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Escalação irregular de atleta

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mar
11

 Assista também à aula sobre o assunto no YOU TUBE:

  1. CONSULTA

 

Consulta-me o Clube ”X”, através de seu ilustre vice-presidente jurídico, sobre a possibilidade de que a aludida agremiação tenha violado o art. 214 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, na partida válida pelo Campeonato Brasileiro da série “A” contra o Clube “Y”.

As dúvidas do consulente giram basicamente em torno da forma pela qual a pena decorrente de uma expulsão numa partida de futebol recebida em outra competição deve ser cumprida pelo apenado e sobre o início do prazo para que uma sanção imposta pela Justiça Desportiva passe a vigorar.

A primeira indagação é se o Clube ”X” cometeu algum erro ao escalar o  atleta “A” na referida partida, posto que o mesmo houvera sido expulso no último confronto da final da Copa do Brasil, e já cumprira a suspensão automática contra o clube “Z”, em partida válida pelo Campeonato Brasileiro e que se seguiu ao jogo em que contendera com o clube “W”.

A segunda pergunta refere-se ao fato de que o atleta fora julgado e punido com a suspensão de uma partida pelo STJD em sessão realizada numa sexta-feira e se o jogador, por força dessa punição estaria impedido de atuar na partida realizada no sábado.

Juntamente com a consulta, foi-me fornecida a denúncia oferecida pela Procuradoria em face do Clube ”X”.

Em virtude das questões formuladas e que serão respondidas objetivamente ao fim deste trabalho, faz-se necessário desenvolver o presente parecer abordando a formatação piramidal da organização desportiva e o princípio da uniformização das regras, o instituto da suspensão automática e seu caráter universal, as divergências normativas decorrentes dos efeitos da suspensão automática em competições diversas que existe no Direito Interno, a forma de computo dos prazos na Justiça Desportiva e alguns princípios jusdesportivos consagrados pelo CBJD.

O presente parecer segue, devidamente elaborado em 35 laudas.

 

  1. PARECER

I – A FORMATAÇÂO PIRAMIDAL DAS ORGANIZAÇÕES DESPORTIVAS E O PRINCÍPIO DA UNIFORMIZAÇÂO DAS REGRAS

         

O desporto de rendimento está fortemente organizado e hierarquizado em formatação piramidal, que possui na sua base clubes e atletas, passando por federações regionais e nacionais e encontrando no seu ápice as federações internacionais, que no caso do futebol é a FIFA.

A hierarquia existente nesse sistema, somado à internacionalização do desporto, gerou o mais importante princípio do Direito Desportivo que é o da Uniformização das regras Desportivas, sendo que o fio condutor para que esse efeito se produza em todo o planeta se dá precisamente através da Federação Internacional que capitaneia a modalidade.

Em sintonia fina com essa perspectiva, o artigo 10 do Estatuto da FIFA, que cuida do regime de filiação das confederações nacionais, estabelece a necessidade de que a entidade interessada se comprometa em cumprir os estatutos, regulamentos e decisões daquela entidade, além de respeitar as leis do jogo em vigência, e reconhecer a Corte Arbitral do Esporte.

O nosso Ordenamento Jurídico curvou-se a essa realidade, ao prever, no parágrafo primeiro do art. 1º da Lei nº 9.615 que “A prática desportiva formal é regulada por normas nacionais e internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada modalidade, aceitas pelas respectivas entidades nacionais de administração do desporto.”

Michael Will assevera, com poder de síntese, que “a norma desportiva internacional possui duas faces: de um lado, ela é norma nacional, em virtude da incorporação, e, inobstante, ao mesmo tempo, uma norma internacional derrogativa”.[1] (grifou-se)

Assim, pelo fenômeno da incorporação automática, em que se enxerga também na norma internacional a natureza de norma nacional, deve o operador do Direito Desportivo ter em mente que não é necessário que as normas da federação internacional estejam transcritas nos regulamentos nacionais para que possam ser aplicadas.

O I. Auditor do pleno do STJD do futebol, Dr. Caio Rocha, teve a oportunidade de se expressar na mesma linha de raciocínio em luminoso acórdão:

As normas internacionais editadas pela FIFA, em relação às quais a CBF, no ato de sua associação, não só aderiu como se obrigou a cumprir, possuem validade no âmbito interno, independente de sua validação ou recepção, seja pelo Estado brasileiro, seja pela própria CBF.[2] (grifou-se)

Apenas para que não pairem dúvidas de que este sempre foi o nosso entendimento, pedimos vênia para transcrever uma assertiva que fizemos há mais de um lustro, que coincidentemente se encaixa à presente hipótese como luva bem ajustada:

Isso significa dizer, que se pode invocar perante uma corte de justiça um regulamento desportivo internacional, mesmo que os regulamentos nacionais disponham em sentido contrario, já que as regras da entidade universal ocupam o ápice da pirâmide hierárquica na cadeia das leis que normatizam o esporte organizado.

Contudo, vale ressaltar que as federações continentais e nacionais possuem autonomia para organizar e regulamentar competições em seu âmbito territorial de atuação, mas dentro desse exercício, não  podem contrariar os preceitos fundamentais editados pelas federações internacionais, sob pena de serem desfiliadas da matriz universal.

