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Aspectos legais do PROFUT

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mar
11

profutASPECTOS LEGAIS DO PROFUT

Martinho Neves Miranda[1]

 

  1. CONTEXTUALIZAÇÃO; 2. OS PROBLEMAS DA GOVERNANÇA CORPORATIVA NAS ENTIDADES DESPORTIVAS; 3. OS INTERESSES A SEREM PROTEGIDOS E A NECESSIDADE DE CONTROLE EXTERNO ESTATAL. 4. PANORAMA DA LEI DO PROFUT 4.1 QUEM PODE PARTICIPAR? 4.2 QUAIS AS DÍVIDAS QUE PODEM SER PARCELADAS? 4.3 ADESÃO E MANUTENÇÃO; 5. OS ERROS E ACERTOS DO PROFUT; 6. APFUT: UM TIME DE DÚVIDAS 7. CONCLUSÕES; 8. BIBLIOGRAFIA

 

  1. CONTEXTUALIZAÇÃO

A Lei nº 9.615/98, comumente denominada Lei Pelé, em apenas 18 anos de existência, teve quase 80 % dos seus artigos modificados ou revogados por 9 leis ( uma cada dois anos em média) que a descaracterizaram totalmente e dela fizeram uma autêntica colcha de retalhos.

Boa parte dessas mudanças teve por objeto a forma de administração das entidades desportivas, envolvidas em esquemas de corrupção, gestão temerária, sonegação fiscal dentre outras irregularidades, que só fizeram com que o esporte brasileiro continuasse patinando sem resultados que demonstrassem a força e a grandeza de nosso país.

Mas a maioria esmagadora dessas normas da Lei Pelé tem se mostrado ineficaz e a pergunta que se faz é: Porque um número enorme de regras que prega a governança corporativa nos clubes e federações não se mostrou eficaz?

A resposta é simples: por falta de fiscalização. E essa carência de controle é uma decorrência de um erro de interpretação do art. 217 da Constituição federal, em que muitos alardeiam que a autonomia constitucional das entidades desportivas impede a fiscalização do Estado.

E isso faz lembrar as origens da democracia, cuja primeira manifestação se deu no ano 450 antes de cristo em Esparta, em que aprovação ou não das leis se dava pela quantidade de barulho que cada um dos lados, do “sim” ou do “não”, fizesse.

Parece que o mesmo ocorreu em relação ao art. 217 da Constituição Federal, pois o fato das entidades terem autonomia não significa que não tenham que se adequar a princípios e direitos fundamentais fixados pelo Estado, muito embora os adeptos do “não” tenham bastante força perante a mídia e poderes públicos para dizer o contrário.

Entretanto, basta ver que outras entidades gozam expressamente de autonomia no texto constitucional e nem por isso deixam de se submeter ao controle e vigilância do Estado.

As universidades, por exemplo, gozam expressamente de autonomia didático-científica na forma do art. 207 da Constituição, mas nem por isso, deixam de estar sujeitas à cassação da autorização de seu funcionamento em caso de avaliação governamental insatisfatória sobre sua atuação.

Os partidos políticos, por sua vez, também foram contemplados pelo texto constitucional com artigo semelhante ao que fora dedicado às entidades desportivas, precisamente no art. 17, parágrafo primeiro, que vai dizer que é assegurado aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura, organização e funcionamento.

Mas também os partidos estão sujeitos a terem o cancelamento do registro, caso tenham recebido recursos do exterior ou não tenham prestado contas à Justiça Eleitoral.

O mesmo ocorre com as instituições financeiras que podem sofrer intervenção do banco central em determinadas situações e etc, etc e etc.

Então, porque no esporte seria diferente?

Destaque-se a propósito, que recentemente o STF, numa ação direta de inconstitucionalidade proposta contra o Estatuto do Torcedor, decidiu de forma unânime o seguinte: sendo o esporte um direito do cidadão, a autonomia das entidades desportivas é mero instrumento para concretização deste bem jurídico protegido no ordenamento jurídico: o direito ao esporte digno e legítimo e que “nenhum direito, garantia ou prerrogativa ostenta caráter absoluto…” [2]

E estamos coincidentemente vivendo um momento muito peculiar, em que o mundo do esporte está em verdadeira ebulição com tantos escândalos de corrupção, com destaque para o escândalo da FIFA, com pelo menos três presidentes de confederações continentais envolvidos, inúmeros presidentes de confederações nacionais presos e indiciados, dentre outros.

Por outro lado, presenciamos o maior escândalo de corrupção por doping na Federação Internacional de Atletismo, em que testes positivos de atletas russos foram ocultados e que envolveram dirigentes e políticos do alto escalão do governo russo.

E agora mais recentemente a denúncia de manipulação de resultados no tênis mundial, em que tenistas top estariam perdendo de propósito suas partidas para beneficiar grupos de apostadores.

Mas porque o esporte atrai tanto esse tipo de gente e porque especialmente no Brasil nossos clubes estão falidos e o esporte olímpico nacional não decola?

Para responder a essa pergunta é interessante traçarmos um paralelo com uma tese proposta pelo naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck. Fora ele o primeiro a propor, no início do Século XIX, uma teoria de evolução biológica.

Para Lamarck, o ambiente faz com que os seres vivos moldem seus próprios órgãos para que se adaptem à nova realidade. Assim, por exemplo, a girafa teria tido seu pescoço aumentado pela necessidade de alcançar os ramos altos das árvores; o morcego, por sua vez, teria seus olhos atrofiados pela pouca exposição ao sol e etc[3].

