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O patrocínio no esporte

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maio
30

Artigo originalmente publicado no site Jornal O Girassol.

O desporto adquiriu grande importância nas últimas décadas, tanto na questão relativa à sua prática, quanto no que diz respeito ao acompanhamento dos eventos esportivos pelo público, seja através de veiculação propiciada pelos meios de comunicação, seja por intermédio de presença direta na platéia dos espetáculos.

O interesse despertado pelo público atraiu os olhares dos profissionais ligados ao ramo do marketing, que passaram a encarar o desporto como um poderoso veículo de difusão de suas marcas, de molde a valorizá-las, com vistas a um incremento das vendas de seus produtos.

Com efeito, o mecanismo publicitário nos eventos desportivos passou a produzir efeitos benéficos para os anunciantes, na medida em que as mensagens passaram a ser associadas a valores que apenas a atividade desportiva pode proporcionar como solidariedade, saúde, ideal de vitórias, e etc.

Além disso, os institutos de pesquisa já tiveram oportunidade de avaliar que o desporto, considerado sob o prisma de indústria de entretenimento, encontra-se atrelado a grandes audiências, tornando-se desta feita, poderoso veículo propagador das marcas de seus patrocinadores.

No final da década de 70, a empresa de águas minerais Perrier encomendou uma pesquisa nos Estados Unidos no sentido de verificar o potencial do desporto para veicular o seu produto, tendo o resultado apontado, já naquela época, que 59% dos americanos com idade superior a 18 anos se enquadravam no rol das pessoas que praticavam alguma modalidade esportiva, perfazendo um total de 152 milhões de potenciais consumidores dentro desse segmento do mercado.

Dados impressionantes colhidos pela Andersen Consulting e a Universidade de Navarra em 1993 , revelaram que o desporto apareceu como o primeiro colocado na preferência do consumidor espanhol, como assunto pelo qual mais se interessa em acompanhar pelos meios de comunicação.

Essa pequena amostra deixa claro que tanto o público praticante, quanto o espectador do desporto passaram a ser um dos alvos preferidos dos anunciantes, haja vista o crescente número de adeptos que surgem a cada ano em todo o mundo, nesses dois segmentos.

Mullin, Hardy § Sutton, afirmam que um dos objetivos do marketing desportivo é o de promover a divulgação de produtos e serviços desportivos dirigidos aos consumidores do esporte, sendo que o conceito “consumidores deportivos abarca muchas clases de vínculos con el deporte, incluyendo jugar, participar, presenciar, escuchar, leer y recaudar.”

A atração do mercado publicitário para esse tipo de empreendimento também se deve ao fato de que a mensagem do anunciante é transmitida de maneira diferente daquela tradicionalmente concebida pelos meios de comunicação.

Assim ocorre, por exemplo, quando o espectador detecta que a competição que está assistindo foi propiciada pelo patrocinador do evento, passando a nutrir um sentimento de simpatia pelo responsável pela concretização do espetáculo.

Nestas circunstâncias, tem-se que a publicidade do produto se apresenta de maneira mais suave aos olhos do espectador, o que significa, no final das contas, um mecanismo mais fácil de acesso ao espírito do consumidor que se deseja conquistar.

Neste passo, observa-se que o desporto se tornou um dos elementos que mais bem atende aos objetivos perseguidos na implementação do patrocínio, que nas palavras de Francisco Paulo de Melo Neto estariam resumidos no tripé: “aumentar as vendas, valorizar institucionalmente a marca e melhorar a comunicação com clientes, fornecedores, distribuidores e demais parceiros da empresa patrocinadora.”

Por outro lado, observa-se que a prática esportiva se especializou de tal forma que a participação de equipes e atletas em competições oficiais passou a demandar a utilização de somas cada vez maiores, sem contar com a igual necessidade gerada para os organizadores dos eventos de arcar com vultosos custos para promover a sua realização.

Neste sentido, Istvan Kasznar sinaliza que “os esportes hoje em dia, para serem viabilizados, dependem também de marcas, de patentes, de direitos autorais, de um conjunto de atividades associadas à publicidade, à propaganda, ao marketing”

Nesse diapasão, observa-se que o desporto também se voltou ao mundo do marketing, a fim de angariar recursos para a manutenção de sua prática em alto nível, pois a insuficiência financeira de boa parte dos ordenamentos estatais vem fazendo com que grandes fatias do segmento desportivo se afastem do caminho do investimento público para suas ações.

A CARACTERIZAÇÃO JURÍDICA DO CONTRATO DE PATROCINIO E SUA DEFINIÇÃO

A principal forma de participação da economia privada no fomento da atividade esportiva passou a se dar através de contratos de difusão publicitária, figurando o contrato de patrocínio como um dos ícones desses novos tipos de ajuste no campo do desporto.

A Lei Geral de Publicidade da Espanha define o contrato de patrocínio publicitário como sendo “… aquél por el que el patrocinado, a cambio de una ayuda econômica para la realización de su actividad deportiva, benéfica, cultural, científica o de outra índole, se compromete a colaborar en la publicidad del patrocinador”.

Enfocando nossa atenção unicamente em relação ao desporto, podemos observar que neste tipo de ajuste verifica-se o financiamento total ou parcial da atividade esportiva através do ‘sponsor’, que, em contrapartida, obtém publicidade de seu produto, seja valendo-se do uso do direito de imagem sobre um desportista específico, uma agremiação esportiva ou ainda de uma competição específica, para se beneficiar do renome de sua marca, ou ainda das instalações dos eventos para veicular sua mensagem.