Desse modo, e apenas para melhor entendimento da matéria, a harmonização das normas dessas entidades é feita à semelhança dos atos expedidos pelo poder publico, em que as resoluções editadas devem estar em consonância com os decretos, e estes, por sua vez, carecem estar afinados com a lei formal, e assim por diante.(grifou-se) [3]

Diante desse cenário, há que se guardar para todo o sempre que os preceitos fundamentais do futebol, hão de ser fielmente observados pelas confederações filiadas à FIFA, sob pena de que seja descaracterizada a essência dessa prática.

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II – A SUSPENSÃO AUTOMÁTICA DECORRENTE DA APLICAÇÃO DO CARTÃO VERMELHO COMO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO FUTEBOL

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As linhas mestras da FIFA que singularizam o futebol hão de ser, como vimos, respeitadas em todo o globo, o que dá ao direito desportivo um caráter universal, cosmopolita, com regramento que se assemelha ao próprio Direito Canônico.

Lyra Filho foi feliz ao dizer que

A instituição do desporto não é privativa de um país: Impõe a criação de um direito universal, que se baseia em princípios, meios e fins universais, coordenados por leis próprias de âmbito internacional. Tais características conferem ao direito desportivo uma importância, que sob certos aspectos, supera o maior numero  dos demais ramos do direito. A hierarquia e a disciplina do desporto inspiram normas comuns aos povos, orientadas e fiscalizadas por poderes centrais de direção universal.[4] (grifou-se)

Os princípios fundamentais e universais da prática estão corporificados nas regras que constituem a essência mesma da modalidade em questão, notadamente aqueles que tipificam e distinguem uma vertente desportiva das demais, representando o núcleo duro que aparta uma manifestação da outra.

Assim, por exemplo, defeso será no futebol, a qualquer confederação nacional, instituir o arremesso lateral com o pé, ou fixar um limite da faltas nas partidas.[5]

As regras de jogo e o regime disciplinar decorrente do seu cumprimento fazem parte dessa diretriz mínima diante da qual nenhuma entidade pode se distanciar, sob pena de que haja uma descaracterização completa da modalidade.

Quem disse isso com precisão cirúrgica foi o Auditor Caio Rocha no luminoso acórdão recém citado em que assevera ser

…inegável que as normas editadas pela FIFA possuem plena vigência no Brasil, sejam ela estatutárias, que dizem respeito à sua própria constituição como entidade, sejam elas referentesàs regras do desporto, incluindo-se aí as diretrizes disciplinares.[6]

Componente basilar das regras disciplinares da FIFA é o instituto da suspensão automática decorrente de uma expulsão decidida pelo árbitro no confronto em campo.

Isto vem previsto de maneira clara no Código Disciplinar da FIFA, lei sobre as leis do sistema disciplinar futebolístico, cujo art. 18 assim determina:

18 Expulsão

1. A expulsão é uma decisão do arbitro, adotada no transcurso de uma partida, que implica que a pessoa da qual se trate deve abandonar o terreno de jogo e suas imediações, incluído o banco de reservas.

……………………………………………………………………………………….

4. Uma expulsão, incluída aquela efetuada numa partida interrompida, anulada e/ou naquela em que se declara a derrota de uma equipe por retirada ou renúncia, acarretará numa suspensão automática para a partida seguinte. A Comissão Disciplinar poderá prolongar a duração desta suspensão. [7](Tradução livre) (grifou-se)

Observe-se que a disposição do redator da norma é muito clara. Haja o que houver numa partida de futebol, ainda que se tratem de incidentes contundentes, como anulação ou abandono, não há que se mexer nos efeitos de uma expulsão do campo de jogo: o apenado terá que se ausentar da partida seguinte.

Trata-se de uma tentativa do legislador em preservar a aplicação de uma sanção mínima a quem transgride fortemente a regra do jogo. Relevante destacar também outro ponto da citada norma, ao qual retornaremos mais adiante, de que a Comissão Disciplinar poderá prolongar a duração desta suspensão, porém jamais reduzi-la!

E nem poderia ser de outra forma, já que a suspensão automática, exigida pela FIFA em todas as competições oficiais, “tem natureza técnica” e independe de posterior julgamento – decorrendo simplesmente do recebimento de cartão vermelho e tem apenas a finalidade de assegurar a autoridade ao árbitro, concedendo uma eficácia punitiva inafastável à admoestação aplicada, garantindo a mínima disciplina no futebol.

Ademais, a impossibilidade de que seja retirada eficácia dessa decisão por uma Corte, ainda que desportiva, é também para preservar a aplicação da Regra “5” que expressamente declara que “as decisões do arbitro sobre fatos relacionados com o jogo, incluídos o fato de se um gol foi marcado ou não e o resultado da partida, são definitivas”. [8](Tradução livre)

Por esse motivo, essa regra basilar da suspensão automática por expulsão, constante no Código Disciplinar da FIFA, além de dar eficácia às regras (5) e (12) das “Leis do Jogo”, é também, por força dos arts. 2º e 145 do CDF vinculante para todas as confederações filiadas.