Se sua teoria não explicou por completo o fenômeno da evolução das espécies, serviu pelo menos para compreender todo esse caos na gestão do esporte, pois o ambiente em que se movem as instituições desportivas constitui o ‘habitat’ propício para o cometimento de desvios, a começar pela forma de administração e controle  dessas entidades.

De fato, geridas em formato de associação sem fins lucrativos, elas atuam sem os controles internos e governamentais que seriam necessários para o volume de recursos que administram.

Mas o escândalo na FIFA, por exemplo, deixou claro que a inexistência de fins lucrativos passa bem longe dessas entidades, uma vez que não se sustentam apenas com a contribuição de seus associados.

Pelo contrário, elas operam no mundo dos negócios, alienando direitos de transmissão e realização de competições, que foi precisamente o cenário em que a maior parte dessas fraudes teria se operado.

E aqui chegamos na raiz de todos esses problemas: as organizações desportivas atuam em regime de monopólio, por serem as únicas detentoras de direitos de organização e de transmissão das modalidades que capitaneiam.

Reunidas aqui estão as condições perfeitas de temperatura e pressão para o cometimento de crimes e desvios de conduta. Sem fiscalização e com imenso poder monopolista, altos dirigentes do esporte vem se envolvendo em fraudes dos mais variados tipos.

Particularmente no caso da FIFA estamos diante de tema nem um pouco esportivo: uma violação ao direito antitruste, com menosprezo ao principio da livre concorrência.

Ora, como sabemos, quem atua sob regime de monopólio, seja lá o ramo de atividade que for, há de estar sujeito ao controle do Poder Público, a fim de impedir que entes monopolistas não abusem de sua “posição dominante”. E não foi por acaso que as investigações foram conduzidas pelos Estados Unidos,  já que é precisamente naquele país que as normas antitrustes surgiram através da Sherman Act, de 1890 e inspiraram todo o mundo a criarem leis que preservem a livre concorrência e impeçam a realização de fraudes no mercado.

Ademais, não se pode considerar que não exista interesse público quando cifras astronômicas estão envolvidas, pois onde há muito dinheiro, aumenta-se a possibilidade de que delitos de ordem financeira sejam praticados, como no doping dos atletas russos no atletismo ou no esquema de manipulação de resultados no tênis, citados anteriormente.

Por isso, estes episódios não podem servir apenas para fazer com que os culpados sejam punidos. Há que se criar regras de controle e mecanismos de fiscalização tanto no plano internacional quanto no direito interno de cada país.

Pois, como dizia Lamarck, “se os organismos progridem de acordo com o meio ambiente” e se nada for feito preventivamente, novos esquemas continuarão a criar Dráculas ou Franksteins de corrupção, ao invés de simples morcegos ou girafas…

E por falar em Dráculas e Franksteins, é de se enfatizar que a legislação brasileira criou um verdadeiro monstrengo jurídico na organização e administração dessas entidades. Isto porque, sabendo que de amador o futebol não tem nada, a lei 9615 (art. 27 Parágrafo 13) equipara as atividades profissionais desenvolvidas pelas entidades desportivas às sociedades empresárias para todos os fins.

Para QUASE todos, ousa-se corrigir.

Tal se afirma, pois para ficar em cima do muro, a lei NÃO exige que se constituam como tal, criando um verdadeiro Frankenstein jurídico: entidades  desenvolvendo atividades empresariais, mas dirigidas por amadores…

Diante desse cenário,  qual executivo ou profissional qualificado irá abdicar de suas  atividades profissionais para se dedicar integral e  “filantropicamente” a uma entidade? Mas, o problema não para por aí,  pois ainda que se disponha, terá de encarar um processo eleitoral nem sempre transparente e igualitário.

Com estatutos alterados para atrapalhar opositores, colégios eleitorais dissimulados e escrutínios pouco confiáveis, certos dirigentes criaram a receita perfeita para impedir o surgimento de  boas e novas lideranças.

Assim, vivendo praticamente sem leis nem fiscalização do Estado, que lava as mãos como Pilatos no credo, o esporte de nosso país habita numa autêntica terra de Marlboro: um ambiente fértil para atrair dirigentes com fins menos altruísticos…

Há que se introduzir uma nova “MENTALIDADE” na gestão do futebol brasileiro, o que exige naturalmente a presença de “NOVAS MENTES” no poder.

Mas para que isso aconteça, são necessários 3 ingredientes  incomuns no esporte brasileiro: PROFISSIONALISMO, DEMOCRACIA e TRANSPARÊNCIA. Estes ingredientes somados levam ao padrão que se deseja: A GOVERNANÇA CORPORATIVA.

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  1. OS PROBLEMAS DA GOVERNANÇA CORPORATIVA NAS ENTIDADES DESPORTIVAS.

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Ivan Rocha leciona que o tema da governança corporativa “existe para tentar aumentar as garantias de que os interesses de um grupo de pessoas serão verdadeiramente satisfeitos mediante uma pessoa jurídica, administrada por outro grupo de pessoas”.[4]

Tais garantias se dão basicamente por mecanismos de transparência, responsabilidade administrativa, democracia interna e fiscalização. Conforme já dito, a Lei nº 9.615/98 criou diversas práticas relacionadas aos três primeiros institutos. Em que pese o esforço do legislador, suas iniciativas não surtiram o efeito desejado, uma vez que justamente no quesito da fiscalização não houve inovação.

Com efeito, o conservadorismo do legislador fez com que se mantivesse nos órgãos internos de controle das próprias entidades desportivas a responsabilidade pela aferição das boas práticas de gestão, o que se mostrou completamente ineficaz.

Há duas razões principais para que isso tenha acontecido: desqualificação dos seus integrantes e o amadorismo presente no exercício da função.

