absoluta de violação de direito a tutelar. 5. Desprovimento do recurso. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de janeiro.Decima setima camara civel, Rel .Des. Elton Leme – Julgamento: 13/08/2008 –

[15] TEPEDINO, Gustavo. A responsabilidade civil nos contratos de turismo. In: Temas …, op. cit., p.247.

[16] V. neste sentido a lição de Tepedino e Schreiber, ao analisar o princípio da boa-fé objetiva no Código de Defesa do Consumidor “[…] uma nova concepção de boa-fé, que desvinculada das intenções intimas do sujeito, vem exigir comportamentos objetivamente adequados aos parâmetros de lealdade, honestidade e colaboração no alcance dos fins perseguidos em cada relação obrigacional.” (grifos nossos). TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. Os efeitos da Constituição em relação à cláusula da boa-fé no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil. In: Revista da EMERJ, v.6, nº23, 2003, p. 141.

[17] Quanto à responsabilidade do organizador pela lisura das competições, destaca-se decisão proferida pelo Conselho Recursal dos Juizados Civeis e Criminais da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro que determinou a indenização a torcedor por danos decorrentes do fato de ter adquirido ingressos para partidas de futebol que foram anuladas posteriormente pela Justiça Desportiva em virtude da atuação do árbitro que influiu intencionalmente no resultado.

Colhe-se do voto do relator as seguintes passagens:

………………………………………………………………………………………………………………………………………É direito do consumidor a informação clara sobre a qualidade do serviço que lhe é prestado e a informação veiculada pelo fornecedor de serviços é vinculante para ele( CDC, art.s 6º, III e 30).

Outrossim, é proibida a publicidade enganosa, isto é, qualquer informação inteira ou parcialmente falsa sobre dado essencial do produto capaz de induzir o consumidor a erro (CDC, art. 37).

Ademais, é direito do autor e de qualquer torcedor, que “ arbitragem das competições esportivas seja independente e imparcial” (Estatuto do Torcedor, art. 30) e, como se viu, o árbitro em questão não atuou com imparcialidade.

Falhou o réu no cumprimento dos aludidos arts. 6º, III, 30 e 37, do CDC, e 30 do Estatuto do Torcedor. Com efeito, o autor compareceu ao campo de jogo para assistir disputas desportivas, jogos limpos e válidos para o campeonato. Era essa a promessa do réu. Mas a promessa não se cumpriu, os jogos não valeram.

……………………………………………………………………………………………………………………..(Grifou-se).

Rel Juiz Brenno Mascarenhas.       Disponível em: http://srv85.tj.rj.gov.br/ Consulta DocGed Web/faces/ResourceLoader.jsp?idDocumento=00031C633BA6F5B28766D24D54E8832B484FF992C3410F1B. Acesso em: 21/12/2009.

[18] Numa primeira aproximação a esse tema, releva observar o magistério de Aguiar Dias, que, com o peso de sua pena, distingue entre o acesso gratuito que é meramente consentido pelo organizador, daquele que é estimulado por este, para concluir que na primeira hipótese não há sequer responsabilidade contratual. DIAS, José de. Da responsabilidade civil. São Paulo: Forense p. 145.

[19] Esta é a opinião de EZABELLA, Felipe Legrazie. Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor. In: Revista Brasileira de Direito Desportivo, vol.nº. 01, jan./jun. 2002, p. 64 e que se afina com o entendimento de Marques, Benjamin e Miragem, quando lecionam que o termo “remuneração” significa um ganho direto ou indireto para o fornecedor, o que não implica necessariamente na obrigação correlata de pagamento por parte do consumidor. MARQUES, C.L.; BENJAMIN, A.H.V.; MIRAGEM, B. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: R.T., 2003, p. 94.

[20] É esta a posição de Décio Luiz José Rodrigues que entende que para existir a responsabilidade das entidades responsáveis pela organização da competição e do mando de jogo, bem como, de seus dirigentes deverá ser provada a sua culpa.

RODRIGUES, Décio Luiz José. Direitos do Torcedor e temas polêmicos do futebol. 1ª ed. São Paulo: Rideel, 2003, p. 24.