Veja-se, por oportuno, que nas considerações que prefaciam a RDI nº05/2004, a qual “dispõe sobre o impedimento automático decorrente da expulsão de campo e da aplicação de advertências representadas pela exibição do cartão amarelo e dá outras providências”, a CBF declara que

CONSIDERANDO que a FIFA, em expediente dirigido à CBF, encareceu a obrigatoriedade de cumprimento da referida norma, em todas as competições realizadas no território nacional, acentuando ser inadmissível qualquer disposição em contrário e enfatizando “El princípio de suspensión automática, tal como ló concibió La instancia suprema del fútbol mundial que es la FIFA, es de aplicación universal, como los demás princípios estipulados en el CDF. (grifou-se)

Não restam dúvidas de que a regra da suspensão automática, erigida a cânone universal da modalidade integra a essência mesma do futebol, não cabendo a qualquer outra Confederação adotar regime diverso, sob pena de descaracterizar essa prática.

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III – AS DIVERGÊNCIAS NORMATIVAS DECORRENTES DOS EFEITOS DA SUSPENSÃO AUTOMÁTICA EM COMPETIÇÕES DIVERSAS E SUA IRRELEVÂNCIA DIANTE DA SITUAÇÃO DO CONSULENTE.

 

Há uma contradição entre os atos normativos nacionais que regulam a hipótese em que um atleta é expulso na ultima partida de uma competição e de que forma se dará o cumprimento da penalidade da suspensão automática.

A multiplicidade de diplomas normativos que cuidam do assunto conduz a caminhos opostos. Um alardeia que não há comunicação entre competições diferentes para a aplicação do instituto da suspensão automática, enquanto que outros consideram que os efeitos da expulsão podem se fazer sentir em competição organizada pela mesma entidade que capitaneou o torneio em que se deu a advertência pelo árbitro.

Despiciendo será nesta missiva analisar qual ou quais normas deverão prevalecer, já que, seja qual for a trilha que se entenda por seguir, nenhuma delas leva o consulente à prática de qualquer irregularidade na escalação do atleta “A” contra o clube “Y”.

Senão vejamos:

A RDI nº05/2004, ao dar conferir exegese para a aplicação da regra da suspensão automática estabelece que:

I. Em todos os campeonatos e torneios realizados no território nacional, ojogador expulso de campo, pelo árbitro, ficará automaticamenteimpedido de participar da partida subsequente da mesma competição.

III. Por partida subsequente se entende a primeira que vier a ser realizada após aquela em que se deu a expulsão ou a terceira advertência, e o impedimento não se transfere para outra competição ou  torneio(grifou-se)

A regra da referida resolução de diretoria da CBF aponta para a impossibilidade de que a suspensão automática possa ser cumprida noutra competição. Assim, um atleta expulso numa partida válida pela Copa do Brasil não cumprirá a suspensão automática no Campeonato Brasileiro de acordo com esse Diploma.

Portanto, à luz da RDI que normatiza o assunto, o jogador “A” não precisaria cumprir a suspensão automática no campeonato brasileiro, já que se trata de competição diversa daquela em se deu sua expulsão.

Sob esse prisma, portanto, o atleta atuou contra o Clube “Y” em condição absolutamente regular.

Ainda que se entenda que cada ano simbolize a edição de uma mesma competição, o jogador só poderia cumprir a punição na Copa do Brasil do ano de 2014, até porque a referida RDI prevê expressamente que

1. O jogador que for punido pela Justiça Desportiva e estiverpendente ocumprimento de um ou mais impedimentos, primeiramente os cumprirá, para em seguida cumprir a penalidade imposta pela Justiça Desportiva. (grifou-se)

Assim, dentro desse âmbito de atuação sinalizado pela RDI, a decisão punitiva da Justiça Desportiva teria seus efeitos suspensos, só podendo ser aplicada depois que o atleta cumprisse a suspensão automática.

E, como só poderia cumprir a automática no próprio certame, tendo o mesmo já encerrado, a única chance de que Jogador “A” cumpra a punição seria na primeira partida da Copa do Brasil de 2014 e ainda assim, desde que considere que a cada ano em que o torneio vier a ser disputado seja tido como “mais uma edição da mesma competição”.

Mais uma vez, portanto, se constata que Jogador “A” detinha plena condição de jogo contra o Clube “Y”.

Como forma de esgotar todas as hipóteses possíveis e aproveitando a citação do inciso XI da referida RDI e já começando também a mergulhar no entendimento da denúncia de que as penas aplicadas pelo árbitro numa competição podem se transmitir para outra, melhor sorte igualmente não parece estar esperando o pleito acusatório.

Isto porque, a pena imposta pela Justiça Desportiva também não poderia ser aplicada enquanto que a punição decorrente da suspensão automática não viesse a ser cumprida, pois, como visto, há uma sequência lógica de cumprimento de penas, ficando a pena aplicada pela Justiça Desportiva como a última a ser cumprida.

Por isso, admitindo-se a tese da comunicabilidade, Jogador “A” teria mesmo que ter cumprido a suspensão automática contra o clube “Z”, já que a sanção imposta pelo STJD só encontraria espaço para ser aplicada depois que aquela penalidade fosse respeitada pelo atleta.

Ou seja, mesmo que o jogador tivesse sido punido pelo Tribunal antes da partida contra o clube “Z”, a punição por ele cumprida naquela partida se daria não em observância à pena imposta pela Justiça Desportiva, mas pela suspensão automática decorrente da expulsão sofrida na partida anterior.