Sob o prisma do ente financiador, portanto, observa-se que o patrocínio visa a veicular um produto, ou serviço do qual seja titular a fim de obter, como produto final, um incremento de seu mercado consumidor.
Dentro dessa ótica, Ernani Beviláqua Contursi o define como “a aquisição dos direitos de afiliar, ou associar produtos, eventos e/ou marcas, com o intuito de diversificar, e/ou ampliar os benefícios obtidos com essa associação.”

Essa “aquisição de direitos” por parte do patrocinador representa a sua obrigação sedimentada no contrato, a qual deverá possuir sempre valor econômico, já que o objetivo do ajuste para a entidade desportiva ou o próprio atleta envolvido diretamente é a de angariar recursos para o desempenho de sua atividade.

A atividade desempenhada pelo sujeito contratado não é por natureza uma atividade publicitária. A rigor, o que se pretende neste tipo de acordo é promover uma associação do nome do anunciante com a participação de determinado ator desportivo, tendo por palco uma competição especifica.

Assim, o patrocínio se notabiliza por representar um mecanismo não convencional de veiculação de publicidade, vez que a mesma se verifica durante a prática desportiva.

Desta forma, tem-se que não basta ao atleta, ou à própria agremiação, por outro meio, divulgar os símbolos de seu patrocinador. Essa veiculação deve se dar no momento em que estiver atuando no palco desportivo. Se esta segunda condição não ocorrer, não se pode falar em patrocínio esportivo, mas num contrato publicitário de cessão de imagem comum, vez que não estarão envolvidas as normas regidas pelo Direito Desportivo Privado.

A esse respeito, não se pode deixar de se inserir no conceito desse tipo de contrato a sua submissão não apenas às normas de Direito Comum, como também às regras emanadas das organizações que administram o desporto, pois boa parte das federações dispõem de normas que balizam a utilização do mecanismo publicitário nas competições que organizam.

Diante desses elementos que compõem o contrato, podemos defini-lo como um acordo através do qual uma associação esportiva, ou um determinado atleta, mediante o pagamento de determinada quantia em dinheiro e/ou fornecimento de bens ou serviços por parte do patrocinador, se compromete a desempenhar sua função no desporto, divulgando sua marca, nome ou qualquer outro signo distintivo, em conformidade com as regras jurídicas e desportivas que norteiam o assunto.

REFERÊNCIAS

1 Mullin, Hardy & Sutton. Marketing Deportivo, 2ªEd. Barcelona: Ed. Paidotribo, 1999, p.69.
2 OLLO, Carlos Perez-Cornes. In: I Curso de Administração Esportiva, Rio de Janeiro: Comitê Olímpico Brasileiro, 2000, p.160.
3 Op. cit, p.24.
4 NETO, Francisco Paulo de Melo. Marketing de patrocínio. Rio de Janeiro: Sprint, 2000, p.18.
5 KASZNAR, Istvan. In: Marketing Esportivo ao Vivo. Rio de Janeiro: Ed Imago, 2000, p.51.
6 ESPANHA. Ley 34/1988, de 11 de Noviembre, art. 24.
7 CONTURSI, Ernani Bevilaqua. Marketing Esportivo. 2ªed. Rio de janeiro, Sprint,1996, p. 259.

O desporto à margem do Direito

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jul
1

Publicado originalmente na Tribuna do Advogado, Rio de Janeiro, jul 2008, p. 6.

“Certas condenações disciplinares violam rudimentares garantias processuais, como nas punições por doping, em que atletas são severamente punidos simplesmente pela detecção, em seus organismos, de substâncias que são vedadas por uma determinada organização desportiva”.

O desporto, ao longo dos anos, vem se transformando numa ilha. Uma ilha que se isola de um continente de acontecimentos violentos, desumanos e de tantas outras enfermidades sociais que assolam o nosso noticiário cotidiano.

Uma ilha em que se respiram ares da boa aventurança: seus praticantes são quase super-homens; seus valores corporificam os esplendores da solidariedade, do fair-play e do ideal de vitórias. Sentimentos de união nacional afloram durante competições internacionais: hinos são cantados a plenos pulmões e bandeiras são orgulhosamente agitadas em nome da pátria.

Mas o desporto organizado isolou-se também da realidade social sob outro aspecto: apartou-se consideravelmente do continente jurídico do Estado.

Capitaneado por entidades como a Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa) e o Comitê Olímpico Internacional (COI), ele teve sua regulação nascida no seio associativo, alheio às ingerências dos estados, dando azo inclusive a quem dissesse que o direito penal deveria deter-se diante dos muros de uma arena desportiva.

Talvez essa breve contextualização histórica e ideológica sirva para entendermos (sem, contudo, deixarmos de condenar) certas situações de clara violação a direitos fundamentais do homem, que estranhamente passam despercebidas de muitos juristas de hoje.

A começar pela cláusula de estilo encontrada nos estatutos das entidades desportivas dirigentes, que veda aos seus filiados o recurso ao Judiciário, o que vem sendo acatado por todos sem maiores queixumes, pois cada modalidade desenvolve-se austeramente sob regime de monopólio, liderado mundialmente por uma federação internacional, que avoca o poder de ditar regras sobre todos os assuntos.