[21] V., a propósito, interessante decisão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, que afasta a responsabilidade do organizador de prova automobilistica por força de acidente que se deu por invasão do espaço da prova pela vítima. Segue o trecho a que interesse ao presente trabaho:

“………………………………………………………………………………………………………………….

4 – Quem frustrou a confiança do A. não foi o organizador do Rally mas sim aqueles que violaram a interdição de aceder ao percurso que lhes estava interdito.
………………………………………………………………………………………………………………………………………7 – Toda a responsabilidade tem de ser atribuída aos espectadores ou assistentes que invadiram o percurso previamente determinado e cujo acesso lhes estava interdito.
8 – Tivessem permanecido nos seus lugares, não tivessem desrespeitado as ordens que lhes impunham a abstenção de invadir o percurso onde se desenrolava a prova, e o acidente nunca teria         tido      lugar.
9 – A segurança dos assistentes foi garantida quer através da determinação prévia do percurso quer através da interdição do acesso ao mesmo a todas e quaisquer pessoas, à excepção dos concorrentes, com recurso, além do mais, à força policial.

…………………………………………………………………………………………………………………………………….”Processo nº 04B4372 JSTJ000 Rel. Pires da rosa. Disponível em: http://www.stj.pt/?idm=43. Acesso em 21/12/2009.

[22] A expressão é de HERRERA, Félix Guillermo. La caracterización de las relaciones jurídicas entre deportistas y la institución. Espectadores. In: GHERSI, Carlos Alberto. (org). Daños en y por espectáculos deportivos. Buenos Aires: Gowa, 1996, p. 28.

 [23] V. Importante trecho da ementa de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em ação de reparação de danos proposta por espectador que sofreu lesões corporais por grupos de torcedores no interior do Estádio Mario Filho e que se amolda à hipótese como luva bem ajustada: “[…] em tal hipótese, não há que se falar em excludente de responsabilidade, pois alguns acontecimentos que, em princípio seriam extraordinários, por mostrarem-se previsíveis, ante a sua repetição e evidência, transformam-se em fatos inerentes ao risco do negócio, permitindo a visão do nexo de causalidade […]”. RIO DE JANEIRO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, in: Revista dos Tribunais, São Paulo, nº. 777, julho/2000, p. 380.

 [24] Nesta mesma linha, o julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

 RELAÇÃO DE CONSUMO. Incidente que causou lesões a torcedora em estádio de futebol. Preliminar de nulidade da sentença, por fundamentação insuficiente, que se rejeita, eis que o decisum abordou os pontos necessários para o julgamento da demanda. Responsabilidade por defeito na prestação do serviço. Serviço prestado de forma defeituosa, pois não forneceu a segurança necessária ao consumidor. Briga entre torcedores, que causou a queda do alambrado e lesões na apelada. Resultado e riscos esperados, pois ocorria a decisão do campeonato brasileiro. Medidas de segurança não tomadas pelo fornecedor. Laudo de exame de local, que assevera o precário estado de conservação dos tirantes de aço do alambrado. Dever de indenizar existente. Verbas fixadas corretamente. Recurso desprovido.(grifou-se). RIO DE JANEIRO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Ap.Civel nº 2004.001.36754. 10ª Câm. Civ., Des. Rel. Carlos Eduardo Passos. Julgado em 13.04.2005, disponível em <http://www.tj.rj.gov.br>, acessado em 21.12.2009.

[25] Neste sentido, a decisão do Tribunal de São Paulo, que reconheceu hígida a norma da Federação paulista de futebol que restringira o acesso aos estádios de futebol de adereços de torcidas organizadas, posto que estimulariam a violência nesses recintos. Colhe-se importantes lições do acórdão:

………………………………………………………………………………………………………………………….

Cumpre indagar, portanto, se a restrição, imposta pela entidade privada promotora do espetáculo e executada pela autoridade policial, encontra justificativa nos fatos conhecidos e é adequada para coibir suas conseqüências irreparáveis.