Ainda que se olvide essa perspectiva há outras linhas de argumentação  e outros diplomas a serem explorados, quando se coloca na mesa a possibilidade de que a suspensão automática decorrente da expulsão ocorrida numa competição possa produzir os seus efeitos noutro certame.

Os outros Diplomas que tratam da questão são o Regulamento Geral das Competições editado pela própria CBF para os torneios por ela organizados para o ano de 2013 (RGC) e o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).

Começando pelo RGC, temos os seguintes dispositivos aplicáveis:

Art. 57- Perde a condição de jogo para a partida oficial subsequente da mesma competição, o atleta advertido pelo arbitro a cada série de três advertências com cartões amarelos, independentemente da sequencia das partidas previstas na tabela da competição.

…………………………………………………………………………………………

Art. 58 – O atleta que for expulso de campo ou do banco de reservas ficará automaticamente impedido de participar da partida subsequente, independentemente de decisão da Justiça Desportiva no julgamento da infração disciplinar.

…………………………………………………………………………………………

O confronto entre os dois dispositivos revela uma divergência de tratamento do redator do regulamento de acordo com a sanção imposta pelo arbitro.  Pelo art. 57, se a punição decorrer da aplicação do terceiro cartão amarelo, a expiação da pena da suspensão automática se dará apenas e tão somente em partida oficial subsequente da mesma competição.

Enquanto isso, o art. 58 não fez essa exigência em relação à punição por cartão vermelho, limitando-se a dizer que o atleta expulso ficará automaticamente impedido de participar da partida subsequente, independentemente se essa partida é válida pela mesma competição ou por outra qualquer.

É nítido observar que o autor do Diploma, quando quis, fez expressa menção ao fato de que a suspensão automática por cartão amarelo se daria apenas e tão somente na mesma competição, não tendo feito o mesmo em relação ao cartão vermelho, valendo, aqui, a máxima ”Ubi Lex non distinguit nec nos distinguere debemus”.

Assim, de acordo com o Regulamento Geral das Competições, a suspensão automática decorrente da aplicação do cartão vermelho há de ser cumprida na partida imediatamente subsequente, seja no mesmo campeonato ou não.

No caso que me foi submetido à apreciação, noto que o Jogador “A” cumpriu a suspensão automática exatamente da forma proposta pelo dispositivo: a partida que se seguiu ao confronto entre clube “X” e clube “W” pela Copa do Brasil foi precisamente o jogo entre clube “X” e clube “Z” e o jogador não atuou, ou seja, o preceito foi observado na sua integra pelo consulente.

Vejamos agora o CBJD:

Art. 171. A suspensão por partida, prova ou equivalente será cumprida na mesma competição, torneio ou campeonato em que se verificou a infração.

Quando a suspensão não puder ser cumprida na mesma competição, campeonato ou torneio em que se verificou a infração, deverá ser cumprida na partida, prova ou equivalente subsequente de competição realizada pela mesma entidade de administração ou, desde que requerido pelo punido e a critério do presidente do órgão judicante, na forma de medida de interesse social.

A previsão do CBJD, de certa maneira, complementa a previsão do RGC, na medida em que prevê a hipótese, não contemplada no diploma anterior, da impossibilidade de que a suspensão automática possa ser cumprida na mesma competição.

Assim, em sintonia fina com o art. 58 do RGC, o CBJD prevê expressamente que a suspensão deverá ser cumprida na partida subsequente de competição realizada pela mesma entidade de administração.

Transportando-se para o caso concreto, tem-se que a partida subsequente foi exatamente aquela realizada entre clube “X” e clube “Z” pelo campeonato brasileiro, competição que é organizada pela mesma entidade que organizou a Copa do Brasil, qual seja, a Confederação Brasileira de Futebol.

Portanto, a premissa da qual se parte para acompanhar o raciocínio da denúncia, é de que a expulsão ocorrida na ultima partida de uma competição, produzirá os seus efeitos perante competição diversa, desde que organizada pela entidade.

Como afirma Gamero Casado, está-se diante da regra da “comunicabilidad intercompetencial de las sanciones”, “imponiendo el cumplimento de una sanción aunque sus efectos ya no repercutan sobre el título em juego sino sobre outra competición[9], levando o autor a crer que TODOS os efeitos de uma sanção hão de se fazer sentir na competição diferente.

Chega-se aqui ao coração da questão, e que, data máxima vênia, coloca a denúncia num beco sem saída, posto que não há argumento apresentado que responda à seguinte indagação: Se a expulsão numa competição produz efeitos noutro campeonato, porque se pretendem produzir apenas uma parte desses efeitos e não todos os que decorrem da aplicação de um cartão vermelho?

Em outras palavras: Se a punição aplicada numa competição por um árbitro é válida para que o atleta seja levado a uma Corte Desportiva e tenha expiar a sua pena noutra competição, porque o mesmo não se aplica à suspensão automática?

E acrescento outra pergunta: Onde está escrito que a detração não se aplica a esse caso?

Ou a advertência levada a cabo pela expulsão (aplicação do cartão vermelho) produz todos os seus efeitos ou não produz. Ou a regra que a prevê é válida ou não. Se é válida (e não há nenhuma demonstração em sentido contrário), ela deve produzir todas as suas consequências jurídicas. Se não é,

há que existir outra que a revogue, observando-se os princípios da cronologia, hierarquia e especialidade.