Por outro lado, certas condenações disciplinares violam rudimentares garantias processuais, como nas punições por doping, em que atletas são severamente punidos simplesmente pela detecção, em seus organismos, de substâncias que são vedadas por uma determinada organização desportiva.

Tal proceder traduz-se em genuína responsabilização objetiva, maculando, na prática, o sagrado direito da ampla defesa, já que este reside precisamente na prerrogativa do acusado de provar a sua inocência.

No mesmo sentido, prevêem-se penas eternas no esporte, contraditoriamente à filosofia penal do próprio Estado e que são aplicadas com rigor aos profissionais do ramo, eliminando-os para sempre de sua atividade laboral, em detrimento da garantia constitucional que assegura o livre exercício de profissão.

Mas esse isolamento do desporto do cenário jurídico é também movido pela precária regulação e fiscalização empreendida pelo Poder Público.

Cite-se, por exemplo, a profissão de agente de jogadores de futebol, devidamente institucionalizada pela Fifa, em que a ausência de regulamentação estatal criou ambiente propício para a entrada de alguns profissionais inescrupulosos, que se tornaram, na prática, autênticos mercadores de seres humanos, relembrando sombrios momentos de nossa história colonial.

Acrescente-se a figura do contrato de patrocínio, essencial para o desenvolvimento da atividade desportiva, que ainda perece no porão da atipicidade, encorajando patrocinadores a rescindir unilateralmente ajustes, por suposta violação do patrocinado à cláusula contratual genérica que exige do financiado uma “conduta socialmente adequada”.

Tal proceder abre a porta para o cometimento de atos discriminatórios, pois deixa ao livre arbítrio de uma das partes avaliar moralmente uma conduta de outrem, além de recriar, sob o manto da simulação, o banido instituto da condição potestativa pura.

Por outro lado, o Estado não raro intervém açodadamente, criando ilhas de ilegalidades, como comumente vê-se nas competições, em que o policiamento atua sob as ordens de um árbitro, como se preposto seu fosse, chegando a usar da força física para constranger profissionais a cumprir regras meramente desportivas.

Faz-se necessário, portanto, que se construa uma ponte entre o desporto e o direito, permitindo, simultaneamente, que a sociedade evolua conforme os valores apregoados pelo desporto e que o desporto se desenvolva dentro dos limites fixados pelo ordenamento jurídico estatal.

A banalização das punições por doping

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dez
26

Artigo originalmente publicado no Jornal Extra, em Dezembro de 2007. Edição Eletrônica. Blog de Gilmar Ferreira. Galeria de Notáveis.

A recente condenação de Romário a 120 dias de suspensão por uso da substância “finasterida”, coloca em xeque as punições por doping no Brasil e no mundo, merecendo uma profunda reflexão a respeito.

O aumento dos casos de condenação de atletas sob esse fundamento deve-se primordialmente ao fato de ter sido criada a WADA – World Anti-Doping Agency- (Agencia Mundial Anti-Doping), que, a partir de 2003, passou a divulgar anualmente uma lista de substâncias proibidas, de forma a combater o doping em todo o planeta, exortando todas as nações a aderirem às suas recomendações, tendo o Brasil incorporado esse Código à sua legislação.

Entretanto, a observância cega e absolutamente mecânica a essa cartilha vem redundando em inúmeros prejuízos a clubes e atletas, que acabam sendo punidos sem a observância dos requisitos mínimos do contraditório e da ampla defesa, devidamente assegurados pela Constituição.

No caso de Romário, por exemplo, houve a condenação porque a substância encontrada “tem potencialmente o poder de inibir a descoberta, pelo exame, de outra que poderia ter sido utilizada para melhorar o desempenho do atleta”.

Por via de conseqüência, não se sabe se efetivamente Romário fez uso de expedientes ilegais para melhorar a sua performance. Presumiu-se simplesmente que sim, pelo simples fato de ter sido detectada em seu organismo uma substância que poderia adulterar o resultado do exame.

Parte-se, portanto, de um pressuposto que viola o básico principio de direito que é o da presunção de inocência, para, pelo contrário, presumir a culpa do atleta, esquecendo-se da regra capital de que o “ônus da prova incumbe a quem o alega”, ou seja, quem acusa o jogador por doping, deve, pelo menos, provar que ele fez uso de substancia que elevou artificialmente o seu desempenho, pois, caso contrário, a sua punição não faria sentido.

Se não é possível comprovar-se a culpa, a absolvição é uma medida natural que se impõe, já que não podemos esquecer também do rudimentar principio juridico “in dúbio pro reo”, isto é, na dúvida, deve-se absolver e não punir quem está sendo acusado, por ser esta uma garantia fundamental de todo ser humano, não devendo ser esquecido que está em jogo a reputação e a própria carreira profissional de um desportista.

O que se tem observado nas decisões de boa parte dos tribunais desportivos é a automática condenação do jogador, uma vez detectada a presença de uma substancia listada pela WADA, sem que haja a preocupação em se averiguar se ela foi capaz de alterar seu rendimento, ou em identificar a real culpa do atleta ao usar medicamento proibido, como na condenação em primeira instancia de Dodô, o que resulta em deturpar a salutar luta de todos contra a dopagem no esporte.

Algo está errado na forma pela qual estão sendo julgadas estas questões, vez que essas decisões não resistiriam à seguinte pergunta, sobre a qual deve-se meditar: se, para condenar o atleta por doping, basta constatar no seu organismo a presença de alguma substância listada pela WADA, para que serve instaurar um processo no tribunal, apresentar-se defesa, serem produzidas provas e proferir-se uma sentença?