Com relação à primeira, é bem de ver que, por serem as entidades desportivas em sua maioria, associações sem fins lucrativos, os seus associados predominantemente não possuem a expertise necessária para a realização das tarefas de controle.

No que toca à segunda, tem-se que a inexistência de uma remuneração aos responsáveis pelo exercício do controle interno é um grande limitador para o granjeio de nomes qualificados, pois sem uma contraprestação, serão poucas as chances de  que um profissional qualificado deixe suas atividades laborativas para se dedicar a uma função gratuita e que por certo exigirá por parte deste um grande tempo de trabalho.

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  1. OS INTERESSES A SEREM PROTEGIDOS E A NECESSIDADE DE CONTROLE EXTERNO ESTATAL

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Voltando ao conceito apresentado sobre governança corporativa no tópico anterior, nota-se que esta prática tem por objetivo proteger interesses de grupos de pessoas que são administradas por outras.

Exsurge a noção da teoria da agência, que se pega emprestado do direito empresarial, vez que as empresas que antes estavam  nas  mãos  do proprietário,  o qual  também  detinha  a  administração  da  empresa,  agora  se deparam  com  a  separação  das  funções  de  proprietário  e  de  administrador.  A partir do momento em que surgem dois titulares dentro da entidade, surge o problema de se adequar as decisões tomadas pelo administrador com as necessidades do acionista.

Transportando essa ideia para a administração esportiva, abre-se espaço para uma indagação: quais são os interessados na gestão responsável de uma entidade desportiva?

Num primeiro plano, os associados, constituindo-se assim num direito coletivo, ou seja, um direito transindividual de pessoas ligadas por uma relação jurídica base entre si ou com a parte contrária, que vem a ser o vínculo associativo, sendo seus sujeitos indeterminados, porém determináveis.

Entretanto, a gama de pessoas interessadas não para por aí. No esporte é difícil identificar esse grupo de pessoas, uma vez que não se limita aos associados, ou seja, àqueles que possuam um vínculo formal com a instituição. Clubes de futebol, por exemplo, possuem quadro associativo irrisório se comparado aos seus torcedores, que atingem, em algumas entidades, a casa de milhões de pessoas.

Essa situação aproxima-se do conceito de interesses difusos, que compreende um grupo, classe ou categoria indeterminável de pessoas, que são reunidas entre si pela mesma situação de fato.

Neste sentido, vem a calhar o ensinamento de Celso Bastos[5] que tipifica o interesse da sociedade em torno das competições desportivas como autêntico interesse difuso, vez que as atividades ali desenvolvidas interessam a uma gama indeterminada de pessoas.

Neste tipo de situação é perceptível que se deixar à iniciativa individual a tutela de tais interesses é algo fadado ao insucesso, pois quando há interesses de muitos envolvidos, há o paradoxo de não se quantificar o direito de quem quer que seja: Direito de muitos  = direito de ninguém. Relevante é a frase de Cappelletti, ao dizer que se trata de interesses à procura de um autor.[6]

Por esse motivo, verifica-se um nítido deslocamento da fiscalização quando se trata de interesse difuso ou coletivo. Basta analisar que todos esses interesses podem ser defendidos em juízo por meio de ação civil pública ou coletiva, por um dos legitimados ativos da Lei n. 7.347/85, como o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados-membros, os Municípios, o Distrito Federal, as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as fundações, as associações civis etc. (Lei da Ação Civil Pública, art. 5º) ou da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor, art. 82).

Mas além de abrangerem o interesse coletivo e difuso, as organizações desportivas atuam em seara de interesse público, vez que o próprio legislador enquadrou tal atividade no rol daquelas que integram o patrimônio cultural brasileiro.

Já se teve a oportunidade de dizer que:

[…] importa considerar que a prática do desporto, tal como qualquer outra atividade relevante para a sociedade, deve ser acompanhada de perto pelos poderes públicos a fim de impedir que comprometa a ordem geral e a paz social, preservando-se, dessa forma, o bem comum.

Particularmente no âmbito desportivo deve ser dedicada especial atenção pela autoridade pública em relação ao funcionamento das entidades organizadoras e de prática, haja vista o envolvimento do enorme interesse popular em relação a esse assunto e que é facilmente comprovado pelo espaço generosamente reservado pela mídia aos acontecimentos desportivos.

É com este intuito que o legislador brasileiro, através do art. 4º, §2º, da Lei nº 9.615/98, malgrado reconhecer que a organização desportiva do País encontra-se fundada na liberdade de associação, declarou que ela integra o patrimônio cultural brasileiro, considerando-a de elevado interesse social, inclusive para os fins da Lei Complementar nº75/93, que minudencia os assuntos que devem sofrer a devida vigilância por parte do Ministério Público.

Muito feliz foi  o  legislador  ao  fazer  integrar  a  organização desportiva brasileira no patrimônio cultural da nação, pois o destino de agremiações seculares não interessa apenas e tão somente aos seus diretores e associados, ou seja, àqueles  que  possuem  um  vínculo  jurídico  com  a  instituição,  mas à  sociedade  como  um  todo,  já  que  essas  grandes  marcas  do esporte estão a tal ponto entranhadas na cultura popular que não  podem,  por  desídia  ou  desonestidade  de  seus  gestores, simplesmente se deteriorar ou mesmo desaparecer.

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Não por acaso, é que o Estatuto do Torcedor apresenta um conceito    extremamente  amplo  ao  definir  o  torcedor, como “toda pessoa que aprecie, apóie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva”(art. 2º).