A lição não é deste parecerista, mas de Alexy…

Las reglas son normas que solo pueden ser cumplidas o no. Si uma regla es valida, entonces de harcerse exactamente ló que ella exige ni más ni menos. Por lo tanto,las reglas contienen determinaciones en el âmbito de ló fáctica y juridicamente posible[10](grifou-se)

Não há espaço para que se crie um novo instituto, parcialmente defeituoso, por obra do arbítrio de quem quer que seja, já que o princípio da legalidade, que atua, sobretudo, como cânone de segurança jurídica e que vige fulgurante no Direito Desportivo Brasileiro, ex vi do disposto no art.2, inciso VII do CBJD, assim o impede.

Para que houvesse uma resposta que justificasse esse verdadeiro tertium genus, imperioso seria que se tivesse uma fundamentação calcada em regra excepcionando o princípio geral, o que s.m.j. não existe. Muito pelo contrário, já que as regras existentes sobre o tema apontam para a necessidade de que a suspensão automática seja cumprida, conforme já visto e ainda se constatará mais à frente.

Antes, porém, convém lembrar que decisão que se tome numa comissão disciplinar não tem a capacidade de alterar as decisões e os efeitos das decisões tomadas pelo árbitro de uma partida, posto que não há uma revisão do mérito das decisões arbitrais, uma vez que, como vimos pela regra “5” das leis do jogo da FIFA, as atitudes tomadas pelo mediador do confronto são irrecorríveis.

Veja-se que, para que a decisão do árbitro pudesse ser revista por um Tribunal que aplica regras jurídicas, as regras levadas a cabo pelo mediador do confronto também teriam de ser normas de cunho jurídico, o que foi devidamente destruído pelo notável jurista alemão MAX KUMMER, ao negar, com fartura de argumentos, o caráter de juridicidade às regras do jogo e por via de consequência, a impossibilidade de sua revisão por um Tribunal.[11]

Outra não poderia ser, portanto, a postura do art. 58 do CBJD, que com clareza que ofusca a visão, adverte que:

Art. 58-B. As decisões disciplinares tomadas pela equipe de arbitragem durante a disputa de partidas, provas ou equivalentes são definitivas, não sendo passíveis de modificação pelos órgãos judicantes da Justiça Desportiva. (grifou-se)

E nem poderia ser de outra forma, já que a suspensão aplicada pelo árbitro possui natureza diversa daquela aplicada pela Justiça Desportiva, posto que, embora ambos exerçam um poder disciplinar, o árbitro pune por infrações à lei do Jogo.

Por sua vez, a Justiça Desportiva pune pela violação das regras morais que expressam o “espírito das leis do esporte” e que seriam, tomando de empréstimo as palavras de Karaquillo[12], as regras constituídas pelos princípios deontológicos desportivos, que são violados quando comportamentos, atitudes e gestos agressivos e antidesportivos são adotados pelos desportistas.

Sendo, por conseguinte, portadora de DNA diferente, a pena imposta pelo arbitro independe daquela imposta pela Justiça Desportiva.

Repita-se, a propósito a já citada previsão contida no inciso IX da RDI nº 05/04

  1. O impedimento sendo decorrente da infração às Regras do Jogo é totalmente independente das decisões da Justiça Desportiva quandoaprecie infrações às normas disciplinares.

Ainda que isso não fosse suficiente, o também já mencionado art. 58 do Regulamento Geral de Competições é igualmente não menos claro ao dizer que:

Art. 58 – O atleta que for expulso de campo ou do banco de reservas ficará automaticamente impedido de participar da partida subsequente, independentemente de decisão da Justiça Desportiva no julgamento da infração disciplinar.

Parágrafo Único.

Se o julgamento ocorrer após o cumprimento da suspensão automática, sendo o atleta suspenso, deduzir-se-à da pena imposta à partida não disputada em consequência da expulsão. (grifou-se).

A questão me parece simples, superado o tema da repercussão da sanção disciplinar em outra competição (essa sim que se afigura mais difícil, mas também já vencida): a expulsão aplicada pelo árbitro produz, automaticamente, o impedimento de o atleta participar da partida subsequente, independentemente de decisão da Justiça Desportiva.

Aliás, não é por acaso que a suspensão automática tem esse nome…

Diante de todo o exposto, uma vez aplicada a pena pela Justiça Desportiva, em caso de julgamento realizado após o cumprimento da suspensão automática, há que se aplicar o princípio da detração, reduzindo-se do montante da pena imposta, a partida em que o atleta foi automaticamente suspenso.

Transportando-se para o caso concreto: expulso da partida contra o clube “W”, Jogador “A” cumpriu a suspensão automática na partida imediatamente subsequente que se deu contra o clube “Z”; punido pelo STJD em um jogo, a pena aplicada é abatida da suspensão automática, estando o atleta naturalmente livre para exercer sua profissão, nas partidas que se seguirem.

Assim, tem-se que a Denúncia ofertada pela Douta Procuradoria do STJD, para ver o consulente ser enquadrado na regra do art. 214 do CBJD, saltou sobre ponto essencial, nada mais nada menos do que princípio desportivo erigido à condição de cânone fundamental pela FIFA, o qual a nenhuma autoridade desportiva é dado o poder de deixar de lado, senão a própria FIFA, além da fazer tabula rasa de vários dispositivos que disciplinam a questão.