A Regulamentação do Desporto no Direito Comparado

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maio
27

Artigo originalmente publicado no site Justiça Desportiva em 27 de maio de 2007.

A regulação do movimento desportivo organizado por parte dos ordenamentos estatais varia de acordo com a importância que cada qual atribui a essa atividade para enquadrar juridicamente o assunto.

Alguns Estados consideram o desporto organizado uma questão exclusivamente privada, sendo as associações desportivas reguladas pelo regime associativo em geral.

Outros, porém, concebem essa matéria como tema de interesse público, dispensando a essas organizações um tratamento peculiar, com a definição de regime próprio de atuação, dadas as especificidades da atividade que empreendem, sobretudo pelo fato de que elas passaram a administrar matérias de grande repercussão econômica, demandando a formatação de modelos associativos adequados a essa nova perspectiva.

Assim, nesta última hipótese, sem embargo de não dispensar, via de regra, a aplicação supletiva das normas que cuidam do gênero das associações, observa-se a tendência de se editarem leis específicas disciplinando o funcionamento das associações de administração e de prática desportiva.

Contudo, importa sublinhar que mesmo nos ordenamentos em que se observa um intervencionismo estatal mais rigoroso no movimento desportivo, não se constata o interesse dos Estados em se substituírem às associações desportivas dirigentes.

Ao revés, buscaram submeter a criação, o funcionamento e a organização desses entes à sua aprovação, como forma de coordenar e superintender tais atividades.

O expediente normalmente utilizado nesses casos é de atribuir-se ao Estado a competência para autorizar a atividade de organização desportiva, mediante a outorga de determinados poderes de caráter público e que exigem, em contrapartida, a satisfação por essas corporações de determinados requisitos estipulados pela administração estatal.

Anota Dardeau de Carvalho que os modelos de gestão do sistema desportivo de competição, sob o ponto de vista da sua relação com o Estado, encontram-se traduzidos em três sistemas: dirigismo absoluto, liberalismo absoluto e sistema misto.

O sistema do dirigismo absoluto constitui-se no modelo que preconiza a intervenção do Estado em todas as fases da prática desportiva, fazendo com que as entidades passem a se tornar meros instrumentos do poder público. Foi este o sistema que vigorou no Brasil da era Vargas até a promulgação da Constituição da República de 1988. Atualmente, aproximam-se desse sistema os modelos abraçados pela Argentina, Itália e Espanha.

O liberalismo absoluto deixa ao critério exclusivo das associações a escolha quanto ao sistema de organização e condução da atividade, sem qualquer espécie de subordinação ao Estado, devendo respeitar unicamente o regime legal vigorante para a constituição e funcionamento das associações em geral. É esse o sistema adotado, por exemplo, pela Holanda, Alemanha e Grã-Bretanha.

O sistema misto busca compatibilizar as ações do poder público e da iniciativa privada, de forma a permitir a convivência harmônica de ambos os regimes na organização do desporto. São exemplos desse sistema os modelos perfilados por França, Portugal, Estados Unidos e atualmente o Brasil.

O Direito Comparado revela a inexistência de um modelo uniforme adotado pelos Estados ocidentais, apresentando cada qual particularidades que enriquecem o entendimento da matéria, sendo importante àqueles que queiram dedicar-se ao estudo do Direito Desportivo, aprofundar-se na analise da legislação alienígena como forma de se valer da experiência estrangeira para aperfeiçoar os institutos nacionais.

Para maior aprofundamento da matéria, remeto o leitor ao nosso “O Direito no Desporto”: Rio de Janeiro, Ed. Lumenjuris, 2007, que traz um apanhado da legislação esportiva em vigor na Argentina, Portugal, Espanha, França, Itália, Inglaterra, Alemanha, Holanda e Estados Unidos.

 

Timemania: a nova mania de iludir o torcedor

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set
8

Artigo originalmente publicado no Jornal O Dia, Rio de Janeiro, 08 set 2006, p. 06; e no Jornal Extra em fevereio de 2008. Edição Eletrônica. Blog de Gilmar Ferreira. Galeria de Notáveis.

Acaba de ser aprovado o projeto de lei que institui a Timemania, loteria apregoada como a salvação dos clubes brasileiros, cuja maioria se encontra endividada até o pescoço. Mas como todo remédio que se preza, ela não é capaz de solucionar todos os males financeiros do nosso futebol, pois se destina apenas a abater as dívidas dos clubes com o governo federal.

Na verdade, a Timemania não foi idealizada com o objetivo de ajudar os clubes, sendo antes uma forma criada pela União para receber os seus créditos, que estavam se tornando absolutamente impagáveis em virtude do alto valor que atingiram e que levariam à penhora de sedes sociais e estádios, arruinando agremiações centenárias e de grande apelo popular, o que era inviável politicamente.

Ela funciona como se fosse um contrato: o clube cede à Caixa Econômica o direito de usar os seus símbolos na loteria, recebendo em contrapartida um percentual daquilo que vier a ser arrecadado pelas apostas.

Mas os clubes endividados não verão a cor desse dinheiro, já que ele irá diretamente para uma conta específica, até abater totalmente o que for devido à União. Só após pagar as dívidas é que os clubes receberão diretamente esses valores.