Portanto, quando se insere a organização desportiva no âmbito do patrimônio cultural brasileiro, está-se automaticamente trazendo o Estado para atuar nesse contexto pela dupla via do incentivo e da fiscalização, haja vista que a seção II, do capítulo III, do Título VIII da C.F. que cuida da questão cultural, confere ao Estado o papel tanto de estimulador dessas atividades, quanto de guardião do seu desenvolvimento, como forma de preservar a solidez de sua estrutura. [7]

O PROFUT é apregoado como uma tentativa de se encaminhar o tratamento do tema neste sentido. Mas será que o modelo adotado foi o correto?

É o que se tentará analisar a seguir.

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4.PANORAMA DA LEI DO PROFUT

O Profut – programa de modernização da gestão e de responsabilidade fiscal do futebol brasileiro – é, sem dúvidas, um avanço. Porém, possui o mesmo pecado da antiga “Timemania” loteria idealizada com o suposto objetivo de ajudar os clubes, mas que se transformou numa mera fórmula criada pela União para receber os seus créditos, que estavam se tornando absolutamente impagáveis em virtude do alto valor que atingiram.

Como a consequência natural seria a penhora e alienação de sedes sociais e estádios, levando à ruina agremiações centenárias e de grande apelo popular – o que era inviável politicamente -,  criou-se um concurso de prognósticos com a esperança de que fosse capaz de arrecadar verbas para o governo federal.

O objetivo real do Profut não foge muito dessa diretriz da “Timemania”, uma vez que é voltado precipuamente para recuperar os créditos da União com essas entidades. Para tanto se estabeleceram prazos de parcelamento, com práticas saudáveis de governança corporativa. Em resumo, eis o panorama de aplicação da Lei nº13.155/15.

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4.1 QUEM PODE PARTICIPAR?

Entidades de prática, profissionais ou não, federações e confederações.

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4.2 QUAIS AS DÍVIDAS QUE PODEM SER PARCELADAS?

Essencialmente dívidas com a União em até 240 parcelas, com redução de 70% das multas, 40% dos juros e de 100% dos encargos legais. Também poderão ser parceladas dividas relativas ao FGTS e às contribuições previstas na Lei Complementar nº110, em até 180 prestações mensais. Todas, entretanto, só podem se referir a fatos geradores ocorridos até a data de publicação da Lei, sendo que o requerimento implica confissão irrevogável e irretratável dos débitos a serem parcelados.

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4.3 ADESÃO E MANUTENÇÃO

A lei criou exigências para adesão e manutenção no Programa, ou seja, não basta adimplir com as obrigações por ela impostas para que se beneficie do parcelamento. Há que se manter uma gestão responsável e equilibrada dos recursos e gastos de maneira a permitir que as entidades tenham fôlego suficiente para pagar suas dívidas com o governo. Esse foi o grande avanço da lei.

Esta novidade é o resultado do fracasso da “Timemania”. O fato de ser destinada a verba da Loteria para o abatimento das dívidas não se mostrou suficiente para o adimplemento das obrigações com o governo, pois além dos valores arrecadados terem sido insuficientes, os clubes continuaram a não pagar suas dívidas.

No ano de 2006, quando do lançamento da “Timemania”, teve-se a oportunidade de vaticinar:

“Infelizmente a Timemania é apenas mais uma medida paliativa, já que soluciona somente as dívidas atuais com a União, tendo-se desperdiçado oportunidade histórica de se preverem mecanismos de controle, impedindo novos desmandos na administração dos clubes, o que por certo nos levará a enfrentar esse problema novamente em futuro não muito distante…”[8]

O futuro chegou antes do que se imaginava: menos de 10 anos depois o governo federal concluiu que sua iniciativa de criar a loteria foi insuficiente e criou várias regras para que as entidades se mantenham no programa de refinanciamento.

Destaca-se a seguir os mais importantes requisitos de manutenção, que combinam elementos extremamente heterogêneos, que vão desde a alteração de estatutos até a redução de dívidas:

I – regularidade das obrigações trabalhistas e tributárias federais, vencidas a partir da data de publicação da lei;

II – mandato de cargos eletivos até 4 anos, com uma reeleição;

III – proibição de antecipação de receitas pós-mandato;

IV- redução do déficit;

V- publicação das demonstrações contábeis, incluindo principais receitas e despesas.

VI – cumprimento dos contratos e pagamento dos encargos de TODOS OS PROFISSIONAIS CONTRATADOS, referentes a salários, FGTS, contribuições previdenciárias, inclusive direito de imagem;

VII – custos com folha de pagamento e direitos de imagem de atletas NÃO SUPEREM 80% da receita bruta anual das atividades do futebol profissional.

 

  1. OS ERROS E ACERTOS DO PROFUT

A criação do Profut trouxe consigo a vantagem de prever a existência de mecanismos de transparência e responsabilidade fiscal, além de terem sido fixadas regras de controle e redução do déficit, equiparando de certa forma, neste particular, esta lei com a lei 101/00, intitulada lei de responsabilidade fiscal, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal dos entes estatais.

Outra vantagem foi a criação de um sistema de sanções importantes destinadas às agremiações que descumpram as regras de manutenção, destacando-se a possibilidade de rebaixamento no campeonato, bem como a vedação de registro de novos atletas.

Mas o gol de placa da lei ficou por conta de seu capítulo III, o qual, combinado com o art. 44, definiu os casos de gestão temerária nas entidades desportivas, estendendo a sua aplicação a TODAS aquelas que integrem o sistema nacional e não apenas aos aderentes ao Profut.

É digno de aplauso também o fato de fixar limites de déficits, impedir antecipação ou comprometimento de receitas e prever punições a dirigentes que não cumpram com suas obrigações.