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IV – DO CÔMPUTO DO PRAZO PARA INÍCIO DA EFICÁCIA DA DECISÃO CONDENATÓRIA NA JUSTIÇA DESPORTIVA

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Ao se esquecer de que a suspensão automática já fora cumprida, a denúncia prossegue na argumentação dizendo que o julgamento que se deu numa sexta feira, teria o condão de produzir seus efeitos já na partida realizada no dia seguinte, que foi, naturalmente, um sábado.

Para tanto, sustenta que o art. 133 daria suporte à sua pretensão, o qual assim dispõe:

Art. 133. Proclamado o resultado do julgamento, a decisão produzirá efeitos imediatamente, independentemente de publicação ou da presença das partes ou de seus procuradores, desde que regularmente intimados para a sessão de julgamento, salvo na hipótese de decisão condenatória, cujos efeitos produzir-se-ão a partir do dia seguinte à proclamação.

Em que pese o art. 43 do CBJD dizer que

Os prazos correrão da intimação ou citação e serão contados excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o dia do vencimento, salvo disposição em contrário.

……………………………………………………………………………………..

Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o início ou vencimento cair em sábado, domingo, feriado ou em dia em que não houver expediente normal na sede do órgão judicante.

Mesmo assim, a denúncia entende ser irrelevante o fato de que o dia seguinte à condenação seria dia não útil, alegando que não há que se confundir o termo inicial do efeito de cumprimento de prazos (por exemplo: para se interpor recursos, cf. regramento do art.43 do CBJD) com o efeito de uma punição. Embora, ambos passem a fluir no dia seguinte à proclamação do resultado, este último é imediato, iniciando-se em qualquer data e momento (dia útil, sábado, domingo ou feriado): enquanto aquele somente se iniciará em dia útil, quando há expediente do órgão judicante”. (Fls.06 da peça processual sob comento)

Ocorre que o argumento ali utilizado de que o art. 43 só se aplica a prazos processuais, não resiste a uma singela interpretação sistemática do Código, já que o CBJD aponta exatamente na direção contrária.

Com efeito, a forma da contagem do prazo descrita no art. 43 está inserida no capítulo dos prazos que se aplicam “a todos os atos praticados no processo desportivo”, à luz de seu art. 42 e não apenas aos casos de recursos.

Há que se observar que não há sequer uma relação de especialidade entre a norma do art. 133 e a regra do art. 43 do CBJD, já que a primeira trata dos efeitos da decisão, enquanto que a segunda cuida de que forma esse prazo deverá ser computado, ou seja, uma regra (art.43) dá o acabamento perfeito à outra (Art. 133), assim como as demais que tratam de prazos, como, por exemplo, o art. 138, que prevê o lapso temporal para interposição do recurso, sendo que a forma como será contado esse prazo obedece à diretriz esculpida nos arts. 42 e seguintes.

É clara a iniciativa do redator do CBJD de computar os prazos da mesma forma como se faz no âmbito estatal do processo civil e penal.

Trata-se do fenômeno narrado pelo expoente do Direito Desportivo Português, José Manuel Meirim da “assimilação do ordenamento estatal pelo ordenamento desportivo”, que acontece, por exemplo, quando ocorre a utilização de conceitos, princípios e normas dos direitos penal e processual penal publico no âmbito do Direito Disciplinar Desportivo, vez que a tipificação e o procedimento de apuração das infrações desportivas são  feitos a imagem e semelhança  das normas constantes no Direito comum.[13]

Baseados na lição do Mestre de além-mar, já tivemos a oportunidade de dizer que “os institutos criados no plano do Direito estatal e incorporados ou adaptados no âmbito disciplinar devem ser interpretados da mesma maneira[14], assim como deve ser no caso presente, em relação ao cômputo dos prazos.

Outro ponto a ser destacado nessa discussão reside na ideia subjacente à previsão contida na parte final do art. 133 de que apenas em caso da decisão condenatória os efeitos produzir-se-ão a partir do dia seguinte à proclamação.

Nota-se a nítida intenção do legislador em preservar a figura do apenado, dando-lhe condições de tentar reverter a sua punição mediante a interposição de recurso à esfera superior visando à suspensão da pena ou através de medida inominada diretamente proposta perante o Presidente do órgão judicante, na forma do art.119 do CBJD.

A proposta é clara no sentido de se permitir ao condenado a possibilidade de acesso ao duplo grau de jurisdição, como consectário dos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.

Caso se admita como viável a interpretação conferida pela denúncia, chega-se ao seguinte resultado que contraria a própria razão de ser do dispositivo: uma regra que foi criada para resguardar a parte apenada, servirá, na verdade, para prejudicá-la, o que contém uma contradição em termos, cabendo aqui a aplicação da máxima Commodissimum est, id accipi, quo res de qua agitur, magis valeat quam pereat: prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés da que os reduza à inutilidade.

Acrescente-se a isso o fato de que a aplicação dessa exegese conduz inegavelmente à lesão ao princípio isonômico.