Infelizmente a Timemania é apenas mais uma medida paliativa, já que soluciona somente as dívidas atuais com a União, tendo-se desperdiçado oportunidade histórica de se preverem mecanismos de controle, impedindo novos desmandos na administração dos clubes, o que por certo nos levará a enfrentar esse problema novamente em futuro não muito distante.

Direitos de vizinhança, Limitação administrativa, Servidão administrativa, & Desapropriação urbanística no direito da cidade

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jul
16

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Artigo originalmente publicado na Revista Fórum de Direito Urbano e Ambiental, Belo Horizonte, v. 3, n. 16, jul 2004.

1. Introdução

A natural aglomeração das pessoas na formação das cidades passou a demandar do Poder Público maior atenção para a ordenação dos espaços urbanos. A coabitação harmônica é uma necessidade para a sobrevivência desses centros de população, de molde a atender na ponta final dessa relação o próprio indivíduo, preservando um dos pilares de sustentação de nossa Constituição, que vem a ser o princípio da dignidade humana.

O Estado intervém na propriedade privada para condicioná-la ao perfil de funcionamento da cidade, enfocando não apenas a questão da moradia, mas também o problema da circulação, do trabalho e do lazer. Assim, a intervenção estatal nesta seara compreende toda a gama de atividades às quais o indivíduo está sujeito a desenvolver no seu cotidiano.

Ressalvados os direitos de vizinhança, os demais institutos em epígrafe constituem instrumentos valiosos de intervenção do Estado para fins urbanísticos. Entretanto, a aglutinação desses temas para estudo comum ganha relevância dada a semelhança existente entre eles, e todos, sem exceção, contribuem para a ordenação das cidades.

Os quatro institutos em apreço constituem mecanismos de frenagem ao exercício do direito de propriedade, ora reduzindo o seu alcance absoluto, exclusivo ou perpétuo.

Por absoluto, deve-se entender o atributo da propriedade que comete ao seu titular a faculdade de dela utilizar-se da forma que lhe aprouver. Sobre ele incidem os direitos de vizinhança e as limitações administrativas, que regulam o gozo da propriedade, condicionando-a de maneira a permitir a convivência entre todos os que ocupam o espaço urbano.

A natureza exclusivista da propriedade diz respeito à prerrogativa cometida ao seu detentor de exercer o uso com a exclusão de quem quer que seja. Esse componente do direito de propriedade encontra-se sujeito a sérias limitações por ocasião da decretação da servidão administrativa (presente também em algumas espécies de direitos de vizinhança, como no caso da passagem forçada) que se apresenta como um instrumento que permite a utilização simultânea do bem pelo Poder Público e pelo respectivo titular.

Por fim, o traço da perpetuidade, que concede o seu desfrute até a morte do proprietário, com natural transferência para os seus sucessores, é pulverizado pela desapropriação, que compulsoriamente remove a titularidade do domínio para o Ente Público. O aspecto da expropriação a ser enfocado nesse trabalho é o urbanístico, que se caracteriza pela intervenção feita com o objetivo de melhorar o funcionamento da cidade.

2. Direitos de Vizinhança

A rigor, os direitos de vizinhança não constituem intervenções de natureza urbanística, já que a previsão do legislador não tem por objeto a ordenação das cidades como um todo. Possuem caráter de direito privado (lidam com direitos disponíveis), regulados que são pelo Código Civil, e âmbito de aplicação restrito, uma vez que se destinam a normatizar as relações entre proprietários de prédios que se encontram próximos.

Entretanto, os direitos de vizinhança não estão desprovidos de importância sob o prisma urbanístico, já que representam a forma embrionária do que passou a constituir o Direito da Cidade, além de se relacionarem com alguns institutos jurídicos utilizados no aprimoramento urbano.

Os direitos de vizinhança criam direitos recíprocos, vez que nas palavras do mestre Hely (2000), “operam simultaneamente como direito e obrigação” (p.47). Isto significa que a obrigação do ocupante de um prédio corresponde a um direito de seu vizinho dimensionado na proporção inversa.

Representam, nos dizeres de Sílvio Rodrigues (1989), obrigações propter rem, ou seja, incidem diretamente sobre a propriedade, vinculando juridicamente todos aqueles que se encontram na condição de proprietários ou possuidores, os quais, se deixarem de ostentar tal condição, desoneram-se desse fardo.

Dentre as espécies de direitos de vizinhança reguladas no Código, enfocar-se-ão as seções que cuidam do uso anormal da propriedade e do direito de construir, já que auxiliam no processo de ocupação das áreas urbanas.

2.1 Uso Anormal da Propriedade

Essa seção do Código Civil dialoga com a utilização do bem, feita de forma a prejudicar a segurança, sossego e saúde dos vizinhos, e os direitos que eles detém de fazer cessar tais incômodos.

O novo Código repensou o tratamento a ser dado ao uso nocivo da propriedade, a começar pela própria alteração desse conceito. A substituição do título da seção de “uso nocivo” para “uso anormal da propriedade” revela a intenção de aceitar-se determinados atos que são considerados regulares pela lei, mesmo que causem danos a outrem.

Com efeito, essa modificação leva a crer que se passou a permitir o uso nocivo da propriedade, desde que esteja de acordo com certos padrões aceitos pelo legislador, hipótese que se confirma com o perfil redacional dos preceitos que passaram a compor essa seção do Código.

A começar pelo parágrafo único do art. 1.277, que clarifica as nuances a serem consideradas pelo aplicador do direito, como a natureza da utilização, a localização do prédio, e a legislação de zoneamento.

