A palavra do Dr. Maurício Corrêa da Veiga sobre o PROFUT

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nov
21

O Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB-DF, considera que a lei nº13.155, embora possa ser um agente que provoque mudanças na gestão desportiva, entende que houve intervenção indevida nas associações desportivas.

“O Diário Oficial da União de 05 de agosto de 2015 trouxe a publicação da Lei n.º 13.155/2015, com alguns vetos da Presidente da República em relação ao texto aprovado pela da Câmara dos Deputados quando da tramitação da Medida Provisória 671/2015, agora convertida na lei em comento que estabelece: a) princípios e práticas de responsabilidade fiscal e financeira e de gestão transparente e democrática para entidades desportivas profissionais de futebol; b) institui parcelamentos especiais para recuperação de dívidas pela União, c) cria a Autoridade Pública de Governança do Futebol – APFUT; d) dispõe sobre a gestão temerária no âmbito das entidades desportivas profissionais; e) cria a Loteria Exclusiva – LOTEX; f) cria programa de iniciação esportiva escolar; e altera dispositivos da Lei Pelé;

A data em destaque é sugestiva, tendo em vista que no dia 05 de agosto de 2016 o Brasil se tornará sede dos Jogos Olímpicos, momento no qual todas as atenções estarão voltadas para o Brasil e em especial para a cidade do Rio de Janeiro.

A Lei n.º 13.155/2015 pode ser um instrumento capaz de provocar profundas mudanças no cenário desportivo nacional, na medida em que, dentre outros pontos, adota medidas de responsabilidade fiscal dos clubes e apesar de ser voltada para o futebol, poderá fazer com que as entidades de prática desportiva passem a dar mais atenção para outras modalidades, denominadas de amadoras.

Com efeito, não é crível que modalidades como o basquetebol e o voleibol, por exemplo, apesar dos altos valores pagos aos atletas participantes, sejam tratadas como modalidades amadoras apenas por não haver a obrigatoriedade legal de registro do contrato de trabalho do atleta na respectiva entidade de administração do desporto.

O PROFUT tem como missão: “promover a gestão transparente e democrática e o equilíbrio financeiros das entidades desportivas profissionais do futebol”. O referido programa possibilita o parcelamento das dívidas dos clubes em até 240 parcelas, com redução de 70% das multas, 40% dos juros e 100% dos encargos legais dos débitos reconhecidos, confessados e consolidados das entidades desportivas. Para fazer jus ao parcelamento, o Poder Público condicionou aos clubes o cumprimento de determinadas exigências. A saber:  regularidade das obrigações trabalhistas e tributárias; imposição de limitação ao mandato do presidente e demais dirigentes eleitos; proibição de antecipação ou comprometimento de receitas; redução de déficit, limite de gastos com atletas; afastamento e inelegibilidade de dirigentes que praticarem gestão irregular ou temerária; até o investimento no futebol feminino e oferecimento de ingressos a preços populares

Em relação ao texto que tramitou no Congresso Nacional, foram objeto de veto presidencial os dispositivos que tratavam de isenção fiscal ou qualquer renúncia de receita sem a alegada previsão de mecanismo para prevenção de eventual impacto negativo.

Atualmente a dívida dos clubes de futebol do Brasil está apurada em aproximadamente 4 bilhões de reais, o que, de fato, enseja uma participação do Governo no intuito de viabilizar o pagamento da dívida mediante contrapartidas. Todavia, estas não podem interferir na autonomia dos clubes e das federações, pois assim determina o artigo 217 da Constituição Federal.

Com efeito, por melhor que seja a intenção, impor restrições ao prazo de duração dos mandatos dos dirigentes desportivos como uma das condições à adesão ao PROFUT significa intervenção estatal em entidade privada, em arrepio ao disposto na norma estabelecida na Constituição Federal.

Outrossim, alguns pontos que dizem respeito às alterações da Lei Pelé são de se lamentar.

inclusão do desporto de formação foi um avanço introduzido pela Lei n.º 13.155/2015. Todavia, a prática desta modalidade por menores com idade a partir dos 12 anos, prevista no artigo 38 (alterando o parágrafo 2º do art. 3º da Lei Pelé), infelizmente foi vetado pois, da forma como redigida, a possibilidade de adolescentes com idade inferior a quatorze anos praticarem desporto de formação organizado por entidades de prática desportiva pode mascarar relação de emprego, contrariando a restrição imposta pelo art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição Federal.

Alguns centros formadores de futuros atletas profissionais, são simplesmente impedidos de treinar os atletas menores em razão da tenra idade, sem que as autoridades competentes percebam que se não fosse aquela atividade o menor certamente estaria nas ruas, exposto à tentação das drogas, da prostituição e de inúmeras possibilidades de delitos.

É claro e evidente que estes centros formadores devem apresentar condições adequadas de receber estes menores e assegurar que a prática do desporto se dará em condições seguras.