Cogite-se, por exemplo, do caso de um atleta apenado numa segunda feira e de um jogador de outra equipe punido numa sexta, sendo que essas duas equipes irão se confrontar no domingo seguinte:

A prevalecer a tese sustentada na denúncia, a parte punida na segunda terá todos os meios processuais para conseguir fazer com que seu atleta atue no domingo, enquanto que à outra, que teve seu atleta punido na sexta, só restará se lamentar do infortúnio de ter sido julgado naquele dia …

Nesse sentido, há que se destacar que o ordenamento desportivo, conquanto seja autônomo, não é independente nem algo estranho ao ordenamento estatal; não há que ser colocado numa ilha ou numa jaula, para horror dos passantes: muito pelo contrário, pois se desenvolve dentro de mecanismos oferecidos pelo próprio Estado, do qual o exercício do direito de associação é o exemplo mais visível.

E para melhor visualização mental sobre aquilo que se acabou de dizer, poderíamos desenhar o Direito desportivo privado como um círculo menor que se contém dentro de outro maior que é ordenamento estatal.

Toda vez que o ordenamento desportivo ultrapassar o limite do seu circulo, irá colidir com as regras do Estado, o que acarretará inevitavelmente na anulação da regra ou invalidação da interpretação que, neste caso, estaria  afastando as partes das garantias processuais mínimas asseguradas pelo Direito e pela Constituição.

E nem parece ser essa a pretensão do CBJD de se colocar à margem do Direito, posto que seu art. 34 preceitua claramente que:

Art. 34. O processo desportivo observará os procedimentos sumário ou especial, regendo-se ambos pelas disposições que lhes são próprias e aplicando-se-lhes, obrigatoriamente, os princípios gerais de direito.

 

V – OS PRINCÍPIOS PRO COMPETIONE, RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE E SUA APLICAÇÃO AO CASO PRESENTE

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Reza o art. 2º do CBJD o seguinte:

Art. 2º A interpretação e aplicação deste Código observará os seguintes princípios, sem prejuízo de outros:

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XII – proporcionalidade;

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XIV – razoabilidade;

…………………………………………………………………………..

XVII – prevalência, continuidade e estabilidade das competições (pro competitione);

Começando pelo princípio pro competitione, percebe-se que o CBJD coloca a manutenção da competição desportiva, isto é, a incolumidade do torneio, como princípio norteador do regime disciplinar.

Em outras palavras, na medida do possível, a decisão do caso concreto deve ser tomada a ponto de não prejudicar o andamento e a manutenção da competição.

Conjugando-se esse postulado com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, a indicação que se tem é que a competição é mais importante que a aplicação de uma sanção disciplinar, ou seja, no jogo de ponderação a que todo aplicador do direito é levado a entrar, deve-se prestigiar, tanto quanto possível, o torneio, em detrimento de uma aplicação de pena que o prejudique.

Nesse sentido, tem-se como consectário lógico que a punição disciplinar não pode ofuscar o brilho de uma competição, quando evidente a desproporção entre o beneficio que a medida sancionatória irá proporcionar e o prejuízo que esta mesma medida irá causar ao torneio.

Sob outro prisma, é de se ressaltar que o sistema disciplinar desportivo atua fundamentalmente no sentido de preservar o principio da par conditio, que preserva a regra da igualdade entre os participantes. Assim, as sanções disciplinares são aplicadas para fazer com que se compensem os excessos praticados, com a aplicação de penas que garantam o equilibro da competição.

Transportando-se essa forma de pensar para a hipótese sub oculis, é inegável constatar-se que uma punição ao consulente não subsistiria ao mínimo controle entre o ônus e bônus de eventual medida sancionatória, cuja aferição da proporcionalidade incorrerá em evidente desequilíbrio.

Com efeito, a suposta punição a ser porventura aplicada implicará na alteração de campeonato já realizado, produzindo efeitos retroativos e de questionável validade.

Além disso, impingirá nova punição e de gravidade muito maior a quem já expiou pela sua falta, já que é sabido que o clube ” X” ficou sem o jogador numa partida do campeonato brasileiro, por conta da expulsão sofrida na Copa do Brasil.

O consulente, portanto, não obteve qualquer vantagem, já que seu atleta foi punido por uma partida de suspensão pelo STJD e cumpriu exatamente a mesma punição por intermédio da aplicação do instituto da suspensão automática, não havendo, a meu juízo, qualquer razão de cunho desportivo que clame pela aplicação de nova pena.

Para finalizar, vale como lição doutrinária a Resolução 218/1998 bis do Comité Espanhol de Disciplina Deportiva, citada por Gamero Casado, que diz que a disciplina desportiva há de atender cuidadosamente ao princípio pro competitione, no sentido de que se deve evitar que seja utilizada para a manipulação das competições, o falseamento dos resultados, ou a obtenção, mediante argúcias jurídicas, do que não se obtém nos terrenos de jogo…[15]

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VI – RESPOSTAS ÀS PERGUNTAS FORMULADAS PELO CONSULENTE

 

Uma vez fixado o entendimento sobre a matéria versada na presente consulta, passar-se-á a responder objetivamente a todas as perguntas elaboradas pelo consulente, que já foram, de certa forma, respondidas no bojo deste parecer, mas que serão apresentadas a seguir de maneira sintética.

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A – Pode um órgão subordinado à FIFA afastar o Instituto da Suspensão Automática, decorrente da aplicação do cartão vermelho pelo árbitro no campo de jogo, a seu livre alvedrio?