Mas os acertos param por aí.

Há basicamente três grandes equívocos no Profut e que põem em xeque a ideia de colocar as organizações desportivas na linha da gestão responsável.

O primeiro é estrutural e uma decorrência do equivoco na interpretação e aplicação do art. 217, inciso I, da Constituição, uma vez que as regras de governança corporativa, à exceção do capítulo III da aludida lei conforme citado acima, só se aplicam a quem  aderir, o que cria uma desigualdade no cenário nacional, pois permitirá que uns clubes possam gastar irresponsavelmente em detrimento de outros. Além do mais, o fato de que um clube não deva hoje aos cofres públicos não significa que não estará falido amanhã.

O erro é grave, pois se parte do princípio de que o Estado só pode criar regras de controle e transparência para os entes que sejam seus devedores, o que lhe daria o “direito” de atenuar a autonomia das entidades desportivas e disciplinar mais a fundo o seu exercício.

Repete-se o mesmo equívoco que fizemos sentir na contextualização do tema, uma vez que a pedra de toque para a fixação de tais regras não deve se dar pelo fato de que alguém deva tributos, mas se a atividade envolve ou não interesse público, o que no caso da organização do esporte está mais do evidenciado que sim, pois a própria Constituição e a Lei nº9615/98 apontam neste sentido. [9]

O segundo equívoco está visível pelo fato de que a lei exige apenas uma “Responsabilidade fiscal parcial”, ou seja, exige apenas o adimplemento de tributos federais e obrigações trabalhistas. Isto cria um regime “capenga”, deixando de fora tributos estaduais, municipais, dívidas com fornecedores, prestadores de serviço e etc.

O terceiro e o pior de todos é a forma caótica com que a  lei nº 13.155 criou os mecanismos de fiscalização e sanção no programa do Profut, potencializando uma série de problemas no horizonte.

Com efeito, foi criada a APFUT – Autoridade Pública de Governança do Futebol – que meramente fiscaliza o cumprimento das obrigações dos clubes, sem qualquer poder sancionatório. Entretanto, quem tem o grande poder coercitivo são as federações, que terão a prerrogativa de aplicar as penas de rebaixamento e impedir o registro de contratos.

O disparate é grande. Ao mesmo tempo em que se defende a autonomia das entidades, foram dadas às federações funções de fiscais do governo, exercendo um serviço público por delegação legislativa. Mas as federações não são autônomas?

Por outro lado o trabalho da APFUT é aleatório, ou seja, não se previu um procedimento rotineiro de controle, mas apenas um sistema de fiscalização por ofício ou mediante provocação de algumas entidades externas, legitimadas pela lei.

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  1. APFUT: UM TIME DE DÚVIDAS

Expõe-se a seguir o disparate e os problemas que poderão advir no futuro, bem como certas perplexidades a respeito da constitucionalidade de certas disposições, sob a forma de 11 perguntas – um time de futebol – que parecem ser de difícil resposta:

1- Por não haver vínculo de subordinação entre a APFUT e as federações, estas são obrigadas a aplicar as punições indicadas pela primeira?

2- Por essa mesma razão, se a federação aplicar uma sanção injusta ou não aplicar a sanção devida, a APFUT poderá revogar o ato ou intervir para que a penalidade seja aplicada?

3- Caso não possa ao que parece, haja vista a inexistência de vínculo,  a saída será a judicialização do conflito, com a possibilidade de paralisação de campeonatos, já que foi expressamente excluída pela lei a competência da Justiça Desportiva?

4- Se a Lei diz que o máximo que a APFUT poderá fazer é comunicar à autoridade responsável para cancelar o parcelamento, quem irá notificar a federação para aplicar as sanções desportivas competentes?

5- As competências atribuídas pela lei às federações são compatíveis com as atribuições previstas em seus estatutos?

6- Sendo a fiscalização tributária atividade exclusiva do Estado, a ser exercida unicamente por servidores de carreira, à luz do art. 37, XXII, da CF, podem as federações exercer tais funções por outorga mediante lei ordinária?

7- A delegação de uma tarefa pública a uma entidade privada, por implicar no aumento de atribuições e gastos sem a correspondente fixação de uma fonte de custeio, está de acordo com os princípios constitucionais da livre iniciativa e da liberdade econômica?

8 – Tendo em vista que a lei prevê que a APFUT deverá ser composta, dentre outros membros, por atletas, treinadores e árbitros,  seriam estes profissionais são capazes de exercer a fiscalização financeira,  tributária e contábil e velar para que as entidades desportivas observem os princípios de governança corporativa?

9- Se a APFUT só atuará de oficio ou mediante denúncia,  está correto dizer, sob o prisma dos princípios constitucionais da igualdade, da eficiência e moralidade administrativa, que nem todas as entidades serão fiscalizadas?

10- Se as federações também podem ser beneficiárias do Profut, como elas poderão ser, ao mesmo tempo, entidades fiscalizadoras e fiscalizadas? Neste caso quem irá aplicar as sanções às federações? E que tipos de sanções desportivas poderão lhes ser aplicadas, se as sanções previstas se destinam aos clubes?

11- Se a lei do Profut só exige o cumprimento das obrigações trabalhistas e tributárias federais, a União não estaria promovendo espécie de guerra fiscal que viola o art. 151 e seguintes da CF, que proíbem a União de promover, entre as entidades da federação, tratamento desigual no exercício de sua competência tributária, na medida em que estimula as entidades a honrarem os tributos federais em detrimento dos demais?