Observe-se que já há aqui uma aproximação entre os direitos de vizinhança e os regulamentos urbanísticos, os quais inspiraram o redator da norma para prestigiar a legislação do zoneamento urbano, como um dos fatores a serem levados em conta para impedir-se ou não os males causados pelo uso da propriedade alheia.

Ao determinar-se a eliminação das interferências que causam transtornos à utilização da propriedade alheia, não se deve perquirir da existência de culpa ou dolo do responsável pelo dano, pois conforme consta no aludido dispositivo, os parâmetros de aferição são objetivos.

O único elemento subjetivo a ser aferido diz respeito à pessoa do lesado, em que se deve verificar se as interferências reclamadas são suportáveis ou não, utilizando-se como standard a figura do homem médio, já que o dispositivo determina que sejam considerados “os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança”.

A condescendência do legislador com a utilização nociva da propriedade ganha contornos mais nítidos quando se observa o art. 1.278, o qual também inova ao anunciar que mesmo que as interferências sejam consideradas anormais, deverão ser toleradas, uma vez justificadas por interesse público, ressalvando, entretanto, a necessidade de indenização ao vizinho lesado.

Em que pese o Código Civil referir-se a “Direitos de vizinhança”, a seção concernente ao uso anormal da propriedade não deve merecer aplicação restrita aos moradores dos prédios confinantes, pois a utilização indevida pode provocar efeitos maléficos a moradores próximos, e não apenas aos limítrofes.

Interessante dispositivo somado à regulamentação da matéria vem a ser o art. 1.279 do novo C.C., o qual estipula que mesmo após decidida judicialmente a tolerabilidade da interferência, poderá o vizinho exigir a sua redução ou eliminação, assim que se tornar possível.

Essa norma produz uma repercussão tanto no âmbito do direito substantivo, quanto no adjetivo. Sob o primeiro aspecto, nota-se que a hipótese regula aqueles casos em que se está diante de um uso nocivo da propriedade, mas que deva ser tolerado pelos seus vizinhos, por se encontrar de acordo com os padrões de normalidade editados no parágrafo único do art. 1.277.

O preceito tenta atenuar a postura adotada no novo Código, conferindo ao onerado a faculdade de alterar o status quo indesejável, tão logo seja possível comprovar que se poderá utilizar a propriedade com a mesma finalidade, produzindo, contudo, efeitos menos maléficos do que no passado.

Por outro lado, interpretando-o de maneira a harmonizá-lo com os demais dispositivos da seção, pode-se concluir que o uso, ainda que nocivo a terceiros, mas considerado normal de acordo com os critérios legais, há de admitir-se desde que o proprietário não possa fazê-lo de outra forma.

Sob a perspectiva processual, o artigo tende a repercutir sobre os limites da coisa julgada, pois mesmo após derrotado no feito judicial, poderá o vizinho prejudicado rediscutir a questão, uma vez apresentadas essas novas circunstâncias de fato, que viabilizem a redução ou atenuação dos eventos maléficos.

2.2 Direito de Construir

Para o ordenamento jurídico brasileiro, o direito de construir apresenta-se com uma faculdade ínsita ao direito de propriedade, pelo menos do ponto de vista formal. O art. 1.299 do Código Civil reproduz dispositivo idêntico no Diploma anterior, assegurando ao proprietário o ius aedificandi, ressalvando os direitos de vizinhança, e as normas urbanísticas, demonstrando que a prerrogativa de construir encontra-se limitada desde a sua concepção pela lei.

Tal remissão dada ao regime público-administrativo para definir os parâmetros edilícios ao longo do tempo, não vai a ponto de conceber uma regulamentação que impeça por completo a prerrogativa de construir do proprietário, sem qualquer reparação, vez que se estaria por via indireta fazendo tábula rasa do preceito civilista que assegura esse direito.

Por outro lado, ao integrarem o direito de construir, as normas urbanísticas passam a gerar não apenas deveres aos particulares vinculados à sua observância, mas, sobretudo, direitos, no sentido de que tais preceitos sejam respeitados por todos, inclusive pela administração no seu dever de fiscalizar.

Quanto a esse aspecto, vale anotar que a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro de 1990, em posição de vanguarda, assegurou aos proprietários e moradores dos imóveis lindeiros o direito de intervir no processo administrativo de concessão de licença e de exigir adequação do projeto à legislação em vigor (art.436).

O dever do Poder Público de respeitar os regulamentos administrativos não se esgota na fiscalização das construções a serem levantadas pelos particulares, mas também ao exercer essa mesma faculdade de edificar, pois, no magistério sempre atual do mestre Hely (2000) “a Administração se iguala aos particulares na subordinação à lei e no respeito aos direitos individuais dos cidadãos”.(Pág.94).

Embora o Código Civil considere o direito de construir como algo inerente ao direito de propriedade, o que se observa é a tendência hodierna de desmembramento desses direitos, tanto nacionalmente quanto alhures.

Tal transformação se deve em grande parte à edição da Lei italiana nº10/77, que buscou retirar do proprietário do solo o direito de construir, outorgando-o ao Poder Público, o qual, em conformidade com requisitos previamente estabelecidos, concederia tal prerrogativa a quem tivesse condições de assim proceder, mediante pagamento de tributo.