Por primeiro, ficou esquecido que, inobstante os jogos de futeboi possam ser realizados em próprios da administração pública ou particular, a entidade responsável (federações, legais, confederação) são de natureza privada e podem estabelecer restrições ao ingresso das pessoas.

Tais restrições se mostram legítimas quando se mostram justificadas e tem o objetivo de garantir que o espetáculo se realize sem incidentes.

Depois, é de conhecimento público que, nas últimas dezenas de anos, surgira no mundo pessoas que, isoladas ou em grupo, pretendem ingressar em estádios de futebol com o único propósito de praticarem agressões a desafetos de outras agremiações e aos profissionais, que ali militam. Sabe-se, pelo noticiário dos jornais, que a questão alcançou tal gravidadeque certos países impedem o ingresso em seu território de determinados torcedores, estruturados em grupos para cometer desatinos.

………………………………………………………………………………………………………………………….

Dentro desse quadro e a impossibilidade de serem efetivamente coartados os tumultos e agressões, antes de determinarem danos irreparáveis, é que se optou pela restrição da presença nos estádios de tais torcidas organizadas. A proibição de ingresso nos estádios com camisetas, faixas, bandeiras e outros adereços de tais torcidas foi uma fórmula adotada de natureza preventiva de tais lamentáveis acontecimentos.Definiu-se como uma medida objetiva que não impede ao consumidor, enquanto exclusivamente interessado em participar de um evento esportivo, de ingressar os estádios e ficar a salvo dos entrechoques dessas torcidas organizadas. Não se discute a eficácia de tal medida. É uma tentativa para prevenir atos de violência, que encontra perfeita razoabilidade tendo em vista os fatos públicos e notórios ocorridos.

……………………………………………………………………………………………………………………….

Inexiste, portanto, qualquer violação às garantias dos direitos individuais a restrição de acesso aos estádios de pessoas portando vestuário, faixas, bandeiras e outros endereços de torcida organizada.

………………………………………………………………………………………………………………………………………

São Paulo (Estado) Tribunal de Justiça. 3ª Câmara de Direito Público Apelação Com Revisão 3766475900, Relator: Des. Laerte Sampaio. Disponível em: http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/resultadoSimples.do. Acesso em 23/12/2009.

[26] Apud. ALSINA, Jorge Bustamante. Teoria General de responsabilidad civil, 2ª edição. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1973, p. 476.

[27] Sobre o tema, Bosso observa que a autorização outorgada pelo Estado a determinado esporte converte a sua prática em atividade lícita, o que permite admitir a derrogação das regras comuns sobre a apreciação da culpa, por danos causados em decorrência ordinária e natural do seu exercício. BOSSO, Carlos Mário. La responsabilidad Civil en el deporte y en el espectáculo deportivo. Buenos Aires: Nemesis, 1984, p. 60.

[28] Lalou delimitou com maestria a teoria da aceitação voluntária do risco pelos desportistas, ao dizer que não se admite “fora dos perigos normais e previsíveis do jogo, pelas faltas graves suscetíveis de modificar a característica essencialmente feita da camaradagem, lealdade e de desinteresse que dê lugar à aplicação da lei penal”. LALOU, Henri. Traité pratique de la responsabilité civile, 4ª ed., Paris: Dalloz, 1949, p. 260(Tradução nossa).

[29] Valendo-se da visão institucionalista do movimento desportivo organizado e tomando por empréstimo a classificação proposta por Bobbio (BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996, p. 169), sobre as diferentes posturas que o Estado pode adotar diante dos ordenamentos privados: indiferença, recusa ou absorção, pode-se afirmar, em virtude do disposto no art. 1, §º 1 da Lei nº. 9.615/98, que o Brasil optou pelo regime da absorção dos regulamentos desportivos, através do mecanismo do reenvio, ao reconhecer a validade das normas editadas pelas federações nacionais e internacionais, reforçando a tese da possibilidade da utilização desses preceitos pelo operador do Direito para auxiliar na resolução de problemas de ordem jurídica, como no caso em apreço.