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  1. 7. CONCLUSÕES

Os problemas advindos da estrutura de aplicação do Profut, sugerem estarmos diante de um “bolero de Ravel”, uma vez que se volta ao mesmo ponto: o conteúdo do princípio da autonomia das entidades desportivas. Todos os equívocos existentes na Lei nº 13.155/15 decorrem de uma errônea compreensão sobre os limites de seu conceito.

A autonomia não pode implicar em exclusão das entidades desportivas do regime jurídico geral posto pelo Estado, como se o desporto fosse absolutamente alheio à sua esfera de competência.

Com efeito, há que se afastar a tendência do movimento desportivo em se colocar à margem do ordenamento estatal, atitude esta denominada por Cazorla Prieto como “complexo de ilha”[10], pois o desporto é um fenômeno que se produz dentro da sociedade, estando forçosamente incorporado às suas normas sociais, econômicas e jurídicas.

A inclusão do desporto no contexto jurídico estatal é de capital importância para salvaguardar não apenas os direitos e liberdades fundamentais dos membros que compõem o grupamento, como também para disciplinar as relações que o ordenamento desportivo venha a travar com terceiros.

Aliás, a autonomia, tal como reconhecida pelo ordenamento público, pressupõe a proeminência deste em relação ao movimento desportivo organizado, já que o reconhecimento e a garantia do exercício da atividade pelo Estado pressupõem a sujeição dessas entidades ao ordenamento estatal para que possa adquirir validade.

Dissecando o art. 217, inciso I, pode-se ver que a autonomia organizacional corresponde à faculdade outorgada às associações de criarem os seus próprios órgãos e poderes administrativos, escolher seus dirigentes, funcionários, realizar contratações etc,  enquanto que a autonomia para funcionamento, segundo Dardeau de Carvalho[11] é a própria prática do desporto para a qual as entidades foram instituídas e organizadas.

O equacionamento dos problemas apontados se daria com a adoção de duas posturas republicanas:

1- Previsão de um mecanismo regular e ordinário de controle a ser feito de forma paralela ao exercício dos atos de gestão, com a criação de um órgão próprio e específico para realizar esse acompanhamento, na figura jurídica de uma agência  reguladora  do esporte,  a  funcionar  nos  mesmos  moldes   que  as  demais existentes  para  outros  setores  da  atividade  humana. Essa agência ficaria  responsável,  por  exemplo,  por  fiscalizar  todos  os  aspectos  voltados  à  atividade  econômica  das  entidades, devedoras do fisco ou não;

2- Criação de um mecanismo de “Reconhecimento”, muito comum em vários países da Europa, em que as entidades de organização do desporto, para que possam exercer essa função, deveriam obter do governo a concessão de um título de “pessoa jurídica de utilidade pública desportiva”, instrumento que permitiria a delegação de competência para o exercício de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública, bem como a percepção de diversos benefícios estatais.

Apesar de não serem pessoas de personalidade pública as federações desportivas exerceriam, por delegação, funções públicas de caráter administrativo, atuando, nesses casos, como agentes colaboradores da administração pública.

Não haveria qualquer violação à sua autonomia, nos moldes do que significa o seu conceito conforme vimos acima, mas a legitimação do exercício de uma atividade que inegavelmente desperta interesse de toda a coletividade.

Quem sabe se daqui a dez anos não despertaremos para essa necessidade, a exemplo da evolução que aconteceu dez anos depois da criação da Timemania?

Quem viver, verá.

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  8. BIBLIOGRAFIA

BASTOS Celso. Justiça desportiva e defesa da ordem jurídica. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, vol. 6, n º25, p. 269, out./dez. 1998.

CAPPELLETTI, M. Vindicating the public interest through the courts: A Compativist’s contribution. In CAPPELLETTI, M. e GARTH, B. Acess to Justice, Vol. III – Emerging issues and perspectives. Milão: Dott. A. Giuffré Editore, 1979.

CARVALHO, Alcírio Dardeau de. Comentários à Lei sobre Desportos: lei nº9615 de 24 de março de 1998. Rio de Janeiro: Destaque, 2000.

LAMARCK, Jean-Baptiste. Expostition des considérations relatives à l’historire naturelle des animaux. Paris: Museum d’Histoire Naturelle,1809.

MIRANDA, Martinho Neves. O Direito no Desporto. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

________________________. Timemania: a nova mania de iludir o torcedor. Disponível em: http://extra.globo.com/esporte/gilmar-ferreira/timemania-nova-mania-de-iludir-torcedor-412610.html#ixzz4AuVie3Y3. Acesso em 08 de junho de 2016.

PRIETO, Luis Maria Cazorla. Derecho Del Deporte. Madrid: Tecnos, 1992.

ROCHA, Ivan Barreto de Lima. Governança em entidades desportivas: relevância e desafios. Direito Desportivo e Esporte- Temas selecionados- volume IV. IDDBA & IMDD. Editora dois de julho. Salvador. 2012.

[1] Advogado; Procurador do Município do Rio de Janeiro; Membro da Comissão de Estudos Jurídicos do Ministério do Esporte; Mestre em Direito pela UNESA; Coordenador Acadêmico da Universidade Mackenzie/RJ; Professor de Direito Desportivo das Faculdades Integradas Hélio Alonso; Autor do livro “O Direito no Desporto”. Ed. Lumen Juris, 2007.