Insta ressaltar que que os artigos 405 e 406 da CLT dispõem acerca do exercício de atividade artística infantil, estabelecendo que cabe ao Juiz da Vara da Infância e da Juventude examinar os aspectos sociais, familiares e psicológicos dos jovens com idade inferior a 14 anos, que atuam, por exemplo, no teatro ou televisão, verificando requisitos de frequência e de rendimento escolar, razão pela qual se pode concluir que o tema se insere naquela previsão contida no art. 148, IV do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990), segundo o qual a competência para se examinar ações fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos às crianças e aos adolescentes pertence ao Juízo da vara da Infância e da Juventude.

Além disso, foi feita uma errônea vinculação entre o direito de imagem e a remuneração do atleta, por força da alteração do art. 87-A da Lei Pelé que passará a vigorar com o seguinte parágrafo único. Verbis:

Art. 87-A. …………………………………………………………………………………..

Parágrafo único. Quando houver, por parte do atleta, a cessão de direitos ao uso de sua imagem para a entidade de prática desportiva detentora do contrato especial de trabalho desportivo, o valor correspondente ao uso da imagem não poderá ultrapassar 40% (quarenta por cento) da remuneração total paga ao atleta, composta pela soma do salário e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem.

Tal previsão, data vênia, dos entendimentos em sentido contrário, desnatura a própria natureza do direito de imagem.

Inicialmente deve ser destacada a previsão constante no art. 4º da Lei n.º 13.155/2015, que estabelece condições para que as entidades desportivas profissionais de futebol mantenham-se no PROFUT, dentre elas o “cumprimento dos contratos e regular pagamento dos encargos relativos a todos os profissionais contratados, referentes a verbas atinentes a salários, de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, de contribuições previdenciárias, de pagamento das obrigações contratuais e outras havidas com os atletas e demais funcionários, inclusive direito de imagem, ainda que não guardem relação direta com o salário;” (inciso VII)

De fato, o legítimo contrato de cessão de uso da imagem do atleta não guarda qualquer relação com o salário, pois trata-se de verba de natureza civil e, portanto, indenizatória, conforme expressa previsão constante na Constituição Federal e no Código Civil Brasileiro.

Com efeito, o direito de imagem está diretamente associado ao Direito da Personalidade, tendo em vista que a imagem, juntamente com o nome, a honra, a liberdade, a privacidade e o corpo, é um dos Direitos da Personalidade, que visam à proteção do ser humano e das origens de seu próprio espírito. Contudo, detém uma característica peculiar que o difere dos demais direitos da personalidade que é o conteúdo patrimonial, passível de exploração econômica.

Trata-se de direito personalíssimo e intransferível, podendo haver permissão, autorização ou concessão de seu uso, previamente estabelecidos, em contrato, como, por exemplo: finalidade de uso, abrangência territorial, meios de divulgação, quantidade de publicação, etc. O direito à imagem não pode ser transferido, mas tão somente licenciado para determinado fim e por tempo certo. Portanto é válida e lícita a cessão do direito de explorar comercialmente o uso da imagem, pois tal fato se configura em cessão da faculdade de aproveitamento econômico e exploração comercial da imagem. Entretanto, a referida cessão não representa a transmissão da titularidade do direito à imagem.

O contrato de cessão do uso de imagem, portanto, tem natureza indenizatória, mas não pode ser utilizado como forma de reduzir encargos trabalhistas como subterfúgio para pagamento de salário.

Outrossim, além do obrigatório vínculo empregatício estabelecido entre o clube empregador e atleta profissional, é plenamente possível a celebração de um contrato independente, de natureza civil, entre o clube e, geralmente, uma empresa constituída pelo atleta com a finalidade de exploração de sua imagem.

Tal contrato, repita-se, não guarda qualquer vinculação com o contrato especial de trabalho e desportivo, pois terá como objeto a “exploração” comercial da imagem do atleta através de veículos de comunicação e propaganda, com prazo de duração, abrangência territorial e objetivo delimitado.

Logo, causa estranheza a previsão contida no texto aprovado, o qual estabelece que na hipótese de o atleta ceder ao clube os direitos de uso de sua imagem, o valor que receber relativo a isso deverá ser limitado a 40% da remuneração total do atleta.

Não há como vincular uma parcela de direito civil e indenizatória à remuneração do atleta, sob pena de se reconhecer que o referido contrato de cessão de imagem do atleta feito com o clube empregador é acessório e interligado ao contrato de trabalho, fato este que contraria, de forma frontal o próprio caput do art. 87-A da Lei n. 9.615/98 e o art. 5 XXVIII da Constituição Federal.

Com efeito, a nova legislação está em vigor em nosso ordenamento jurídico desde o dia 05 de agosto de 2015 e apenas o tempo será capaz de demonstrar os reais benefícios por ela introduzidos.”

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