Esse diploma, conforme assinala Afonso da Silva (2000), somente permite ao proprietário do terreno edificar se o lote “estiver destinado à edificação, e se obtiver a concessão do direito de construir no caso concreto”.(p.82).

Conquanto essa idéia não tenha sido incorporada in totum por nosso regime jurídico, observa-se que ela repercutiu na consagração de vários institutos criados no Estatuto da Cidade, tais como a outorga onerosa do direito de construir, a transferência do direito de construir, a edificação compulsória e o direito de superfície.

3. Limitações Administrativas

 As limitações administrativas extremam-se dos direitos de vizinhança, na medida em que são reguladas pelo Direito Administrativo, e prescritas visando à proteção da sociedade. Elas se notabilizam também pelo fato de que são editadas com o objetivo de alcançar propriedades indeterminadas.

Elas estão assentadas no Poder de Polícia do Estado como mecanismos que condicionam o uso e gozo dos bens e direitos em benefício da coletividade. Não incidem sobre o direito de propriedade em sua essência, condicionando o seu exercício em prol do bem comum.

Essa característica, somada ao grau da generalidade das disposições que materializam as limitações administrativas, faz com que tais medidas não gerem indenização. Entretanto, consoante deixou claro o STJ “a Jurisprudência pátria já pacificou o entendimento de que as limitações administrativas quando demonstrada a existência de efetivo prejuízo, diante da vedação do uso, gozo e fruição da propriedade particular, constituem verdadeira desapropriação indireta” (RESP 317507/SP-DJ 31/03/03, pág.192), abrindo a possibilidade para que se pleiteie uma reparação junto ao Poder Público, na hipótese de restar configurada a lesão a um dos direitos imanentes ao domínio.

A rigor, a possibilidade de indenização resulta de um excesso na disposição limitatória, a qual não se contém em condicionar o exercício do direito de propriedade, mas retira parte de seu conteúdo, esvaziando-o economicamente.

As limitações são passíveis de serem instituídas em Lei ou regulamento das três esferas governamentais, sendo que, do ponto de vista urbanístico, está assegurada à União a atribuição de estabelecer normas gerais (art. 24, I e § 1º da CF).

As limitações urbanísticas, por serem espécie de limitações administrativas, seguem o mesmo tratamento normativo e doutrinário dado ao gênero. Para que ostentem o crachá de urbanísticas, as limitações devem estar respaldadas em planos de urbanização, elaborados em conformidade com as regras positivas de ordenação dos territórios, devidamente capitaneadas pelo Estatuto da Cidade.

As limitações urbanísticas são para Hely (2000) “todas as imposições do Poder Público destinadas a organizar os espaços habitáveis” (pág.103), constituindo-se na modalidade mais comum de intervenção urbanística, retratadas nas normas que restringem altura de edifícios, criam recuos obrigatórios, controlam as construções, estabelecem o zoneamento, dentre outras.

Ao revés da servidão e da desapropriação, a limitação esgota a intervenção urbanística com a edição das normas e a correspondente observância pelos administrados, ao passo em que os dois institutos anteriores constituem-se em instrumentos que viabilizam futuras atuações urbanísticas dos poderes públicos.

4. Servidões Administrativas

A servidão administrativa representa um direito real sobre um bem particular, em prol do interesse público. Sob o prisma urbanístico, a servidão administrativa é um instrumento que afeta um bem do domínio privado, com o objetivo de criar, transformar ou viabilizar a utilização de um equipamento urbano pela comunidade, Poder Público, ou particular delegatário de uma função pública.

Ela extrema-se da limitação, pelo fato de que vincula um bem específico à realização de obra, serviço público ou de utilidade pública (presença tanto da coisa serviente, quanto da coisa dominante), ao passo em que aquela se constitui como uma disposição genérica que afeta propriedades indeterminadas, visando condicionar o uso dos bens em prol de uma convivência harmônica na sociedade.

Dentre as formas de instituição, há consenso na doutrina sobre as formas de acordo e ação judicial semelhante ao rito da desapropriação, e quando inutilizar o devido aproveitamento da propriedade, o bem deverá mesmo é ser expropriado.

Quanto à possibilidade de instituir-se por lei, observa-se uma divisão doutrinária, sendo que a corrente majoritária pende para o lado favorável.

Para esse grupo, configurar-se-á servidão legal, sempre que houver a definição da coisa dominante, como, por exemplo, as restrições de edificar em torno dos aeroportos, em que se aponta como res dominans o serviço de navegação aérea.

Entretanto, estaria faltando a res serviens, não identificável pela mera edição do ato normativo, o que tende a levar a previsão para o campo da limitação administrativa.

Isto se confirma pelo prisma da indenização, a qual se apresenta indevida na servidão criada por lei, já que no entendimento de Maria Di Pietro (1994), “o sacrifício é imposto a toda uma coletividade de imóveis que se encontram na mesma situação”(pág.118).  É bem de ver que a imposição com a marca da generalidade é precisamente o traço característico da limitação administrativa.

Veja-se que a defesa da servidão ex lege leva ao afastamento do próprio instituto da servidão administrativa, pois para os que se mostram favoráveis à sua instituição por lei, não haveria necessidade de inscrição do direito público no RGI (exigível nas hipóteses de acordo e ação judicial, tal como nas servidões de direito privado), uma vez que a intervenção já estaria consagrada com a edição do ato normativo, e com o conhecimento presumido de todos.