 

  1. Não. Em virtude do principio da uniformização das regras desportivas resultante da formatação piramidal do movimento desportivo organizado, é vedado aos filiados alterarem os fundamentos que caracterizam a modalidade, mormente o instituto em apreço, posto que destinado a assegurar a aplicação das regras do jogo, além de representar, pelos próprios dizeres da FIFA, um preceito fundamental, de observância obrigatória por todos os seus filiados.

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B – Diante das divergências normativas existentes no Direito Desportivo Nacional a respeito da forma da produção dos efeitos da suspensão automática, quando em jogo competições diversas, há alguma linha de interpretação que possa conduzir à escalação irregular do atleta Jogador “A” na partida realizada contra o Clube “Y”?

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  1. A resposta é negativa por qualquer das perspectivas de caminhos legalmente possíveis de serem adotados.

Se prevalecer o entendimento transcrito na RDI nº 05/2004 de que a suspensão automática só pode ser cumprida na mesma competição, não houve infração por parte do consulente, já que a partida ocorreu pelo campeonato brasileiro, enquanto que a expulsão aconteceu pela Copa do Brasil. O máximo que se pode admitir nesta hipótese, é que o atleta teria de cumprir a automática na primeira partida da Copa do Brasil do próximo ano, se se entender que se tratem de edições diferentes da mesma competição.

Se considerarmos como aplicável o entendimento de que a suspensão automática há de ser cumprida no campeonato brasileiro, também não houve irregularidade na escalação do atleta, posto que já havia cumprido a suspensão automática no jogo contra o clube “Z” na rodada anterior e ao ser punido por apenas um jogo pelo STJD, há que se aplicar o instituto da detração, eliminando-se qualquer pena a ser ainda cumprida.

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C – Ainda que se desconsidere a existência do instituto da suspensão automática decorrente de expulsão da partida, poderia o consulente ser punido pelo fato de que seu atleta fora apenado no dia anterior à partida contra o Clube “Y”?

 

  1. Não, porque o inicio do computo do prazo para cumprimento da sanção só se deu a partir da segunda feira, posto que a punição fora aplicada na sexta feira, sendo que o começo do prazo só pode se dar a partir do primeiro dia útil subsequente à punição, sob pena de violação ao devido processo legal e à regra igualitária.

D – Mesmo que o consulente tenha cometido algum equivoco na escalação do jogador, seria o caso de sofrer uma punição disciplinar?

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  1. Não, pois os princípios pro competitione, da razoabilidade e proporcionalidade apontam para a não aplicação de qualquer penalidade, posto que desnecessária, já que o clube não auferiu qualquer vantagem na competição, na medida em que seu atleta cumpriu devidamente a punição aplicada na sua exata proporção.

Ademais, eventual punição a ser aplicada trará funestas consequências ao desfecho de uma competição já finda, deturpando o resultado atingido no campo de jogo, através do mérito desportivo.

É o que me parece.

Rio, 14 de dezembro de 2013.

 Martinho Neves Miranda

         OAB/RJ 77.428

[1] WILL, Michael. Normas desportivas internacionais e direito interno.Traducao de Jose Angelo Estrella Faria. Brasilia: Revista de informação legislativa, no 103, jul./set.1989, p. 364.

[2] Voto proferido no processo 241/2007 no Superior Tribunal de Justiça Desportiva do futebol . Disponivel        em: http://www.conjur.com.br/2007-nov-08/stjd_aplica_lei_fi fa_rito_processual_cbf.  Acesso em 17/12/2009

[3] MIRANDA, Martinho Neves. O Direito no Desporto. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010, p.40.

[4] FILHO, Joao Lyra. Introdução ao Direito Desportivo. Rio de Janeiro: Pongetti, 1952, p. 101.

[5] Vide, a propósito, que no Torneio Rio-São Paulo, em 1997, chegou-se a impor um limite de faltas coletivas e individuais em que cinco infrações individuais tiravam o atleta por cinco minutos do jogo, e a partir da 15ª falta coletiva a equipe era punida com um tiro livre sem barreira, da meia-lua da grande área. Tal tentativa teve de ser abolida nos campeonatos subseqüentes realizados em âmbito nacional, diante da falta de reconhecimento da FIFA.

[6]Op. cit.

[7]Disponível em http://pt.fifa.com/aboutfifa/organisation/footballgovernance/disciplinary code.html. Acesso em 14/12/2013.

[8]Disponível em http://pt.fifa.com/aboutfifa/footballdevelopment/technicalsupport/refereeing/laws-of-the-game/index.html. Acesso em 13/12/2013.

[9] CASADO, Eduardo Gamero. Las Sanciones Deportivas. Barcelona: Bosch, 2003, p.260.

[10] ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 84.

[11] KUMMER, M.: Spielregel und Rechtregel, Stampfli, Berne, 1973, passim.

[12] KARAQUILLO, J.P. Le Droit Du Sport, Dalloz, Paris, 1997, p.47

[13] MEIRIM, Jose Manuel. A Federação Desportiva como Sujeito Público do Sistema Desportivo. Coimbra: Coimbra Editores, 2002, p. 63.

[14] MIRANDA, Martinho Neves. op cit. p. 80

[15] CASADO, Eduardo Gamero. op.cit, p.318.

Justiça desportiva

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8

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