[2] “Ação direta proposta contra a validez constitucional do Estatuto do Torcedor (…). No que tange à autonomia das entidades desportivas, ao direito de livre associação e à não intervenção estatal, tampouco assiste razão ao requerente. Seria até desnecessário a respeito, mas faço-o por excesso de zelo, relembrar a velhíssima e aturada lição de que nenhum direito, garantia ou prerrogativa ostenta caráter absoluto. (…) Tem-se a alegação de ofensa aos incisos XVII e XVIII do art. 5º da CR, sob desavisada asserção de que ‘a autonomia desportiva (art. 217, I), diferentemente da mencionada autonomia universitária, não tem qualquer condicionante nos princípios e normas da Carta Política, do mesmo modo que inexiste qualquer limitação insculpida no corpo normativo da CF’ (…). Penso se deva conceber o esporte como direito individual, não se me afigurando viável interpretar o caput do art. 217 – que consagra o direito de cada um ao esporte – à margem e com abstração do inciso I, onde consta a autonomia das entidades desportivas. Ora, na medida em que se define e compreende como objeto de direito do cidadão, o esporte emerge aí, com nitidez, na condição de bem jurídico tutelado pelo ordenamento, em relação ao qual a autonomia das entidades é mero instrumento de concretização, que, como tal, se sujeita àquele primado normativo. A previsão do direito ao esporte é preceito fundador, em vista de cuja realização histórica se justifica a autonomia das entidades dirigentes e associações, quanto à sua organização e funcionamento. Logo, é imprescindível ter-se em conta, na análise das cláusulas impugnadas, a legitimidade da imposição de limitações a essa autonomia desportiva, não, como sustenta o requerente, em razão de submissão dela à ‘legislação infraconstitucional’ (…), mas como exigência do prestígio e da garantia do direito ao desporto, constitucionalmente reconhecido (art. 217, caput). O esporte é, aliás, um entre vários e relevantes direitos em jogo. As disposições do estatuto homenageiam, inter alia, o direito do cidadão à vida, à integridade e incolumidade física e moral, inerentes à dignidade da pessoa humana, à defesa de sua condição de consumidor, ao lazer e à segurança. […].” (ADI 2.937, voto do rel. min. Cezar Peluso, julgamento em 23-2-2012, Plenário, DJE de 29-5-2012.)” Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigobd.asp?item=%201959. Acesso em 11 de junho de 2016. (grifou-se).

[3] LAMARCK, Jean-Baptiste. Expostition des considérations relatives à l’historire naturelle des animaux. Paris: Museum d’Histoire Naturelle,1809, passim.

[4] ROCHA, Ivan Barreto de Lima. Governança em entidades desportivas: relevância e desafios. Direito Desportivo e Esporte- Temas selecionados- volume IV. IDDBA & IMDD. Editora dois de julho: Salvador. 2012, p. 87

[5] BASTOS Celso. Justiça desportiva e defesa da ordem jurídica. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, vol. 6, n º25, p. 269, out./dez. 1998, p. 269.

[6] CAPPELLETTI, M. Vindicating the public interest through the courts: A Compativist’s contribution. In CAPPELLETTI, M. e GARTH, B. Acess to Justice, Vol. III – Emerging issues and perspectives. Milão: Dott. A. Giuffré Editore, 1979.

[7] MIRANDA, Martinho Neves. O Direito no Desporto. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 87.

[8] MIRANDA. Martinho Neves. Timemania: a nova mania de iludir o torcedor. Disponível em: http://extra.globo.com/esporte/gilmar-ferreira/timemania-nova-mania-de-iludir-torcedor-412610.html#ixzz4AuVie3Y3. Acesso em 08 de junho de 2016.

[9]      Cai como luva bem ajustada a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Ordinário em MS nº 17.562 – MG (2003/0223976-0) Rel. Min. Felix Fischer, que discutiu a respeito da possibilidade ou não de afastamento dos dirigentes da Federação Mineira de Futebol, em razão de a mesma constituir-se em sociedade civil de direito privado, tendo sido alegado pelos impetrantes que a mesma goza de autonomia constitucional, o que vedaria a interferência estatal em seu funcionamento.

       Extrai-se do v. acórdão importante trecho em que se discute esta questão:

       “……………………………………………………………………………………

       Quanto a esse primeiro aspecto, a quaestio restou muito bem analisada pelo Membro do Parquet local, verbis:

       ‘Primeiramente deve-se atentar para o fato de que o patrimônio cultural e social brasileiro, de interesse de toda a sociedade, é bem juridicamente protegido a nível constitucional. Diversas são as passagens constitucionais que asseguram garantias, princípios e mecanismos de sua proteção, podendo ser citados, a título meramente exemplificativo, o disposto nos artigos 23, inciso III, 129, inciso III, 216 e 216 da Carta Magna.

       A propósito, muito bem lançadas as informações prestadas pelo Exmº Juízo apontado como coatora (folhas 125/133), ao ressaltar que, nos termos da Lei Federal 9615/98, a organização desportiva no País, fundada na liberdade de associação, integra o patrimônio cultural brasileiro e é considerada de elevado interesse social.

       A questão principal é exatamente essa: por se tratar de uma pessoa jurídica de caráter privado, podem os administradores das entidades desportivas invocarem direito a não serem fiscalizados pelo poder público?

       Tratando-se de tema relacionado ao patrimônio cultural da nação, a resposta evidentemente é negativa.

       Portanto, as instituições de direito privado que pratiquem ações relacionadas ao patrimônio cultural do país se sujeitam à fiscalização pelo poder público.

       No caso sob exame, são absolutamente consistentes os indícios da constituição de uma organização criminosa no âmbito da Federação Mineira de Futebol, para fins da prática de toda a sorte de operações visando dilapidar seu patrimônio e propiciar o enriquecimento ilícito de vários de seus dirigentes, aí se incluindo os impetrantes.’

       …………………………………………………………………………………………………………………….” (grifou-se)

[10] PRIETO, Luis Maria Cazorla. Derecho Del Deporte. Madrid: Tecnos, 1992, p.30.