Para as servidões resultantes de acordo ou decisão judicial, há consenso no sentido de ser devida indenização na exata proporção do dano sofrido, vez que o proprietário mantém-se na titularidade do domínio e no gozo da coisa. A redução dessa fruição, constituída pela servidão, é que deve ser indenizada pelo Poder Público.

5. Desapropriação Urbanística

A desapropriação urbanística apresenta-se como instrumento utilizado pelo poder público para dar destinação aos imóveis de maneira diversa daquela realizada pelo proprietário, de acordo com planos urbanísticos previamente fixados.

Lúcia Vale Figueiredo (1980) anota que se configura a utilidade pública se houver planos urbanísticos anteriores respaldando o ato declaratório da administração. Isto representa dizer que a desapropriação urbanística, mais do que em qualquer outra modalidade expropriatória, pressupõe planejamento, o qual servirá para legitimar a retirada do bem do particular.

Ou seja, não se pode desapropriar um bem para que posteriormente seja definido pelo Poder Público qual o papel que ele desempenhará no plano de urbanização. A ordem deve ser invertida, pois o imóvel só deverá reverter para o domínio público se encontrar-se em área mapeada pela Administração para promover o incremento urbanístico adredemente definido, sob pena de invalidação do ato  expropriatório.

Outro traço peculiar na desapropriação urbanística é que em boa parte dos casos os bens revertem posteriormente aos particulares, havendo, inclusive, norma expressa neste sentido, retratada no art. 44 da Lei nº6.766/79.

Conforme pondera Guilherme Calmon (2000), invariavelmente após a afetação dos imóveis ao patrimônio público, observa-se posterior devolução ao setor privado, uma vez urbanificados ou reurbanificados.

Quando é realizada pelo Poder Público a construção de equipamentos urbanos sobre o bem desapropriado para posterior devolução à iniciativa privada, ocorre fenômeno semelhante à intervenção industrial sobre a matéria-prima, a qual, após o beneficiamento é devolvida à sociedade, com outros elementos agregados que lhe alteram a natureza e o próprio conteúdo. O valor agregado pela intervenção urbanística in casu, deverá fazer parte do quantum devido pelos particulares na aquisição dos bens. Esta peculiaridade, a propósito, integra um dos princípios contidos no Estatuto da Cidade, no art. 2º, inciso XI.

Tendo em vista o regime constitucional da propriedade, dever-se-á, antes de realizada a expropriação, conceder oportunidade para que o dono do imóvel promova a alteração da utilização do bem em conformidade com a nova destinação fixada pela Administração Pública.

Uma vez superada essa etapa, a escolha recairá sobre aqueles que disponham de condições de dar o uso devido às áreas expropriadas. Exsurge daí a necessidade de que sejam previamente fixados critérios objetivos, seguindo-se da realização de um procedimento seletivo para escolha dos novos particulares adquirentes. Essas etapas, previstas expressamente pelo legislador para a implantação de distritos industriais (art. 5º, parágrafo primeiro do Decreto nº3365/41) devem ser aplicadas também para os demais casos de desapropriação urbanística que destinem os bens para a iniciativa privada, haja vista o princípio constitucional da impessoalidade.

As demais hipóteses de desapropriação urbanística estão previstas nas alíneas “e”, “i”, “j”, ”k” do art.5º do Decreto nº3365/41, que cuida dos casos de desapropriação por utilidade pública, e no art. 2º, incisos “I”, “IV”,”V”,”VIII”  da Lei nº4132/62, que trata das desapropriações por interesse social.

A relevância do enquadramento neste ou naquele diploma normativo reside no prazo de caducidade, muito mais exíguo no segundo caso, pois enquanto que a desapropriação por utilidade pública caduca em cinco anos para formulação do acordo ou dedução de ação judicial, a desapropriação por interesse social decai no prazo de dois anos, dentro do qual já deverão ser principiadas as providências de aproveitamento do bem expropriado.

6. Conclusão

 Em decorrência do estudo realizado, pode-se concluir que os direitos de vizinhança, em que pese terem natureza de direito privado, encontram-se impregnados de remissões ao direito urbanístico, o qual contribui para delinear temas como o direito de construir e o uso regular da propriedade. Quanto a este último, o novo Código Civil mitigou a vedação do uso nocivo, para enquadrar como anti-jurídico apenas o uso anormal da propriedade.

As limitações administrativas, por sua vez, por serem de caráter genérico, e por definirem os contornos da utilização da propriedade não geram indenização, a menos que, por abuso da disposição limitatória, ocorra redução do próprio conteúdo do direito sobre o bem.

As servidões administrativas, que se extremam das limitações pela caracterização precisa da res serviens e da res dominans conduzem a uma indenização proporcional ao prejuízo experimentado pelo proprietário.

A desapropriação urbanística pressupõe planejamento, consubstanciado em planos urbanísticos anteriormente aprovados pelo Poder Público que legitimem a retirada do bem do particular.

Na desapropriação que tenha por objeto promover o repasse do imóvel urbanizado aos particulares, deve-se observar a realização de procedimento seletivo, calcado em requisitos objetivos previamente fixados, dando-se preferência para aquisição aos antigos proprietários.

Bibliografia

 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade. São Paulo: RT, 1980.

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Desapropriação Urbanística: Um instrumento jurídico de desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro: Revista de Direito Administrativo,p.153-177, Jan/Mar.2000.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. São Paulo: Malheiros,2000.

PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas,1993.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. São Paulo: Saraiva,1989.

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