[30] Bobbio define essa situação como ‘pressuposto’, em que o ordenamento externo “é utilizado para determinar as características de um certo fato específico, ao qual o ordenamento interno atribui certas conseqüências que não são necessariamente atribuídas pelo ordenamento externo”. BOBBIO, op. cit., p. 183.

[31] No mesmo sentido, a lição de Constantino Fernandes, para quem o “cumprimento das regras dos jogos e dos regulamentos das competições, é o sinal de prudência razoável que impede, geralmente, o nascimento da obrigação de indenizar”. FERNANDES, Constantino. O Direito e os Desportos: breve estudo do Direito Desportivo. Lisboa: Procural, 1946, p. 126. Aguiar Dias vai além, para sentenciar que “não pode dar lugar a ação de reparação o dano experimentado pelos participantes como mera conseqüência da aplicação das regras esportivas”. Op. cit., p. 345.

[32] TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; BODIN de MORAES, Maria Celina. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República – vol. I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 334..

[33] V., a propósito, Spiegelberg, que entende que nos desportos competitivos, de enfrentamento e naqueles em que há um risco bilateral de lesão, há um estreitamento da culpa, que fica circunscrita à culpa grave ou às situações dolosas suscetíveis de enquadramento na esfera penal. SPIEGELBERG, José Luiz Seoane. Responsabilidad Civil en el Deporte In: SÁNCHEZ, José Ignácio Alvarez. (org). Responsabilidad Civil Professional. Madrid: Consejo General del Poder Judicial. Cuadernos de Derecho Judicial. T. VII, 2003, p. 509.

[34] V. Giuseppe de Marzo, que considera não ser correto estabelecer-se um conceito autônomo de responsabilidade desportiva, já que não se aplicam in casu, normas e princípios diversos daqueles codificados e consolidados pela tradição.  DE MARZO, Giuseppe. Accettazione del rischio e Responsabilità Sportiva. In: Rivista di Diritto Sportivo, Milano, v. 44 nº 1, 1992, p. 26.

[35]  Assim, dentre outros, a lição de Venosa, ao observar que o risco criado “deve ser o denominador para o juiz definir a atividade de risco no caso concreto segundo o art. 927, parágrafo único, qual seja, a criação de um perigo para terceiros em geral”. VENOSA, Silvio Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 3ª ed, São Paulo, p. 17. Igualmente, Maria Helena Diniz, que ao comentar o preceito anota que “esta responsabilidade tem como fundamento a atividade exercida pelo agente, pelo perigo que pode causar dano à vida, à saúde ou a outros bens, criando risco de danos para terceiros”. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 56.

[36] Esta é a opinião de Sérgio Cavalieri Filho, que entende que a expressão legal “atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano” deve ser interpretada como “conduta reiterada, habitualmente exercida, organizada de forma profissional ou empresarial para realizar fins econômicos”. FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 182.

[37] Savatier parece pender pela aplicação da doutrina do “risco proveito” para responsabilizar os organizadores, ao considerar que deve ser apreciada mais severamente a responsabilidade daqueles que fazem do espetáculo desportivo uma fonte de lucro. Op. cit., p. 491. Por sua vez, Maria Helena Diniz parece insinuar-se pela aplicação da corrente do “risco criado”, ao atrelar a responsabilidade de indenização pelos danos decorrentes do exercício dos esportes, pelo fato de “pressupor certos perigos”. DINIZ, op. cit., p. 426. Por seu turno, Díaz Palácio, vincula a responsabilidade objetiva do organizador aos dois subsistemas teóricos da teoria do risco, ao asseverar que a “responsabilidade do organizador é objetiva, em primeiro lugar, porque dado que é ele quem obtém as vantagens econômicas, devendo também suportar as perdas e em segundo lugar, porque muitos dos espetáculos públicos que se organizam, sobretudo os desportivos, aumentam a possibilidade de que se produzam danos, os quais deverá ele suportar.” PALACIO, Eugenia Díaz. Daños causados en espectáculos deportivos. Régimen de responsabilidades. In: GHERSI, op. cit., p. 71. (tradução nossa).

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