[11] CARVALHO, Alcírio Dardeau de. Comentários à Lei sobre Desportos: lei nº9615 de 24 de março de 1998. Rio de Janeiro: Destaque, 2000, p.10.

COMPLIANCE DESPORTIVO

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ago
17

A OAB de Santa Catarina promoverá evento sobre Compliance desportivo, no dia 25 de agosto de 2016, às 19h no AUDITÓRIO DA SUBSEÇÃO DA OAB BALNEÁRIO CAMBORIÚ, Endereço: Rua 916 n.º 612 – CEP : 88330-570.

O evento contará com a presença de Martinho Neves Miranda,  Procurador do Município do Rio de Janeiro e de Rodrigo Bayer,  Procurador Jurídico do CREA/SC.

Para saber mais informações sobre a inscrição, acesse aqui 

A corrupção no esporte

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jul
12

jornal

A FIFA O FBI E O MONSTRO DA CORRUPÇÂO: NÂO BASTA PUNIR

O escândalo do tamanho de um monstro.E dessa vez sem mitologias,folclores ou lendas. As acusações feitas pelo FBI contra vários dirigentes da FIFA, deram as cores de um esquema de corrupção aterrorizante e extremamente voraz pelo vil metal que já escravizou tantas gerações.

Mas poucos estão atentos para o fato de que, tão importante quanto punir, será agir para que isto não volte a acontecer.

Para isto, fundamental se torna averiguar as condições que levaram à eclosão desse esquema denunciado pelo FBI e que vem deixando atônita a comunidade internacional.

O naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck, foi o primeiro a propor, no início do Século XIX, uma teoria de evolução biológica.

Dizia ele, que o ambiente faz com que os seres vivos moldem seus próprios órgãos para que se adaptem a  essa realidade. Assim, por exemplo, a girafa teve seu pescoço aumentado pela necessidade de alcançar os ramos altos das árvores; o morcego teve seus olhos atrofiados pela pouca exposição ao sol e etc.

Se sua teoria não explicou por completo o fenômeno da evolução das espécies, serve bem para compreender o escândalo da FIFA, pois o ambiente em que se movem as instituições desportivas, constituem o ‘habitat’ propício para o cometimento de desvios, a começar pela forma de administração e controle  dessas entidades.

De fato, geridas em formato de associação sem fins lucrativos, elas atuam sem os controles internos e governamentais que são próprios das sociedades empresárias.

Mas o escândalo na FIFA deixou claro que a inexistência de fins lucrativos passa bem longe dessas entidades,  pois além de não se sustentarem com a contribuição de seus associados, elas operam no mundo dos negócios, alienando direitos de transmissão e realização de competições, que foi precisamente o cenário em que as fraudes teriam se operado.

A universalização do esporte é outro elemento relevante para dificultar uma fiscalização, pois cada país tem sua própria legislação e limites territoriais para agir e sem uma normalização internacional, fica difícil combater tantas irregularidades.

Basta ver que o regime do passe do jogador de futebol só se encerrou com uma decisão de âmbito internacional,  proferida pelo Tribunal de Justiça da União Européia no célebre caso “bosman”, produzindo efeitos perante o velho continente, acabando por repercutir por todo o mundo.

O terceiro e talvez o maior dos problemas seja o fato de que as federações desportivas atuam em autêntico regime de monopólio.

Com efeito, as federações desportivas internacionais atribuíram a si próprias poderes exclusivos de organização e regulamentação da modalidade que representam no plano mundial.

Por sua vez, elas se valem de um único interlocutor por continente e para cada país individualmente, que passaram a deter direitos exclusivos para organizar sua modalidade nesses espaços geográficos.

Ou seja, o esporte atua sob regime de monopólio tanto nacional quanto internacionalmente.

O ambiente é,  portanto, propício para dar ensejo ao que ocorreu: sem fiscalização e com imenso poder monopolista, altos dirigentes, de acordo com o FBI, teriam se envolvido em fraudes na concessão de direitos cuja titularidade exclusiva  é da FIFA ou de suas filiadas.

Caso sejam confirmadas as acusações do FBI estar-se-á, portanto, diante de tema nem um pouco esportivo: uma violação ao direito antitruste, com menosprezo ao principio da livre concorrência.

E esse escândalo traz uma pá de cal para o velho e revelho argumento de que essas entidades não devem ser fiscalizadas pelo Estado “por serem autônomas e por ser o esporte um assunto eminentemente privado”.

Objeção nada mais que ultrapassada, pois além de que de esporte isso não tem nada, quem  atua sob regime de monopólio há de estar sujeito ao controle do Poder Público, a fim de impedir que entes monopolistas não abusem de sua “posição dominante”.

E não foi por acaso que as investigações foram conduzidas pelos Estados Unidos,  já que é precisamente naquele país que as normas antitrustes surgiram através da Sherman Act, de 1890 e inspiraram todo o mundo a criarem leis que preservem a livre concorrência e impeçam a realização de fraudes ao mercado.

Ademais, não se pode considerar que não exista interesse público quando cifras astronômicas estão envolvidas, pois onde há muito dinheiro, aumenta-se a possibilidade de que delitos de ordem financeira sejam praticados.

Por isso,   este episódio não pode servir apenas para fazer com que os culpados sejam punidos. Há que se criar regras de controle e mecanismos de fiscalização tanto no plano internacional quanto no direito interno de cada país.

Pois, como dizia Lamarck, “se os organismos progridem de acordo com o meio ambiente” e se nada for feito preventivamente, novos esquemas  continuarão a criar Dráculas ou Franksteins de corrupção, ao invés de  simples morcegos ou girafas…